quinta-feira, 6 de maio de 2010

Alcobaça, o Movimento Revolucionário de Santarém (1919), a Torre e Espada e o Brasão da Terra (Cap. IV)

A tropa em Alcobaça, tinha uma importância política, económica e social muito grande. Não obstante o seu magnífico desempenho em defesa das instituições republicanas, resolveu o governo, por essa altura, retirar de Alcobaça o Regimento de Artilharia 1. O conhecimento desta decisão sobressaltou a população e os comerciantes da terra, independentemente da cor política, pelo que em 17 de Março de 1919 se procedeu a uma reunião para abordar o problema. Aí foi decidido que na terça-feira seguinte, o Administrador do Concelho, levaria em mão uma exposição ao Ministro da Guerra, chamando a atenção para o tradicional e efctivo empenhamento da terra na defesa dos valores republicanos e para a importância da tropa na zona. Dizia textualmente a exposição que Alcobaça “confia que V.Exª neste momento não a deixará ficar sem a sede de uma unidade militar de importância não inferior à que agora deslocam”. Seja pela intervenção do Administrador do Concelho junto do Ministério da Guerra, seja pela importância da presença militar na zona, o certo é que foi decidido colocar na Vila, em substituição da Artilharia 1, um Regimento de Cavalaria.

O Regimento de Artilharia passou para Évora, embora uma parte tivesse ficado em Vendas Novas. Para o seu lugar veio o Ten. Cor. Manuel Umbelino Correia Guedes, muito conhecido na Vila de Alcobaça e à qual se encontrava ligado por laços familiares.

Verdade seja dita, a tropa em Alcobaça nem sempre foi muito estimada ou reputada pelo aprumo.

Veja-se, por exemplo, o que diz Ramalho Ortigão, nas Farpas, Vol. I, quando num domingo de 1886, visitou Alcobaça e entrou na grande sala que foi a Livraria do Mosteiro, agora ocupada pelos soldados da Cavalaria 9: “Uns, deitados de ilharga, dormiam ressonando com a boca entreaberta; outros, de bruços, viravam para o tecto as plantas dos pés nus; mas na maior parte jaziam de costas, os braços cruzados sobre a nuca, olhando para as moscas que zumbiam o espaço ou para os relevos do tecto, de cujo centro sobressaía a imagem de S. Bernardo, envolto no burel, curvado sobre a banca de estudo em que se amontoam os livros, os pergaminhos e os mapas. Estavam quase todos despidos da fardeta e as calças, tinham todos descalçado as botas e patenteavam pelo luxo das peúgas um desprezo tão convicto como pelo da água, que no claustro em frente corria inútil nas piscinas de natação da extinta comunidade. Percorremos a sala de um extremo ao outro, sem que um único soldado se movesse na atitude em que estava - o que dava ao quadro o aspecto solenemente marcial da inutilidade em formatura, da inacção em parada, da mandriice em revista de mostra”.

E conclui Ramalho Ortigão, no seu apontamento de viagem:

“Decididamente acho que lhes não valeu fazer a revolução de 32. Como base de disciplina civil e de educação pública o exército em Portugal não pegou. A soldados destes acho mil vezes preferíveis os antigos frades”.

Obviamente, é necessário dar o devido enquadramento temporal aos textos das Farpas. Seja como for, anos mais tarde, em plena República, muitas eram as queixas formuladas pela população de Alcobaça contra as praças do quartel que “assentam arraiais” no Arco de Claraval, onde passam o tempo a intrometer-se com as criadas de servir que iam às compras.

O Regimento de Artilharia 1, no seu conjunto, não deixou grandes saudades em Alcobaça. É verdade que no Regimento não faltaram, como já vimos, elementos de grande respeitabilidade, abnegação e fervor pelas instituições republicanas. Doutro modo, não teriam concorrido tão prontamente com uma Bateria para o Movimento de Santarém e depois para combater a Monarquia do Norte. Mas havia outros aquartelados que em nada se identificavam com o regime. Nunca os republicanos de Alcobaça se esqueceram que foram militares de Artilharia 1 que assaltaram e destruiram o Centro Democrático de Alcobaça, existente na Ala Norte do Mosteiro e se apropriaram dos bens aí existentes, bem como praticaram desacatos, ajudaram a prender, a vexar, e a arrombar casas, devassando-as. O Centro Democrático veio posteriormente a ser instalado no Rossio, em local que corresponde àquele onde foi construído o Hotel-Restaurante Bau e hoje é a Caixa Geral de Depósitos.

Por isso, foi bem recebido, na população e meios políticos, o propósito do Comandante dos Esquadrões de Cavalaria 4 ao agradecer os cumprimentos de boas vindas que lhe foram apresentados, que declarou que se tratava de um Regimento dedicado às instituições políticas do País e que os alcobacenses poderiam estar certos que aquela unidade seria para defender a República e as populações.

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