segunda-feira, 10 de maio de 2010

França, Agosto de 2003 - II

(II)
FRANÇA (2003)
Paris é um Museu

Paris é um museu ao ar livre.
Chavão ou não, não vou aqui descrever monumentos, o que pode ser melhor e mais utilmente feito comprando-se um guia turístico ou postais.
Nalgumas outras vezes que estive em Paris, com o João Henriques cheguei a fazer o taxi com ele.
Ele andava a trabalhar e eu a passear de carro pela cidade, no lugar da frente, que não é ocupado por clientes mas, às vezes, especialmente de noite, por cães de guarda dos motoristas.
Eu era apresentado aos clientes, como um futuro condutor de taxi parisiense, que andava a estagiar com um instrutor experiente.

O João Henriques conhecia a cidade melhor do que as suas próprias mãos, cheguei a fazer a experiência de lhe perguntar como ou o que era o número tal da rua tal, pelo que sabia muito bem quem vivia aqui ou acolá, nomeadamente gente famosa, que ao longo de muitos anos e muitas corridas, já tinha transportado no seu carro.
Lembro-me bem de uma vez, já lá vão para aí uns vinte anos, ao andarmos numa das ilhas do Sena, creio que a Ilha de S. Luís, e ele apontar-me as residências de George Pompidou, de um Barão Rothschild (qualquer), da actriz Michèle Morgan, do Ives Montand e de outros que tinham sido seus clientes.

Gosto muito de andar a passear a pé, por esta zona. Assim fui com a Aninhas, mais uma vez ao Palácio da Justiça, à Sainte- Chapelle e pela primeira vez à Conciergerie.

Recordo uma vez que fui com os Antigos Orfeonistas a Paris, ter ido com o saudoso e mestre Dr. António Gonçalves, dar um volta pelo Palácio da Justiça e termos estabelecido, nos Passos Perdidos, uma amistosa conversa com um Advogado, usando beca à francesa.
Desta vez, era Verão e só encontramos jovens e enfastiados advogados de turno ou, turistas como nós. Tomei nota, que no Palácio da Justiça se encontra o relógio público, mais antigo da cidade, feito em fins do século XIV, embora já não em funcionamento.
O Palácio da Justiça, ficou também famoso na ficção literária pela pena de George Simenon, que devorei e o identificou com a imaginária PJ do Comissário Maigret, encontra-se instalado num magnífico e imponente edifício, cheio de passado e história.

De facto, foi sede do Parlamento por alturas em que a Corte, se instalou no Louvre, e Palácio da Justiça aquando de Revolução Francesa, a paredes meias com a Conciergerie, a sinistra prisão, hoje também monumento de destaque na visita da cidade. Fizemos uma visita à Conciergerie, vimos a memória dos tempos de horror e tragédia, as celas onde passaram os últimos momentos muitos condenados à morte, nomeadamente a de Maria Antonieta, levados com longas camisas brancas para a Praça da Concórdia, a fim de ser guilhotinados, perante as tricoteuses.
A Praça da Concórdia possui este nome, bem relacionado com a paz e harmonia, embora ao longo dos séculos tenha assistido às celebrações públicas do Ancien Regime, aos ataques militares, a massacres, a procissões fúnebres, e como se referiu à matança hodionda e inexorável da guilhotina, durante o período do Terror(1793 a 1795) que caiu, com indiferença, sobre culpados ou inocentes, nobres e populares, levando-os ao encontro do Criador.

