segunda-feira, 31 de março de 2014

HUMBERTO DELGADO, AS CHAPELADAS, A CELA/ALCOBAÇA E FRANCISCO EUSÉBIO


 

HUMBERTO DELGADO, AS CHAPELADAS, A CELA/ALCOBAÇA E FRANCISCO EUSÉBIO
Fleming de Oliveira


Ouvi contar a um antigo Presidente da Câmara de Alcobaça, que em uma ou duas mesas de voto no Concelho, chegaram a aparecer mais boletins, do que total dos inscritos nos respetivos cadernos eleitorais. Talvez por isso, mas não só, vingou a tese  que Delgado ganhou, nas urnas, as eleições de 1958. Os resultados fornecidos pelo Regime, deram a nível nacional 75,8% a Tomás e 23,6% a Delgado. Todavia, alguns analistas, entendem que esta tão grande diferença, não pode ser apenas o fruto de fraude stritu sensu, no momento do apuramento dos votos, mas principalmente o efeito de uma enorme máquina manipulatória, intimidatória e trituradora, que se iniciava com o recenseamento eleitoral.
Na verdade, só era facilitado o recenseamento aos que eram de confiança. A oposição não tinha acesso aos cadernos eleitorais, outrossim a obrigação de distribuir pelos eleitores os boletins de voto, bem como encontrava-se impedida de fiscalizar o ato. Como referi noutro momento, no próprio dia das eleições, havia operações fraudulentas, algumas bem elementares ou primárias, como as alterações dos resultados (longe de concordar com os votos expressos), transportes que permitiam que se arregimentassem pessoas ou até que se votasse, mais que uma vez.
Tendo isto em conta pode-se, mesmo assim, afirmar que o resultado obtido por Delgado, foi expressivo, embora bastante distante do que seria a vontade nacional.

De acordo com o G.N.R., o falecido sold. Joaquim Meneses, que não gostava falar de política, embora  ouvisse falar das chapeladas, isso era tema tabu, na corporação. Sobre as eleições presidenciais de 1958, a imprensa local de Alcobaça (O ALCOA), foi bastante sóbria, referindo de forma meramente circunstancial, os candidatos da oposição, o Advogado de Lisboa, Arlindo Vicente, afeto ao PC, bem como o Gen. Humberto Delgado, que ao contrário deste, era tratado deferentemente como S. Ex.ª, talvez por ser um oficial prestigiado e ter uma propriedade na Cela, onde passava os fins de semana e algum tempo livre.
Joaquim Meneses, encontrou-se algumas vezes, embora só por motivos de serviço, com Humberto Delgado na sua quinta.
Quando era a festa de S. Pedro na Cela, deslocava-se para lá uma patrulha da G.N.R., de que Meneses fez parte várias vezes. Quando o pessoal da Guarda chegava, Delgado dava pessoalmente instruções à cozinheira para servir um bom almoço e ser bem tratado. Falava cordialmente, embora com banalidades, com os elementos da patrulha, dizendo-lhes que ali só havia boa gente e para estarem à vontade.
Meneses salienta que os elementos da G.N.R., antes de saírem em serviço no dia das eleições, tinham de  votar, o que no seu caso fazia por dever de ofício, pois que nunca teve interesse pela política. Ia votar  (sem hesitação), nas listas da U.N., pois no dia anterior, o comandante do Posto, no cumprimento de instruções que vinham de Leiria ou Lisboa, dizia-lhes aonde o voto tinha de ser colocado.

Há quem conte na Cela-Alcobaça, (será que é apenas lenda?) que (Delgado) era um bom aviador. Até chegava a vir aqui fazer piruetas na Cela a voar sobre a quinta dele. Uma vez passou pelo avião por debaixo dos fios da linha do caminho-de-ferro.
Joaquim Moutinho, recorda uma ocasião em que Delgado veio de Lisboa de visita à família e estava a observar a atuação do rancho folclórico local. Como fazia muito calor, abrigou-se à sombra de uma árvore, mas o vento teimava em atirar-lhe um ramo contra a cara, até que, com gesto rápido, destroçou a tranca, atirou-a ao chão e exclamou em voz alta se eu apanhasse aqui o Salazar fazia-lhe a mesma coisa.

