Alguns alcobacenses, ainda se recordarão, do antigo Teatro de Alcobaça, a funcionar no Mosteiro. Aliás, há várias fotografias dele. Em meados da década de 1920, começou a esboçar-se um movimento na Vila para que esta pudesse dispor, finalmente, da casa de espectáculos que merecia e o progresso impunha. A direcção do Teatro Alcobacense oficiou à Câmara Municipal para a cedência de um terreno na Praça do Município, onde ao tempo existia a Igreja Nova que, haveria mais tarde de ser demolida.
Numa época em que a rádio dava os primeiros passos, não havia obviamente televisão e as deslocações para fora da terra se processavam com alguma morosidade, o teatro e o incipiente cinema, ainda mudo, tinham enorme importância nos hábitos dos portugueses. Ir ao teatro ou ao cinema, implicava um certo ritual, desde logo, no vestuário que as pessoas cumpriam, muito gostosamente, e com seriedade. As récitas eram devidamente anunciadas e aguardadas com muita expectativa.
O Teatro existente em Alcobaça fora fundado em 1839, por iniciativa de um grupo de destacadas personalidades locais, que abriram subscrição pública entre os habitantes da Vila. As madeiras necessárias à obra foram oferecidas pelo Conde de Vila Real.
O local escolhido, foi o Refeitório dos Monges, no Mosteiro. De facto, após a extinção das ordens religiosas em Portugal, a fuga dos monges e a depredação do Mosteiro, este foi delapidado em grande parte do seu património. O governo entregou à Câmara Municipal uma zona do Mosteiro, não afecta ao culto, através da Portaria do Ministério da Fazenda, de 4 de Agosto de 1837, como consta do auto de posse de 10 de Fevereiro de 1838, presidido pelo Administrador Geral do Distrito, confirmada pela Carta de Lei de 14 de Fevereiro de 1862 e pelo Auto de 3I de Março de 1862, sendo Administrador do Concelho, Manuel Sanches Figueiredo.
O Teatro foi inaugurado, com enorme sucesso, em 6 de Janeiro de 1840, com um drama histórico intitulado Pedro, o Grande ou a Escrava de Marienburgo. O grupo que actuou, era exclusivamente composto de amadores que se dedicavam, nas horas vagas, com muito empenhamento e amor ao teatro.
Obviamente, ao longo de um século, muitas peças ali foram apresentadas. Isso implicou, também, alguns melhoramentos, que pecavam sempre pelas características do local. Entre vários, há a destacar o pano de boca pintado em 1865, por um conhecido cenógrafo de Lisboa, considerado um dos melhores do seu tempo.
Alcobaça, ao longo dos anos e pelas mais diversas razões, tem sido visitada por ilustres personalidades nacionais e estrangeiras. Algumas dessas visitas ficaram memoráveis.
Recordamos, desta vez, a que em 27 de Setembro de 1915, Teófilo de Braga, Presidente da República, veio fazer à nossa vila, para presidir à inauguração de um importante certame.
Tendo partido de Lisboa nessa manhã, numa carruagem salão, atrelada ao combóio correio, Teófilo de Braga era aguardado por muito povo à sua chegada à estação de caminho de ferro de Valado dos Frades.
Alcobaça era terra de forte consciência democrática e republicana, pelo que sendo esta a primeira vez que um Presidente da República aqui se deslocava, a expectativa e o entusiasmo eram enormes. Ao longo do percurso até Alcobaça e, sobretudo, à entrada dos Paços do Concelho havia muita gente nas janelas engalenadas e na rua, que dava numerosos vivas.
Após a recepção na Câmara Municipal, o Presidente da República e a respectiva comitiva, de que fazia parte o Ministro do Fomento, foram almoçar ao Clube Alcobacense, cujo salão estava ricamente ornamentado pelas senhoras da melhor sociedade. A Banda dos Marinheiros da Armada, presente, tocou alguns números do seu excelente reportório durante o banquete.
Pelas 16 horas, realizou-se a inauguração da Exposição de Pomologia, Flores e Plantas Ornamentais, no Claustro de D. Dinis, razão principal da visita presidencial.
Aguardavam, aí, o Presidente, entre outros, os internados no Asilo dos Velhinhos, as crianças do Asilo da Infância Desvalida e um belo grupo de raparigas do campo, com vistosos trajes regionais, o que muito agradou ao ilustre visitante que não se cansou de o elogiar.
Serviu de cicerone ao Senhor Presidente, um dos primeiros responsáveis pela organização da exposição, Manuel Vieira Natividade.
Terminada a visita, Teófilo de Braga, dirigiu-se ao Asilo dos Velhinhos, inaugurado a 4 de Maio de 1913, que se encontrava a funcionar no palacete da Srª D. Maria e Oliveira, pessoa que fez questão de ir cumprimentar pessoalmente. Tratava-se, como se sabe, da viúva do benemérito e estimado capitalista Manuel José de Sousa Oliveira, natural do Porto, que legou toda a sua fortuna à obra dos velhos de Alcobaça.
Refira-se, a propósito, e por mera curiosidade, o que consta do artº 6º do primitivo Regulamento do Asilo, da autoria do próprio fundador:
No meu Asilo só serão admitidas as pessoas que tenham uma vida honesta e que tenham sido trabalhadores, visto que considero o meu Asilo como uma recompensa ao trabalho e não como um prémio aos desonestos, aos alcoólicos e aos mandriões. Só serão admitidas as pessoas que tenham tido uma vida absolutamente limpa.
Teófilo de Braga ainda visitou o Jardim-Escola João de Deus, o Hospital da Misericórdia e o Posto Agrário.
À noite, decorreu uma sessão solene no Claustro de D. Dinis, já que teve lugar a Festa dos Frutos. Além da Banda dos Mainheiros da Armada, actuou a Banda de Infantaria 7.
Todavia, as honras da noite couberam a Manuel Vieira Natividade, que fez uma notável conferência intitulada A Poesia dos Frutos.
Mais do que uma vez escrevemos, acerca de Natividade, pessoa que ainda hoje está bem presente na memória de muitos alcobacenses, pela sua elevada estatura intelectual e moral. Farmacêutico de profissão, que não talvez por devoção, a sua farmácia, situada no Rossio, era ponto de encontro das pessoas gradas da terra. Foi sobretudo um estudioso de Alcobaça, da região e das suas gentes, que perpetuou em obra valiosa e extensa.
A sessão cultural continuou com uma récita de versos de Bulhão Pato e António Correia de Oliveira e, terminou, com um eloquente discurso do Ministro do Fomento, Manuel Monteiro, que não perdeu a oportunidade de o entremear com a apologia da defesa à República, a homenagem à Alcobaça histórica e agrícola que engrandecia o povo rural e promovia o seu desenvolvimento.
O Presidente da República e comitiva que se deslocara de Lisboa a Alcobaça, passaram a noite no chalet do Director da Companhia Fiação e Tecidos de Alcobaça, tendo a guarda de honra sido feita de noite pelo corpo privativo de bombeiros daquela unidade fabril.
Mais tarde, aquando do falecimento de Natividade, Teófilo de Braga, em depoimento transcrito na Semana Alcobacense, exprimiu-se do modo seguinte:
Manuel Vieira Natividade consagrou o seu talento literário, artístico e crítico e também os seus estudos arqueológicos, históricos e económicos à glorificação monumental de Alcobaça. Compete-lhe a divisa que para si se impôs o quinhentista Ferreira:
Eu desta glória só fico contente,
Que a minha terra amei e a minha gente.
Sem comentários:
Enviar um comentário