A Sainte-Chapele, por sua vez encravada nas paredes do Palácio da Justiça, é uma das obras mais significativas e apuradas do gótico francês.
Foi construída nos inícios do século XIII, por ordem de S. Luís, Rei de França, sob o nome de Luís IX, para acolher as, supostamente verdadeiras, relíquias da Coroa de Espinhos e da Cruz, adquiridas a peso de ouro ao Imperador Romano de Bizâncio.
Nesta operação, não interveio o Raposão, de A Relíquia do nosso Eça. Neste monumento, destacam-se além do trabalho da pedra, as janelas de vitrais, descrevendo cenas dos Velho e Novo Testamentos. S. Luís segundo um conhecido escritor francês foi um santo cavaleiro, um santo guerreiro, que adoptou as duas grandes regras da guerra cristã, da guerra correcta e justa enquanto continuava a servir os interesses da monarquia francesa. A classe a que Luís IX (S. Luís) pertenceu, era a dos Santos Seculares tendo em termos políticos tentado ser um rei cristão ideal, com as virtudes a revelarem-se através do poder, da sabedoria e da bondade.



Nesta zona, o verdadeiro coração da cidade, talvez o monumento mais interessante e importante, seja a Catedral de Notre Dame.
Deslocamo-nos aí com a Clara e o Manel. Entendo que, estando eles em Paris pela primeira vez, seria obrigatória essa visita. Apesar da Aninhas e eu já lá termos estado de outras vezes, nem por isso prescindimos de efectuar com eles mais uma visita. E depois mais uma outra, mas só nós os dois. Porquê?

Trata-se de um monumento que remonta a meados do século XII, quando o Papa Alexandre III veio lançar a primeira pedra.
Há desde logo que destacar a fachada, com a sua estrutura vertical tripartida, sublinhada pelos portais, estes decorados com admiráveis baixo-relevos. A construção da Catedral demorou cerca de duzentos anos, pois, nesse tempo, as coisas eram, como à portuguesa, para se ir fazendo. Toda a história de França, e alguma do resto do mundo, passou por estas naves, até que a Revolução Francesa em 1793 a consagrou ao Culto de Deus e da Razão, permitiu a pilhagem de muitos tesouros e a destruição de muitas estátuas. Foi aqui que se casou Maria Stuart, Joana d’Arc foi canonizada (ela que se dizia enviada por Deus para devolver o trono de França a Carlos VII) Abelardo conheceu e se enamorou de Heloísa, Henrique VI de Inglaterra foi coroado rei de França, embora ainda fosse uma criança, Bonaparte se autoproclamou e coroou Imperador na presença do Papa, se celebrou no verão de 1944 o solene Te-Deum com De Gaulle a anunciar o fim da ocupação alemã de Paris. A Catedral, após o interregno da Revolução, retomou o culto da religião católica em 1802 e mais tarde, em meados desse século, foi objecto de grandes obras de restauro. A coroação de Napoleão em Notre-Dame, está aliás retratada num famoso e soberbo quadro de David, existente no Louvre e Versalhes. A cena é digna de um verdadeiro rei.
Napoleão veste uma túnica de brocado, bordada com pequenas abelhas douradas e um manto debruado de arminho. Após a coroação como Imperador e perante o espanto do Papa Pio VII, Bonaparte coroou a esposa Josefina, que veio mais tarde a repudiar, devido a impossibilidade de lhe dar um herdeiro.

Passeando pela zona exterior envolvente, cheia de luz e ar, tanto do lado da fachada principal, como da lateral esquerda, do lado do Sena, e na sua calma, apesar da sôfrega invasão dos turistas, apercebemo-nos do seu extraordinário enquadramento e dos estranhos elementos arquitectónicos que a compõem: arcos exuberantes, espirais, picos, janelas, monstros mágicos e demónios disformes emergindo de passagens sumptuosas, numa simbologia aparentemente cifrada, nem desvendada no Mistério das Catedrais, de Fulcanelli.
A difusão do gótico em França, entre o séculos XII e XIV, tem expressão em muitas catedrais.
Esta catedral, ganhou uma especial notoriedade com o famoso romance de Vítor Hugo, O Corcunda de Notre-Dame, cenário dos infelizes amores de Esmeralda e Quasímodo.

