O período de tempo que decorreu entre a morte de Sidónio Pais, em 14 de Dezembro de 1918, ao entrar para a Estação do Rossio, no auge do seu mito, e o golpe do Estado Novo em 1926, caracterizou-se no nosso País por uma excessiva instabilidade política, com desordens e luta pelo poder e por grandes dificuldades económicas.
Em 1919, os mais conhecidos e importantes dirigentes republicanos tinham sido varridos na voragem política, encontravam-se retirados como Afonso Costa ou haviam mesmo morrido como Manuel de Arriaga ou Teófilo de Braga. Nesse ano, o Partido Unionista desintegrou-se e Brito Camacho afastou-se da política lisboeta, não mais entrando no Parlamento, indo ocupar o lugar de Alto-Comissário e Governador-Geral de Moçambique. António José de Almeida, com 57 anos de idade, apesar da sua abalada saúde e decepção perante o evoluir dos recentes acontecimentos, sentia uma grande dívida para com a República. Eleito pelo Congresso de 1919, em 5 de Outubro, passou a ser o sexto Presidente da República e o único da 1ª República que cumpriu integralmente o seu mandato.
A República Nova, de Sidónio Pais, assustou seriamente os republicanos convictos e deu algumas esperanças aos monárquicos. Com a morte daquele, embora com desinteligências entre si, os monárquicos conspiraram redobradamente para uma restauração do regime derrubado em 5 de Outubro, e os oficiais do Exército por um governo de ditadura militar. Sucedeu-lhe o Almirante Canto e Castro, monárquico passivo, tendo como Primeiro-Ministro Tamagnini Barbosa, oficial do Exército, cuja primeira tarefa era tratar, se possível, de uma acção militar decisiva.
Já antes do assassínio de Sidónio Pais, se planeava e organizava um governo forte, preferentemente uma ditadura militar. A Junta Militar do Norte, visava um governo autoritário e anti-republicano, no qual os interesses dos oficiais do Exército estivessem em prioridade com a ordem pública e revelou-se, de certo modo, precursora do movimento que conduziu à Ditadura Militar, de 28 de Maio de 1926. Estava em desacordo com a Junta Militar do Sul que contava com mais elementos tidos por republicanos ou, pelo menos, mais próximos dos ideais sidonistas.
Entre 23 de Dezembro de 1918 e 29 de Janeiro de 1919 houve, no País, vários pronunciamentos militares importantes.
Dentre eles, destacamos o ocorrido em Santarém, pela intervenção que nele teve a Bateria do Regimento de Artilharia 1, de Alcobaça, e que deu azo à atribuição da condecoração da Torre e Espada de Valor, Lealdade e Mérito à Vila de Alcobaça, pelo Presidente da República Dr. António José de Almeida.
O pronunciamento de Santarém consistiu, essencialmente, numa acção republicana levada a cabo por republicanos receosos das ameaças à República, exigindo o regresso à Constituição de 1911, já que após a morte de Sidónio Pais tudo parecia conduzir à restauração monárquica.
A conspiração nasceu depois de o Primeiro-Ministro Tamagnini Barbosa ter recusado a entrada no governo a alguns jovens elementos do Partido Democrático, que se opunham às ameaças, cada vez maiores, das Juntas Militares. No movimento de Santarém estiveram apesar disso, ou por via disso, oficiais republicanos de direita e esquerda. Politicamente agrupavam-se em tendências várias, como a própria proclamação revolucionária acentuava. No grupo dirigente, entre outros, juntavam-se o democrático Álvaro de Castro, os evolucionistas Couceiro da Costa e António Granjo, os republicanos independentes Jaime Morais e Cunha Leal e ainda o socialista Augusto Silva Dias.
Entre todos havia o pensamento comum “salvar a República posta em perigo pela capitulação ante as Juntas militares”.
Santarém, Tomar, Caldas da Rainha e Alcobaça, esta através do Regimento de Artilharia 1, apoiaram o movimento iniciado de facto a 8 de Janeiro, com um violento ataque levado a cabo no Congresso contra o governo de Tamagnini Barbosa, por Cunha Leal.
Quando o governo remodelado por Tamagnini Barbosa fez a sua apresentação parlamentar, lendo este a declaração ministerial, foi acolhido com grande frieza pela maioria. Pretendia, segundo anunciou, consolidar a República com a prática política iniciada por Sidónio Pais. Com grande vivacidade, como lhe era habitual, Cunha Leal acusou o Presidente do Ministério de ter “tristemente” pactuado com as Juntas Militares e de pôr assim em perigo a existência das instituições republicanas. Terminou a sua intervenção com um vigoroso “Viva a República!”, no que foi acompanhado pelas galerias apinhadas de gente. No dia seguinte, no Senado, Machado dos Santos, também ele um dos mitos da República, atacou agressivamente Tamagnini Barbosa, originando um conflito que quase levou a uma crise ministerial. Estas recriminações e ataques, no Congresso da República, eram a tradução verbal de uma crispação que o terreno dos sucessos revolucionários potenciava, eclodindo com violência, quase simultaneamente ao começo da noite de 10 de Janeiro, em vários pontos do País.
A revolta, propriamente dita, teve início em Lisboa, quando civis armados tentaram sem sucesso, logo da parte da manhã desse dia, apoderar-se do Regimento de Infantaria 33, instalado no Castelo de S. Jorge.
Ao mesmo tempo, outros grupos atacaram o Arsenal da Marinha, também sem o conseguiram, perante a pronta resposta das baterias fiéis ao governo. Ao princípio da noite revoltou-se a guarnição militar de Santarém, sob o comando do Coronel Jaime de Figueiredo, do Regimento de Artilharia 3, coadjuvado em seguida por Álvaro de Castro, Cunha Leal, António Granjo, Couceiro da Costa e a que se juntaram forças de infantaria e cavalaria. A Câmara Municipal foi tomada pelos revoltosos e criada uma Junta Militar.
A resistência de Santarém, era importante para o governo e à sua sobrevivência, pelo que para organizar a sua defesa foi a cidade transformada num autêntico recinto muralhado.
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