JOSÉ ANTÓNIO CRESPO, UM ALCOBACENSE ASSOCIATIVISTA NATO
O MUDJVENIL EM ALCOBAÇA
Fleming de Oliveira
Com
cerca de vinte e poucos anos, sem que tivesse tido antes militância política ou
especial apetência (mas por não concordar de todo com a situação), José António
Crespo, começou a participar nas atividades do MUDJuvenil, em Alcobaça.
Conhecia
alguns rapazes que integravam este movimento e sabia ou ouvia dizer que ele
era, em parte, controlado pelo PC. Isso todavia, não o impediu de colaborar com
o movimento, que era o único, com a exceção da União Nacional (e esta estava
fora de questão), que tinha alguma estrutura e capacidade de atuação como
pretendia.
O
MUDJuvenil podia, eventualmente, não ser uma organização do PC, mas submetia-se
à sua tutela, com vista a fazer política e captar jovens de diferentes credos e
sensibilidades. O MUDJuvenil, o juvenil
como era vulgarmente chamado, teria por alturas de 1947, cerca de 20.000
aderentes ou/e simpatizantes, por todo o País. Por alturas de 1947/48 no MUD, de
Alcobaça, incluindo o MUDJuvenil, existiriam uns 300 adeptos, espalhados pelo
Concelho, cujos contactos entre si ou com eles, eram restritos e principalmente
desenvolvidos por quadros intermédios seniores. Por vezes, os elementos do
MUDJ, sem excluir Alcobaça, por uma questão de segurança, usavam pseudónimos, o
que todavia não foi o caso de Crespo. Isso dava à ação uma certa áurea de
romantismo, especialmente atraente para um jovem idealista, como era. Salvo
raras exceções, José A. Crespo desconhecia concretamente quem eram os demais
elementos do MUD, bem como a sua atividade. A ação de Crespo, enquanto elemento
do MUDJ, não consistia tanto participar em reuniões clandestinas ou discutir a
agenda política mas, fundamentalmente, em distribuir propaganda, como o Avante
metido por debaixo da porta. O jornal chegava-lhe às mãos ainda com cheiro de
tinta, através de militantes como
Gilberto Magalhães Coutinho, tido por afeto ao PC. A distribuição do jornal
tanto se fazia de noite, como de dia, não lhe constando que alguém tivesse sido
apanhado em Alcobaça em flagrante, quer pela Polícia ou pela PIDE.
Num
determinado dia, possivelmente nos princípios de Junho de 1947, José António Crespo
recebeu um aviso/notificação para se apresentar nas instalações do Governo
Civil de Leiria, sem que todavia, lhe fossem explicadas as razões da convocatória.
Deslocou-se para a estação de caminho de ferro do Valado de Frades e aí
constatou que havia mais uns 3 ou 4 rapazes convocados para o mesmo destino. A
deslocação de comboio para Leiria, fez-se em terceira classe, e à custa de cada
um.
Chegados
a pé e apreensivos ao Governo Civil, foram interrogados por agentes da PIDE
sobre a forma como se processava a distribuição do Avante ou a demais propaganda
clandestina, bem como as circunstâncias de impressão, concretamente, onde ou se
havia na região alguma máquina para o efeito.
Dado o
adiantado da hora e por força dos interrogatórios que deveriam prosseguir, a
PIDE não os deixou regressar a casa, sendo todos conduzidos para os calabouços
do Governo Civil. Ao entrarem na cela (ficaram todos na mesma), possuidora de grades
como qualquer uma e camas baixas/tarimbas, foram revistados, obrigados a tirar
o cinto e a gravata, neste caso também por via de dúvidas.
Crespo
não se admirou do procedimento, pois já tinha ouvido dizer que essa medida
habitual, tinha um efeito psicológico negativo, além de que era cautelar,
prevenia sempre o risco de acidente.
Crespo esteve quatro dias detido nos calabouços do Governo Civil de Leiria, sendo
interrogado várias vezes, mas nunca foi mal tratado. A comida que não era muito
má não vinha do quartel próximo, mas sim de uma pensão, cujos donos eram de
Alcobaça, mas que não conhecia. Ao fim daqueles quatro dias, os 5 detidos começaram aos poucos a ser libertados,
embora um de cada vez. Quando Crespo e demais companheiros saíram dos
calabouços do Governo Civil, para festejar compraram uma cautela comemorativa
do 10 de junho que dias depois se veio a revelar premiada com 1.500$00.
Regressados
a casa, voltaram aos respetivos postos de trabalho, sem problemas de maior, que
no caso de José Crespo era na Resinagem Nacional, Ldª.
A
partir de então, não obstante não ter voltado a ser preso, sabia/sentia-se
vigiado pela PIDE, ainda que fosse só por rotina, que pretendia saber os seus
movimentos.
Silvino,
da Caçadora, Chefe da Secção Policial
da Câmara Municipal, dadas as boas relações que mantinha com Crespo, quando
sabia que havia pedidos de informação da PIDE, dava-lhe prévio conhecimento,
bem como da informação prestada.
