HUMBERTO DELGADO, AS CHAPELADAS, A CELA/ALCOBAÇA E FRANCISCO EUSÉBIO
Fleming de Oliveira
Ouvi
contar a um antigo Presidente da Câmara de Alcobaça, que em uma ou duas mesas
de voto no Concelho, chegaram a aparecer mais boletins, do que total dos inscritos
nos respetivos cadernos eleitorais. Talvez por isso, mas não só, vingou a tese que Delgado ganhou, nas urnas, as eleições de
1958. Os resultados fornecidos pelo Regime, deram a nível nacional 75,8% a
Tomás e 23,6% a Delgado. Todavia, alguns analistas, entendem que esta tão
grande diferença, não pode ser apenas o fruto de fraude stritu sensu, no momento do apuramento dos votos, mas
principalmente o efeito de uma enorme máquina manipulatória, intimidatória e
trituradora, que se iniciava com o recenseamento eleitoral.
Na
verdade, só era facilitado o
recenseamento aos que eram de confiança. A
oposição não tinha acesso aos cadernos eleitorais, outrossim a obrigação de
distribuir pelos eleitores os boletins de voto, bem como encontrava-se impedida
de fiscalizar o ato. Como referi noutro momento, no próprio dia das eleições,
havia operações fraudulentas, algumas bem elementares ou primárias, como as
alterações dos resultados (longe de concordar com os votos expressos), transportes
que permitiam que se arregimentassem pessoas ou até que se votasse, mais que
uma vez.
Tendo
isto em conta pode-se, mesmo assim, afirmar que o resultado obtido por Delgado,
foi expressivo, embora bastante distante do que seria a vontade nacional.
De
acordo com o G.N.R., o falecido sold. Joaquim Meneses, que não gostava falar de
política, embora ouvisse falar das chapeladas, isso era tema tabu, na
corporação. Sobre as eleições presidenciais de 1958, a imprensa local de Alcobaça
(O ALCOA), foi bastante sóbria,
referindo de forma meramente circunstancial, os candidatos da oposição, o
Advogado de Lisboa, Arlindo Vicente, afeto ao PC, bem como o Gen. Humberto Delgado,
que ao contrário deste, era tratado deferentemente como S. Ex.ª, talvez por ser
um oficial prestigiado e ter uma propriedade na Cela, onde passava os fins de
semana e algum tempo livre.
Joaquim
Meneses, encontrou-se algumas vezes, embora só por motivos de serviço, com
Humberto Delgado na sua quinta.
Quando
era a festa de S. Pedro na Cela, deslocava-se para lá uma patrulha da G.N.R.,
de que Meneses fez parte várias vezes. Quando o pessoal da Guarda chegava,
Delgado dava pessoalmente instruções à cozinheira para servir um bom almoço e
ser bem tratado. Falava cordialmente, embora com banalidades, com os elementos
da patrulha, dizendo-lhes que ali só
havia boa gente e para estarem à vontade.
Meneses
salienta que os elementos da G.N.R., antes de saírem em serviço no dia das
eleições, tinham de votar, o que no seu
caso fazia por dever de ofício, pois que nunca teve interesse pela política. Ia
votar (sem hesitação), nas listas da
U.N., pois no dia anterior, o comandante do Posto, no cumprimento de instruções
que vinham de Leiria ou Lisboa, dizia-lhes aonde o voto tinha de ser colocado.
Há
quem conte na Cela-Alcobaça, (será que é apenas lenda?) que (Delgado) era um bom
aviador. Até chegava a vir aqui fazer piruetas na Cela a voar sobre a quinta
dele. Uma vez passou pelo avião por debaixo dos fios da linha do
caminho-de-ferro.
Joaquim
Moutinho, recorda uma ocasião em que Delgado veio de Lisboa de visita à família
e estava a observar a atuação do rancho folclórico local. Como fazia muito
calor, abrigou-se à sombra de uma árvore, mas o vento teimava em atirar-lhe um
ramo contra a cara, até que, com gesto rápido, destroçou a tranca, atirou-a ao
chão e exclamou em voz alta se eu
apanhasse aqui o Salazar fazia-lhe a mesma coisa.
Francisco
Leonardo Eusébio foi sacristão da Cela, entre 1952 e 1956, altura em que era
Pároco o famoso Pe. João de Sousa e até ir cumprir serviço militar.
Foi no
exercício dessas funções, que conheceu Humberto Delgado. Delgado ia à missa e,
terminada esta, não prescindia de ir cumprimentar o Pe. João de Sousa na
sacristia, enquanto se desparamentava.
