A ALA DO REFEITÓRIO (SEC. XIII)
Havia um plano tipo das Abadias Cistercienses.
Com algumas variantes, esse plano encontrava-se em toda a parte. O Mosteiro consistia essencialmente, num quadrilátero. Num dos lados, situava-se a Igreja. O prolongamento de um dos braços do Transepto, formava a Ala dos Monges, na qual se encontrava a partir da Igreja:
-(I)-A Sacristia;
-(II)-A Sala do Capítulo;
-(III)-A Sala dos Monges.
-(IV)-A passagem que comunicava com o exterior, a escada que conduzia ao Dormitório, sito no andar superior, um ou dois Parlatórios.
No lado oposto, encontrava-se a Ala dos Conversos, que compreendia o Celeiro, sempre contígua à Igreja, uma passagem, bem como
(V)-O Refeitório dos Conversos.
No piso superior, encontrava-se o Dormitório.
A passagem servia, normalmente, de entrada no Mosteiro.
Por esta altura, não havia ainda Palácio Abacial, nem salas de recepção. Quase sempre entre o edifício e o claustro, existia um espaço, de largura variável, chamado Ruela dos Conversos, que comunicava com a Igreja, por uma porta situada nos baixos da nave.
Esta porta ainda existe em Alcobaça.
Faz a comunicação da Sala dos Reis com a nave da Igreja (20). Paralelamente à Igreja, ligando a Ala dos Monges à dos Conversos, achava-se a Ala do Refeitório.
Repare-se na ordem, vindo das instalações dos monges:
(VI)-O Calafactório;
(VII)-O Refeitório dos Monges;
(VIII)-A Cozinha.
Havia em Alcobaça, como em todas as demais Abadias da Ordem de Cister, duas comunidades: a dos Monges de Coro e a dos Conversos.
A partir do século XI designados como conversos aqueles que renunciando à vida temporal, abraçaram a religião, a fim de se penitenciarem e levarem até à morte, uma vida de perfeição. Terá sido São Gualberto, quem primeiro lhes deu essa designação, para os distinguir dos monges de coro e dosfrades. Como comunidades distintas, os conversos e os monges de coro, tinham hábitos, ocupações e funções diferentes.
Os conversos assistiam às cerimónias religiosas ou litúrgicas fora do coro. Ocupavam-se, sob a orientação de um monge de coro, das relações do mosteiro com o exterior, como a recolha das dádivas, a visita dos doentes, o bodo aos pobres, a catequese, o trabalho das granjas e do mosteiro. O próprio vestuário era diferente, tal como o local onde habitavam no mosteiro. Os conversos de Alcobaça, usavam uma veste de lã grossa e crua e habitavam a Ala dos Conversos, na qual existia um refeitório, um celeiro e um dormitório próprios. Segundo Dom Maur Cocheril, os horários e o regime regime alimentar, menos severos para os conversos, eram diferentes dos monges de coro. Simplificando, poder-se-ia dizer que havia nos Mosteiros de Cister, uma população constituída por monges de coro, que se dedicava ao estudo, ao culto e ao ministério e outra, a dos conversos que se dedicava aos demais trabalhos. Aliás, esta divisão, também foi utilizada nos mosteiros femininos. O termo converso caiu em desuso e foi substituído por Irmão-leigo. Os Cistercienses eram conhecidos por Monges Brancos. Os monges de coro vestiam um hábito branco, sobre o qual assentava um esculápio preto que caía à frente, na parte de trás até ao meio da perna e era provido de capuz. Quando tinham de ir ao coro, os monges vestiam cogula, uma veste muito ampla de capuz e mangas, que caía até ao chão (21).
O Mosteiro Cisterciense tem uma lógica rigorosa, onde nada é deixado ao acaso ou dá lugar à fantasia. Para empregar uma expressão vulgar, o plano é funcional.
De todo ello ha resultado un plan consagrado por la tradicion, del cual uno puede raramente aportarse sin incovenientes, plan que tiene todas ventajes y es fruto combinado de la sabidoria y de la experiência practica. Oratório, Capitulo, Dormitório, Refectório, Cocina, Despensa, todo comunicando por el claustro, forma um conjunto adaptado a su fin (22).
Cada uma das divisões, que acabamos de enumerar, correspondia a uma necessidade da vida claustral. Na Ala dos Monges, encontrava-se tudo o que é necessário para satisfazer as preocupações espirituais dos religiosos de coro: Sacristia, Sala do Capítulo ou de Leitura.
Está fora de questão a existência de um celeiro nesta parte do edifício. A Ala dos Conversos, estava separada pela Ruela do Mosteiro, propriamente dito, pois os conversos formavam uma comunidade verdadeiramente distinta da dos Monges de Coro, com necessidades e actividades diversas.
Os dois refeitórios, dos monges e dos conversos, achavam-se situados nas extremidades e na mesma ala. Numa época em que não se dispunha dos modernos meios de aquecimento, era indispensável reservar uma sala, onde os religiosos que trabalhavam na Sala dos Monges, se pudessem aquecer no Inverno.