Como disse, depois da Clara e o Manel terem regressado a Portugal, a Aninhas e eu, ainda lá voltamos num domingo à tarde, e tivemos a sorte de poder assistir e nos deleitar com aquilo que qualifico, na minha ignorância e (in)sensibilidade, uma magnífica cerimónia de culto, vésperas, com a intervenção de solistas femininos e orquestra. Nesse momento, senti um certo aperto no peito.
Será que isto, um dia destes acaba?
O Vaticano parece que está mesmo a estudar, pasme-se!, publicar instruções para reprimir abusos, nas quais se restringe a participação de leigos na liturgia, se quer retirar a mulher do altar, se exclui a possibilidade de bater palmas, fazer danças e concertos nos edifícios sagrados, enfim, se trava o movimento de diálogo ecuménico. Tenho porém a ideia, que João Paulo II, na sua imensa sabedoria, mas com algumas contradições intrigantes, e se ainda tiver tempo resolverá esta questão a contento, ele que foi sempre aclamado especialmente nas missas que celebrou em África e na Ásia, com cantos e danças.











(II)
FRANÇA (2003)
Paris é um Museu




A Revolução de 1789, não fez construir grandes monumentos em Paris, com a notável excepção do enorme e patriótico Champ-de- Mars. Nesse período, como referimos, houve grandes saques populares e confiscações.
Bonaparte, quando se tornou Primeiro-Cônsul afirmou, segundo reza a História, que se Paris ficar mais bonita então deve demolir-se mais do que construir-se. Porque não arrasar de todo o quarteirão da Cité, se essa enorme ruína só serve para dar guarida a ratazanas? Como Imperador bem podia realizar o sonho de a transformar na mais bela capital do mundo e assim mandou abrir a Rua Rivoli, quatro pontes sobre o Sena, erguer o Arco sobre o Carroussel e dar início ao colossal Arco do Triunfo. Na Praça de Vendome, por onde os quatro passamos tantas vezes nos autocarros turísticos vermelhos, e para honrar a Grande Armée, foi erigida uma coluna algo semelhante à Coluna de Trajano, em Roma, fundida com o bronze dos canhões inimigos, capturados em Austerlitz. Trata-se de uma verdadeira referência da época de Napoleão, decorada com um baixo-relevo representando as proezas da Grande Armée.