Tanto
quanto sabia (e não teve dúvidas), as informações de Silvino da Caçadora para a PIDE, eram sempre e
só por razões de serviço, por iniciativa daquela e no sentido de que não havia
nada a relatar em desabono.
Crespo
continuou a desenvolver alguma atividade política na oposição, com discrição,
concretamente quando se tratou da campanha do Gen. Delgado.
Nesta,
embora soubesse de algumas iniciativas, nunca participou em reuniões realizadas
na casa da Cela ou noutro local.
Também
fez parte do Orfeão Popular Alcobacense, quando era maestro Daniel de Sousa.
Este
agrupamento teve curta duração e uma vida atribulada. J. Crespo recorda que em
fins de 1946 foi eleita uma Comissão Administrativa (aprovada superiormente),
composta exclusivamente por orfeonistas, de acordo com uma proposta de Leonel
Belo, aprovada por unanimidade. Esta Comissão era constituída pelos seguintes elementos: PRESIDENTE:
Artur Faria Borda SECRETÁRIO: Fernando Cordeiro e Cunha. TESOUREIRO: Leonel
Afonso Belo. VOGAIS: José Serafim Bernardo e Maria Luísa Ventura.
O
Orfeão, tinha a fama de ser constituído por elementos da oposição, pelo que,
tendo uma vez estado prevista uma saída para um espetáculo, foi à última hora impedido
pela PIDE, com o argumento de que era um grupo que desenvolvia uma atividade
subversiva e que a iria espalhar.
Por
esta, e por outras, o Orfeão morreu na
casca.
Em
Alcobaça, Crespo conheceu muita gente da oposição democrática, mas nunca teve
grandes contactos, nem relações com ela, porque eram pessoas mais velhas e no
seu dizer tidas como pertencendo a outro nível cultural ou estrato social. E de
indiscutível idoneidade.
Crespo
não tem dúvidas em afirmar, que em Alcobaça, também havia informadores da PIDE,
os quais eram difíceis de identificar.
Nunca
soube, de forma segura, para além da boataria, do nome de nenhum bufo.
Complementarmente
à atividade profissional na Resinagem Nacional, Ldª. e na Câmara/Turismo, Crespo
dedicou grande parte do seu tempo à vida associativa, associações culturais,
sociais, desportivas e recreativas, participando dos respetivos corpos sociais.
Destacava a Orquestra Típica e Coral de Alcobaça, de que foi secretário por diversas vezes no seu tempo mais
expressivo, concretamente numa altura em que foi Presidente da Direção o Dr.
Amílcar Pereira de Magalhães, os Bombeiros Voluntários, o Clube de Campismo
(fundado a 28 de Maio de 1945), o Clube de Natação (de que foi fundador), o Ginásio Clube de Alcobaça (fundado em
1946) de que era o sócio nº 4 e diretor durante 16 anos ininterruptos, a Santa Casa da Misericórdia de cujos
corpos diretivos fez parte como secretário da Assembleia Geral desde 1962 até
falecer, há cerca de 4 anos. Note-se que o Livro de Actas da SCMA, está quase
exclusiva escrito pela sua mão.
Fez
ainda parte do Rancho Folclórico O Alcoa, onde além de Diretor, também foi
dançarino. Este grupo, que teve o seu
apogeu depois da II Guerra, deslocava-se gratuitamente a muitas localidades do
País a convite das respetivas Câmaras Municipais e associações congéneres,
interpretava números do folclore nacional, embora de maneira estilizada. O
traje utilizado, era uma evolução de antigos usados na região. Nas suas atuações
em palco, o grupo distribuía-se por conjuntos de quatro dançarinos, cada um
composto por dois homens e duas mulheres, num total de quatro grupos e era
acompanhado por um conjunto instrumental. Cada conjunto de dançarinos utilizava
uma cor, sendo elas o amarelo, o azul, o verde e o vermelho. O traje de José
Crespo consistia numa camisa amarela, calça e sapatos pretos, enquanto o seu
par vestia de amarelo e usava um chapéu preto sobre um lenço redondo, sem abas,
com uma peninha a enfeitar, no jeito da região de Leiria, mas que também
utilizado em Pataias..
José
Crespo na altura em que entrou para o Rancho, cerca de dois anos após a sua
re-fundação, tinha 18 anos, era ágil e tão magro para a altura (1,67m), que nas
sortes, ficou isento do serviço
militar. Os re-fundadores do Rancho O
Alcoa, foram Ernesto Joaquim Coelho,
conhecido por Cristo, Joaquim Pedrosa
Silvério de Carvalho e Gilberto Magalhães Coutinho. Todos eram dançarinos mas,
também chegaram a representar em peças teatrais.
No
tempo da I República tinha havido também em Alcobaça durante alguns anos um
rancho folclórico denominado O Alcoa, que se extinguiu antes do 28 de Maio.