O calafactório existia para aquecimento dos monges e bem como para realização de pe quenos trabalhos, durante o mau tempo. Antes de partirem para as suas ocupações, os monges iam ensebar as sandálias, depois dos ofícios matinais (23). Esta sala servia os copistas.
O calafactório devia, portanto, encontrar-se o mais perto possível da Sala de Trabalho e o seu lugar normal era entre esta e o refeitório. Tal como a cozinha, era a divisão da abadia que possuía chaminé. Esta era, por vezes, colocada ao centro a fim de permitir ao maior número possível de monges aproximar-se do fogo. O sistema de aquecimento da Abadia de Longpont (Aisne), possuía ainda uma chaminé central, cujas dimensões não eram nada inferiores às de Alcobaça.
Quanto à cozinha, sempre de dimensões modestas, estava instalada entre os dois refeitórios. Ela comunicava com o dos monges, por uma abertura que permitia a passagem dos pratos. Assinalemos, enfim, mais em frente à entrada do refeitório dos monges e deitando sobre o alpendre, um edículo de vastas proporções, no centro do qual se achava uma fonte, o Lavabo. A Ala do Refeitório era destinada aos serviços domésticos do Mosteiro. Razões elementares de higiene exigiam que aí existisse um esgoto. Com efeito, não somente era necessário eliminar os restos da cozinha, mas também, e este detalhe tem importância, porque as latrinas encontravam-se sempre na extremidade do edifício dos monges ou dos conversos. O esgoto era indispensável à enfermaria. Por motivos de segurança, numa época em que as epidemias eram sempre de recear, a enfermaria estava instalada fora dos lugares conventuais, por detrás da Ala dos Monges. A fonte do lavabo devia também ser profusamente alimentada. As suas grandes dimensões, explicam-se pois era lá que se fazia a grande tonsura dos monges.
Os monges de coro eram tonsurados sete vezes ao ano, enquanto os conversos usavam cabelo cortado rente e sem coroa. Segundo a disciplina monástica antiga, os monges de coro rapavam a barba, o que os distinguia dos conversos, leigos, não clérigos, a quem era permitido deixar crescer a barba e o bigode (24).
Por tudo isto , havia uma rede de canalizações subterrâneas, ou mesmo ao ar livre, com inclinação suficiente para encaminhar todo o tipo de restos e alimentar as fontes destinadas aos usos domésticos. O declive do chão, determinava a orientação do Mosteiro. A Ala do Refeitório, para recolher as águas, encontrava-se sempre no ponto mais baixo. Não é necessário procurar mais longe, a causa porque Alcobaça, que reproduz de muito perto o plano de Claraval, está orientada ao inverso da abadia francesa.
É manifesto que a água era necessária para alimentar as oficinas e outras instalações situadas no recinto do Mosteiro. A mudança da localização das abadias, tão frequente nos séculos XII e XIII, não tem outra explicação muitas vezes que não seja a necessidade de dispor de água em quantidade suficiente. Frei António Brandão, na sua Monarquia Lusitana, qualifica Alcobaça como o Retrato de Claraval.
Marcel Aubert, no seu estudo sobre a arquitectura cisterciense, reproduz o plano de uma abadia, onde junto à fachada lateral da Igreja, oposta ao claustro, próximo do local onde passa o aqueduto subterrâneo que atravessa, desenha uma pequena construção circular, de forma arredondada, a curta distância da mesma fachada, mas ligada a ela por um corredor. O claustro ficava sempre do lado onde corriam as águas destinadas a limpezas. Por isso, o chão do claustro era inclinado e a Sala dos Monges mantinha essa inclinação por meio de degraus. Assim, servia-se a limpeza e a necessidade de escoar as águas (25).
Os trabalhos de condução da água eram, por vezes, muito importantes. Em Inglaterra, a enfermaria de Fountains é atravessada ao cumprimento por sete canalizações subterrâneas. Em Portugal, o exemplo mais interessante, encontra- se em S. João de Tarouca, onde se podem ainda observar os vestígios dos consideráveis trabalhos levados a cabo pêlos monges. Uma derivação do Rio Alcoa passa por detrás da cabeceira da Igreja de Alcobaça. As suas águas serviam os jardins e as oficinas. Ela alimentava o esgoto colector que passava no chão da cozinha primitiva. Uma outra derivação, achava-se sob a nave da Igreja. Uma inscrição na parede do lado colateral-norte indica o respectivo lugar. Esta derivação, alimentava a fonte do lavabo e passando sob a Sala de Aquecimento, o calafactório, lançava-se no esgoto.
Por tudo isto se conclui que havia, desde a construção do Mosteiro, um sistema de canalizações bastante complexo, que ainda subsiste. Os arquitectos que reconstruíam no século XVIII a Ala do Refeitório, utilizaram-no da melhor forma.
(CONTINUA)
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