A propósito de concertos acho que devo referir ao que assistimos, a Aninhas e eu, de música coral em Paris, na Madeleine, com a presença de um grupo britânico misto, possuidor de um virtuosismo e de uma sonoridade raros para os cerca de 30 elementos, interpretando música polifónica e ainda um outro, no dia em que fomos passear até Chartres. Aqui, assistimos os 4, a meio da tarde de um acalorado Domingo, na Catedral, a um concerto de órgão, integrado no Festival International d’Orgue de Chartres, que se realiza todos os anos no Verão. Estes concertos, que são alegadamente gratuitos, têm a presença dos melhores recitalistas franceses e estrangeiros e neles é utilizado o esplendoroso Grande-Órgão. Todavia, as pessoas, peregrinos, turistas ou simples melómanos como nós, são aconselhadas a contribuir (simples apelo, à generosidade) à saída do espectáculo, com 5 Euros, pelo menos.
Já que falo neste magnífico concerto de órgão, vou adiantar alguma coisa sobre uma das catedrais mais imponentes de França, perto da qual já tinha estado, por várias vezes, mas nunca visitara.
Melhor de que quaisquer minhas, as palavras de um conhecido autor francês, sobre a Catedral de Chartres, que passo a citar, com a devida vénia:
(...) Para todos aqueles que vão andando ou são transportados até Chartres, atentos e com o olhar fixo na Catedral de Nossa Senhora, aparecem em primeiro lugar os dois campanários arranhando o céu fixo sobre a planície de Beauce, veludos pardos das lavras, verdes tecidos dos trigos nascentes, brocardo de casulos das messes e dos sóis. Os turistas e peregrinos que atravessam a rica planície, vêem subir ao céu e no horizonte a Catedral, chamando aquele que acredita no Evangelho e, ainda mais, aquele que não acredita, o mais esperado.
E mais adiante:
Há séculos que homens sobem às alturas de Chartres para encontrar Deus, tomando os múltiplos aspectos das divindades pagãs associadas às forças da natureza, erguendo pedras gigantescas ou, como os Celtas que vieram de seguida, celebrando com a força e os carvalhos frondosos sagrados, as fontes, a terra mãe e o céu dos astros e do trovão.
E para finalizar:
A Catedral do século XIII eleva-se sobre os muros da cripta, onde se continua a praticar o culto e as peregrinações. Ela conserva, no Oeste, a fachada do século XII assim como as suas torres, poupadas pelo incêndio. Os temas dos três portais, inspiram-se no pensamento dos mestres da escola episcopal no seu apogeu (...).
Para além do gótico da pedra, Chartres impõe-se pelos seus vitrais, que são dos mais famosos do mundo. Também aqui vou socorrer-me da pena, do mesmo ilustre autor francês:
A Catedral, se bem que tenha perdido oito vitrais, sacrificados pelos cónegos do capítulo no século XVIII, pois o gosto do tempo fazia com que eles desprezassem a Idade Média e desejassem o conforto de uma boa iluminação, e mais oito destruídos pelos revolucionários, guardou e restaurou uma boa parte do tesouro que constituem os seus vitrais do século XIII, assim como quatro grandes janelas do século XII, poupadas pelo incêndio de 1194.(...). Os mestres vidraceiros, fizeram em cada janela o que os mestres pedreiros realizaram no exterior. Associando ao seu trabalho os doadores, os príncipes e as princesas, os grandes e pequenos senhores, os cónegos, os mercadores e todas estas pessoas de diversas profissões que estão representadas nos vitrais, eles permitem-nos, assim como aos peregrinos e aos visitantes actuais, reencontrar aqueles que aqui nos antecederam para rezar a Nossa Senhora(...).
A maioria dos vitrais, pode ser lida de baixo para cima e da esquerda para a direita. Os doadores, figuram geralmente no início das composições que mostram a vida de Jesus, da Virgem e dos Santos, parábolas e milagres ou evocam, simbolizando-as, a vida dos homens e a sua Redenção (...).