Francisco Leonardo Eusébio foi sacristão da Cela, entre 1952 e 1956, altura em que era Pároco o famoso Pe. João de Sousa e até ir cumprir serviço militar.
Foi no exercício dessas funções, que conheceu Humberto Delgado. Delgado ia à missa e, terminada esta, não prescindia de ir cumprimentar o Pe. João de Sousa na sacristia, enquanto se desparamentava.
Nas Festas de S. Pedro (29 de junho), havia romaria a partir da Capela de S. Bento, situada dentro da propriedade de Delgado, com sermão, missa cantada e procissão, bem como a participação da (extinta) Banda da Cela, que atuava num coreto improvisado, enquanto o povo se distraía, na conversa e, nos comes e bebes.
A Capela de S. Bento é a mais antiga igreja da freguesia da Cela e, segundo se diz das mais antigas do Concelho. A procissão de S. Pedro, saía da Capela de S. Bento, com a banda a tocar, ia até ao Largo da Estação da C.P., dava a volta e regressava.
Por altura das festas, Delgado costumava convidar para almoçar, os principais responsáveis da organização, Igreja (padre e sacristão) incluída. Foi assim na qualidade de sacristão que Francisco Eusébio foi algumas vezes almoçar a casa de Delgado e com ele trocou algumas palavras de circunstância.
Apesar de estimar e respeitar pessoalmente Delgado, pessoa afável e popular, conceituado oficial, Francisco Eusébio não participou na campanha eleitoral, porque sendo membro da União Nacional, não podia aparecer como opositor do regime. Mas também não queria aparecer contra Delgado.

Num ano da década de cinquenta que Francisco Eusébio não consegue localizar, no largo da Cela Velha, o andor de S. Pedro, transportado por quatro trôpegos velhotes, após de ter saído da Capela de S. Bento, desequilibrou-se, tendo a imagem, em barro, caído estrondosamente no pavimento, ficando muitíssimo estragada, o que levou a que um daqueles tivesse vociferado, muito mal humorado, em voz bem alta: Rai’ s te partam, partiu-se todo. Acontece que, perto se encontrava o Joaquim Madeira Júnior, que foi a casa buscar um lençol para, piedosamente, recolher os cacos, que voltou a colocar em cima do andor que prosseguiu caminho.

A eletricidade chegou tardiamente à Cela, depois de Aljubarrota a primeira freguesia do concelho ser eletrificada, e graças ao empenho de Delgado.
Qual a razão desse interesse?
Num fim de semana que este veio à quinta, deslocando-se de automóvel, terá dito ao ordenança-motorista, que o caminho era sempre em frente… Este, levou a informação tanto à letra que, antes de chegar a casa, o carro despistou-se numa curva apertada e caiu numa pequena ravina. Ninguém saiu ferido, mas Delgado chegou a casa muito irritado e sujo, tendo este sido segundo Francisco Eusébio, o pretexto para daí em diante reclamar, com todo o peso da sua posição, a luz elétrica para a freguesia.

Quando nos anos trinta se levou a cabo o Plano de Rega dos Campos da Cela, o governo pretendeu lançar uma taxa sobre os utentes, a qual foi considerada muito pesada e difícil de pagar. Sabe-se que Delgado interveio junto do governo, aliás era um especial interessado dado ser grande regante, para a abolir, o que veio a acontecer.
Mais tarde, em meados dos anos cinquenta, o governo pretendeu de novo introduzir uma taxa aos regantes da Cela, mas desta vez foi o Pe. João de Sousa quem manobrou com eficácia, no sentido de a iniciativa não se ter concretizado.

Antes do 25 de Abril, Francisco Eusébio foi Tesoureiro da Junta e Regedor, nomeado pela Câmara presidida por Tarcísio Trindade. A regedoria funcionava em sua casa. Como regedor, sem nada ganhar, competia-lhe fazer notificações, zelar pela manutenção da ordem e redigir informações.
Eusébio, não obstante alinhar com o regime, louva-se de nunca ter tido contactos com a PIDE, colaborado com algum agente ou informador, nem sofrido pressões para fazer ou deixar de fazer alguma coisa.
A Cela era (é) uma terra de fraco desenvolvimento, com uma população essencialmente rural e as manifestações que, porventura, houvesse contra o governo, aconteciam aos domingos, na taberna.

Não existem registos de notícias de grandes manifestações de apoio expresso em Alcobaça ao candidato Tomás, mas outrossim à política do governo, salvo depois de se saber os resultados eleitorais, com os encómios habituais. É também impossível saber até que ponto os resultados aqui foram viciados, pois a fiscalização das urnas foi inexistente, e as chapeladas eram vulgares. Dos 6.174 eleitores inscritos no concelho, votaram 4.755, dos quais 3.044 no Alm.  Tomás e 1.704 no Gen. Delgado. O Advogado Arlindo Vicente, que era apoiado pelo PC, não foi às urnas, tendo desistido dias antes do ato eleitoral.
NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE SALAZAR, CAETANO E OUTROS.

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