BRINCADEIRAS
DO ANTIGAMENTE
(onde intervém o circo ambulante e o farrusco)
Fleming
de Oliveira
Francisco
da Adelina, recorda-se da vez em que,
muito garoto, foi tirar comida do prato do farrusco,
o seu cão de estimação, com que brincava, dava trambolhões, para desespero
da mãe aparecia em casa com os joelhos escalavrados e nódoas negras nas pernas.
E
também, quando com uns três ou quatro anos foi dar banho a um pintainho, para
ver se ele sabia nadar tal como os patinhos. Claro que o pinto em breve ficou
muito quieto, e não mais se mexeu.
Mais
tarde, casado, passou-se consigo um caso curioso que nos contou, também com um
cão. Era dono de um bonito cão, de boa raça, no qual tinha a maior confiança como
animal de guarda. Certa vez necessitou de sair por dois dias. Possuía em
casa um cofre, onde guardava diversos objetos de valor. Imaginando que na sua
ausência alguém poderia assaltar a casa, resolveu trancar bem as portas e
janelas e para maior garantia deixou o cão próximo. Quando regressou observou
que a casa continuava fechada, intacta tal como o cofre. Porém, olhou em volta
mas não viu o cão. Tinham roubado o animal!
Antes
da II Guerra, de quando em quando uma família de aspeto pobre chegava ao entardecer.
Parecia vir das fundas dobras do tempo. O homem rufava um tambor, estendia no
chão uma manta. Uma menina, de cetim coçado, fazia o pino e contorcia-se. No
arco do corpo esguio, apanhava para trás os tornozelos, rolava, esperava os
aplausos, fletia o joelho numa vénia como de principesco aceno de dignidade. O
homem colocava no chão um lenço, a menina dobrava a coluna para trás, descia
lenta e apanhava o trapo com os dentes. Uma ou outra pequena moeda era atirada
pelo círculo da assistência, para o boné. A maioria desandava chegado o momento
da contribuição. Nada superava, porém, na opinião de Francisco da Adelina o exercício do cachorrinho
que conseguia colocar as quatro patas no gargalo de uma garrafa, em perfeito
equilíbrio. O raio do cão, depois disto
fazia esquecer a menina, acrescentou. Era mais espetacular ainda que o
homem que bebia petróleo e vomitava fogo.
Nas
noites de sábado, havia bailes familiares em adegas, animados pela música de
uma concertina.
Mais
tarde passou a ser bastante frequentada, nos domingos dos Montes depois da
missa, a taberna do Fernando Bento, cujos clientes se passaram para a de Zé
Filipe, quando ela fechou e onde se bebiam uns copos, enquanto se jogava à
sueca ou bisca, discutia a política da terra ou mulheres, por vezes de forma
tão animada que apareciam de repente facas ou mesmo podões, para ajudar a fazer
vingar as opiniões.
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