Algumas interpretações do novo O
Alcoa, foram recuperadas do reportório do primitivo, como por exemplo a Marcha
do Alcoa (indicativo do grupo que iniciava as atuações) ou Manhãs de Abril.
O novo rancho, além da componente
folclórica, também fazia teatro, interpretando peças como A Bruxa, Os Sinos de
Cornevil e montando uma revista que se intitulou, a Revista de Alcobaça. Nesta,
a grande curiosidade decorria de as roupas serem pintadas à mão, na linha da
tradicional louça e fruta de Alcobaça. As representações decorriam no edifício
da sede, ao lado da antiga escola do Prof. Cravo, em frente à Farmácia
Magalhães. Crespo também fez parte do elenco teatral do Rancho, tendo
participado naquelas peças, além de outras, as quais dispunham sempre de
acompanhamento musical, onde se destacavam no piano Mercedes Campeão, no
contrabaixo Calçada, no violino Adelino André e Zezinho Militar, na violeta Carlos Campeão. Os esforçados
ensaiadores, eram o casal Carlos e Mercedes Campeão, sendo diretores, entre
outros, os irmãos Ernesto e Firmo Almeida, que diziam não gostar de representar.
Na
sala, colocavam-se cadeiras, que podiam servir umas 200 pessoas, havia um palco
e camarins nas traseiras. O Rancho apresentou-se no Cine Teatro, no dia 15 de
Agosto de 1947, com uma revista-fantasia da autoria de Firmo de Almeida. A sala
estava cheia e o público no final ovacionou de pé e longamente os artistas, destacando
o autor da peça.
José
Crespo recorda que, estando em ensaio uma peça em que um elemento deveria
entrar descalço, alguém por pura malandrice, resolveu polvilhar o palco com
cardas (pequenos pregos que se costumavam utilizar nas botas), o que quando
foram calcadas, deram lugar a uma confusão tremenda, com berros e gritos por
parte do visado, e do encenador, Carlos Campeão, que não achou graça nenhuma à
brincadeira, e muito mal humorado deu por acabado o ensaio.
O
Rancho também organizava bailes e outras festas, sempre muito concorridas, por
alturas do Carnaval e Fim de Ano, fazendo deslocar orquestras conhecidas e em
voga no país.
O
ambiente no Rancho era agradável, e os seus elementos encontravam-se, fora dos
ensaios e das atuações. Crespo recorda uma noite em que, vários elementos do
Rancho foram para casa de Couto Pinho, para
palear e beber uns copos. A certa altura, depois da maior parte dos
convivas ter bebido água-pé, e comido qualquer coisa, Crespo descobriu a um
canto uma garrafa já vazia, que foi encher de água-pé. Todavia, o que não sabia,
é que a dita garrafa tinha guardado anteriormente metabissulfito. Assim,
recorda, os efeitos que sentiu e outros no dia seguinte, e a revolta que aqueles golinhos lhes deram
nos intestinos, uma verdadeira limpeza.
O
Rancho O Alcoa ensaiava à noite, depois do jantar, uma ou duas vezes por semana,
conforme houvesse ou não atuações. Como era composto por muitas raparigas,
algumas das redondezas da Vila, era necessário que alguém as levasse a casa, o
que por cautela se fazia em grupos,
mais ou menos numerosos. José Crespo gostava da missão para que estava sempre
disponível e, quando tinha dinheiro, também
de passar ainda pela Casa de comes e
bebes do João Rosa, para beber um
copito de tinto, acompanhado por uns jaquinzinhos ou ovos cozidos. Nas saídas do
Rancho, as meninas eram normalmente acompanhadas por mães muito zelosas e sempre
atentas às investidas dos rapazes.
Numa
vez em que o Rancho foi atuar na Praça de Touros de Santarém, o José
Coelho, anunciou a José Crespo que
estava com uma grande dor de barriga, pelo que precisava de ir ali e já vinha. Mas como não conhecia os cantos da
casa, foi direito a um curro e, como estava escuro, só se apercebeu da presença
de um animal, quando ouviu o respetivo mugido. Não obstante, o touro se
encontrar preso (como depois veio a saber), o José Coelho ficou tão aflito e
perturbado que, mesmo antes do tempo, deu por fim à visita, pondo-se a correr
(de calças na mão?).
De uma
outra vez, no decurso de uma saída, uma das componentes mais velhas do Rancho,
abriu o vidro do carro para cuspir, só que também foi a dentadura. Apesar das
aturadas buscas para a encontrar, até hoje ainda não apareceu...
José
Crespo admite que o gosto e experiência pelo trabalho em grupo, foi importante
para, em determinada fase da vida, ter tido uma atuação política.
Política
ativa e com responsabilidades, só depois do 25 de Abril, quando foi Presidente
da Junta de Freguesia de Alcobaça, durante três mandatos. Reclamando-se um
homem das associações, salienta, que nunca fez parte apenas duas associações de
Alcobaça, o Clube de Ténis e Clube Alcobacense, este tido antes do 25 de Abril por elitista.
NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE SALAZAR, CAETANO
E OUTROS.
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