quinta-feira, 27 de março de 2014

BRINCADEIRAS DO ANTIGAMENTE

BRINCADEIRAS DO ANTIGAMENTE
(onde intervém o circo ambulante e o farrusco)

Fleming de Oliveira


Francisco da Adelina, recorda-se da vez em que, muito garoto, foi tirar comida do prato do farrusco, o seu cão de estimação, com que brincava, dava trambolhões, para desespero da mãe aparecia em casa com os joelhos escalavrados e nódoas negras nas pernas.
E também, quando com uns três ou quatro anos foi dar banho a um pintainho, para ver se ele sabia nadar tal como os patinhos. Claro que o pinto em breve ficou muito quieto, e não mais se mexeu.
Mais tarde, casado, passou-se consigo um caso curioso que nos contou, também com um cão. Era dono de um bonito cão, de boa raça, no qual tinha a maior confiança como animal de guarda. Certa vez necessitou de sair por dois dias. Possuía em casa um cofre, onde guardava diversos objetos de valor. Imaginando que na sua ausência alguém poderia assaltar a casa, resolveu trancar bem as portas e janelas e para maior garantia deixou o cão próximo. Quando regressou observou que a casa continuava fechada, intacta tal como o cofre. Porém, olhou em volta mas não viu o cão. Tinham roubado o animal!

Antes da II Guerra, de quando em quando uma família de aspeto pobre chegava ao entardecer. Parecia vir das fundas dobras do tempo. O homem rufava um tambor, estendia no chão uma manta. Uma menina, de cetim coçado, fazia o pino e contorcia-se. No arco do corpo esguio, apanhava para trás os tornozelos, rolava, esperava os aplausos, fletia o joelho numa vénia como de principesco aceno de dignidade. O homem colocava no chão um lenço, a menina dobrava a coluna para trás, descia lenta e apanhava o trapo com os dentes. Uma ou outra pequena moeda era atirada pelo círculo da assistência, para o boné. A maioria desandava chegado o momento da contribuição. Nada superava, porém, na opinião de Francisco da Adelina o exercício do cachorrinho que conseguia colocar as quatro patas no gargalo de uma garrafa, em perfeito equilíbrio. O raio do cão, depois disto fazia esquecer a menina, acrescentou. Era mais espetacular ainda que o homem que bebia petróleo e vomitava fogo.
Nas noites de sábado, havia bailes familiares em adegas, animados pela música de uma concertina.
Mais tarde passou a ser bastante frequentada, nos domingos dos Montes depois da missa, a taberna do Fernando Bento, cujos clientes se passaram para a de Zé Filipe, quando ela fechou e onde se bebiam uns copos, enquanto se jogava à sueca ou bisca, discutia a política da terra ou mulheres, por vezes de forma tão animada que apareciam de repente facas ou mesmo podões, para ajudar a fazer vingar as opiniões.



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