O
MANEL VAI A BANHOS NA NAZARÉ
(há mais de cinquenta
anos)
Fleming de Oliveira
Nos
meses de Julho e Agosto, já lá vão mais de cinquenta anos, era habitual a
Manuel de Sousa, de Aljubarrota, ir com o irmão à praia. No final do dia era o
grande momento do banho, quando a maior parte dos banhistas já enrolava as
toalhas, se despia nas pequenas barracas às riscas, e o sol pintava no
horizonte as suas cores de postal ilustrado. Iam para a Nazaré só depois do
almoço, apanhando uma boleia, pois de manhã ajudavam em casa.
Aos
fins de semana, o Manuel e o irmão mais novo iam com os pais no Morris preto de
duas portas, bem como o proeminente abdómen do amigo da família, o senhor
Manuel eletricista, com que este
enfrentava as vagas mais alterosas do mar no intuito, presumiam na sua ingenuidade, de o reduzir a estéticas
proporções, não escapando entretanto, por isso, ao epíteto de barriguinhas com
que era o mimado. Nesses dias, iam de manhã, alugavam uma barraca, onde comiam
o almoço feito pela mãe.
A meio
da tarde, cumpridos que eram os processos digestivos e metabólicos que
aliviavam o estômago e por vezes os intestinos, Manuel e o irmão afilavam as
orelhas tentando antecipar o pregão do homem dos gelados, Olh’ó Rajá fresquinho, olh’ó Rajá fresquinho, estão a chamar, a chamar
por mim, mas eu já lá vou! Outras vezes eram as batatas fritas, comidas de
permeio com os grãos de areia que a sofreguidão não deixava limpar das mãos. Ou
ainda os barquilhos, também chamados língua da sogra. Estas são uma imagem
mágica que Manuel de Sousa retém da infância e início da adolescência. A voz
distorcida pela corneta despoletava nos garotos uma tentação irresistível,
pais, avós, vizinha, não importava quem, alguém tinha que soltar uma moedinha
para comprar língua da sogra. Ninguém sabia quando, nem donde saía o homem com
a lata às costas e a corneta na boca. Manuel de Sousa sabia apenas que a lata
era como uma arca do tesouro. Vestido de branco ao longo dos quilómetros da
areia, o homem dos barquilhos, carregava suadamente o cilindro com roleta na
tampa, que oferecia o acaso do número das bolachinhas cónicas, umas sobre as
outras, no rodopio da palheta a raspar a gradinha. Barquilheiro! apregoava ele a prolongar a penúltima sílaba. A
estas, havia direito em maior ou menor quantidade, conforme o número que a
roleta situada na tampa do enorme balde vermelho de metal ditava. Qualquer que
fosse o número da sorte, cada rodada custava cinco tostões. Manel e o irmão
nesse dia mais uma vez pediram ao pai uma moedita, fizeram girar a roda da
sorte e saíram-lhes, ao todo, cinco barquilhos para os dois.
Os
vendedores de gelados também eram uma constante na avenida marginal. Tocavam
freneticamente a campainha do triciclo anunciando o gelado de vários paladares
com um fruta ou chocolate. O
cone mais pequeno custava $50 e o maior um escudo
Quase
ao pôr do sol a família Sousa e o Manel eletricista
faziam o caminho inverso para Aljubarrota, bem apertados no Morris. A roupa
encostada ao corpo queimado pelo sol, arranhava a pele do Manel. Mas era
gostoso. No próximo fim de semana, lá estariam todos outra vez, se o tempo
ajudasse.
Que bom
é ir à praia.
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