Nas Festas
de S. Pedro (29 de junho), havia romaria a partir da Capela de S. Bento,
situada dentro da propriedade de Delgado, com sermão, missa cantada e
procissão, bem como a participação da (extinta) Banda da Cela, que atuava num coreto
improvisado, enquanto o povo se distraía, na conversa e, nos comes e bebes.
A
Capela de S. Bento é a mais antiga igreja da freguesia da Cela e, segundo se
diz das mais antigas do Concelho. A procissão de S. Pedro, saía da Capela de S.
Bento, com a banda a tocar, ia até ao Largo da Estação da C.P., dava a volta e
regressava.
Por
altura das festas, Delgado costumava convidar para almoçar, os principais
responsáveis da organização, Igreja (padre e sacristão) incluída. Foi assim na
qualidade de sacristão que Francisco Eusébio foi algumas vezes almoçar a casa
de Delgado e com ele trocou algumas palavras de circunstância.
Apesar
de estimar e respeitar pessoalmente Delgado, pessoa afável e popular,
conceituado oficial, Francisco Eusébio não participou na campanha eleitoral,
porque sendo membro da União Nacional, não podia aparecer como opositor do
regime. Mas também não queria aparecer contra Delgado.
Num
ano da década de cinquenta que Francisco Eusébio não consegue localizar, no
largo da Cela Velha, o andor de S. Pedro, transportado por quatro trôpegos
velhotes, após de ter saído da Capela de S. Bento, desequilibrou-se, tendo a
imagem, em barro, caído estrondosamente no pavimento, ficando muitíssimo
estragada, o que levou a que um daqueles tivesse vociferado, muito mal
humorado, em voz bem alta: Rai’ s te
partam, partiu-se todo. Acontece que, perto se encontrava o Joaquim Madeira
Júnior, que foi a casa buscar um lençol para, piedosamente, recolher os cacos,
que voltou a colocar em cima do andor que prosseguiu caminho.
A eletricidade
chegou tardiamente à Cela, depois de Aljubarrota a primeira freguesia do
concelho ser eletrificada, e graças ao empenho
de Delgado.
Qual a
razão desse interesse?
Num
fim de semana que este veio à quinta, deslocando-se de automóvel, terá dito ao
ordenança-motorista, que o caminho era
sempre em frente… Este, levou a informação tanto à letra que, antes de
chegar a casa, o carro despistou-se numa curva apertada e caiu numa pequena
ravina. Ninguém saiu ferido, mas Delgado chegou a casa muito irritado e sujo,
tendo este sido segundo Francisco Eusébio, o pretexto para daí em diante reclamar, com todo o peso da sua
posição, a luz elétrica para a freguesia.
Quando
nos anos trinta se levou a cabo o Plano de Rega dos Campos da Cela, o governo
pretendeu lançar uma taxa sobre os utentes, a qual foi considerada muito pesada
e difícil de pagar. Sabe-se que Delgado interveio junto do governo, aliás era
um especial interessado dado ser grande regante, para a abolir, o que veio a
acontecer.
Mais
tarde, em meados dos anos cinquenta, o governo pretendeu de novo introduzir uma
taxa aos regantes da Cela, mas desta vez foi o Pe. João de Sousa quem manobrou
com eficácia, no sentido de a iniciativa não se ter concretizado.
Antes
do 25 de Abril, Francisco Eusébio foi Tesoureiro da Junta e Regedor, nomeado
pela Câmara presidida por Tarcísio Trindade. A regedoria funcionava em sua
casa. Como regedor, sem nada ganhar, competia-lhe fazer notificações, zelar
pela manutenção da ordem e redigir informações.
Eusébio,
não obstante alinhar com o regime, louva-se de nunca ter tido contactos com a
PIDE, colaborado com algum agente ou informador, nem sofrido pressões para
fazer ou deixar de fazer alguma coisa.
A Cela
era (é) uma terra de fraco desenvolvimento, com uma população essencialmente
rural e as manifestações que, porventura, houvesse contra o governo, aconteciam
aos domingos, na taberna.
Não
existem registos de notícias de grandes manifestações de apoio expresso em
Alcobaça ao candidato Tomás, mas outrossim à política do governo, salvo depois
de se saber os resultados eleitorais, com os encómios habituais. É também
impossível saber até que ponto os resultados aqui foram viciados, pois a
fiscalização das urnas foi inexistente, e as chapeladas eram vulgares. Dos 6.174 eleitores inscritos no
concelho, votaram 4.755, dos quais 3.044 no Alm. Tomás e 1.704 no Gen. Delgado. O Advogado
Arlindo Vicente, que era apoiado pelo PC, não foi às urnas, tendo desistido
dias antes do ato eleitoral.
NOTA-cfr. o nosso, NO TEMPO DE SALAZAR, CAETANO
E OUTROS.
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