Há muito tempo que planeávamos ir visitar o Museu d’Orsay, o que ainda não tinha acontecido aquando de outras estadas em Paris. Como muito bem se sabe, este Museu situa-se no local onde funcionou a antiga e encerrada Gare d’Orsay, uma estação de caminho-de-ferro de fins do século XIX. Hoje é um dos mais prestigiados museus de Paris, dando vida e divulgação a artistas famosos que executaram obras entre meados do século XIX e o início da Primeira Guerra. Este edifício, construído em ferro para a Exposição Universal de Paris, esteve praticamente condenado ao camartelo, tendo sido poupado por força de veementes e justos protestos. A nave central, onde outrora potentes locomotivas a vapor expeliam os fumos, foi transformada num cenário de exposição de artistas do século XIX como os Impressionistas, os Post-Impressionistas, os Realistas, Pintores, Académicos e Mobiliário (marceneiros). Para o Manel, ir ao Museu d’Orsay era fundamental, nomeadamente, para ver os Impressionistas que o deslumbram. Aliás, adiantou-me o seguinte comentário que diz muito, o Louvre é um colosso no seu todo, mas as obras individuais não me sensibilizam tanto como as do Museu d’Orsay, porque nasci e cresci a ver e ouvir falar de impressionismo e no Museu d’Orsay vi obras que ma habituei a considerar como muito sublimes.
A Clara esclareceu, modestamente, que foi quando casei que aprendi a conhecer os Impressionistas.
E agora como conhecedora, que se reclama, é a pintura que entendo melhor. No que é secundada pela Aninhas.
Para mim, embora menos culto e preparado, também era uma decisão incontroversa. Além do mais estava imenso calor nesse dia! Claro que, eu não pretendo demonstrar aqui, nem cultura nem erudição de almanaque, mas sempre direi, para que fique registado, que fui estudar algumas coisas para poder mais tarde discutir, conversar pelo menos, com o meu culto cunhado Manel. Afinal o que é isso do Impressionismo? Como surge?
É preciso remontar alguns anos atrás, segundo os estudiosos da matéria. A Terceira República surge em França, na seguimento das lutas entre a Assembleia Nacional, dominada pela Monarquia, e o Governo Revolucionário, mais conhecido como a Comuna de Paris. Em breve, este governo pareceu obter sucesso, ao demonstrar a viabilidade teórica do socialismo, modelo que mais tarde orientaria Karl Marx. O restabelecimento da paz coincidiu com o nascimento do Impressionismo, movimento artístico liderado, entre outros, por Monet, Renoir, Cezanne e Manet que fizeram a primeira exposição ainda num estúdio de fotografia e que deram origem ao vocábulo em já em 1877.
Visitamos o Museu d’Orsay, vendo os Impressionistas, Post-Impressionistas, artistas como Daumier, Toulouse-Lautrec, esculturas, uma maravilhosa maquete do centro de Paris, com destaque para a zona da Ópera e da Madeleine. De entre as obras mais famosas aqui expostas, poderia destacar, a título de curiosidade, o Dejeuner sur L’Herbe, de Manet, recusado pelo Salão de 1863 e a obra realista L’Origine du Monde, uma representação gráfica do sexo feminino, que continua ainda hoje a chocar alguns.
A minha neta preferida, ou seja a Teresinha, é uma menina talentosa e de fina sensibilidade artística que a herdou segundo diz da Tia Paula e do Avô Gaspar.
O pai dela, o Nuno, anda a gastar um dinheirão com umas telas de cores muito fortes, da autoria de uma tal porto-riquenha que vive na Figueira. A Teresinha não aprova estas compras, tanto mais que acha que pinta melhor que ela, porque as da porto-riquenha é tudo “peixeirada”.A Teresinha gosta de pintar árvores, andorinhas e flores. Mas o que aprecia verdadeiramente em termos de arte é o ballet, pois é mais cor de rosa.

Já que falo de museus, acho que devo ainda referir a visita ao Museu Rodin, instalado no Hôtel-Biron, aonde o artista Augusto Rodin (1840-1917) tinha o seu estúdio. Não sei bem porque razão, mas este era um desejo profundo e antigo da Aninhas, afinal algo frustrado pois, como depois me disse em Alcobaça, gostei mas esperava melhor. A Aninhas diz que tem um desvelo muito especial pelas mãos do Rodin, não tendo comprado nenhuma, porque só se fossem as duas, os originais não estavam à venda e as réplicas eram caras demais, para ter na casa dos Montes ou na de Alcobaça, entre as duas janelas da sala, como acharia o lugar apropriado. Este museu, como se vê do próprio nome, é dedicado ao artista que se celebrizou com as suas esculturas, entre as quais se destacam o célebre e controverso Beijo ( ou seja a paixão eterna, imortalizada em mármore branco), exposto numa sala exclusiva e O Pensador, este em bronze, em exibição no amplo jardim, conjuntamente com outras obras. Curiosamente ou não, a excelente condição física expressa por O Pensador na sua monumental estátua, contrasta com as decrépitas e contorcidas personagens de As Portas do Inferno.

Não podíamos, estando em Paris, deixar de ir até à Torre Eiffel. Desta vez, não subimos a nenhum piso, a pé (segundo consta até ao topo, são só 1665 de graus) ou de elevador, ficamos numa esplanada, ao lado de um dos pilares, a ver o movimento de turistas, pretos do Senegal a propor artesanato, beber umas águas ou colas, não sei bem. Era um domingo à tarde, estava um calor tremendo, tínhamos almoçado, ao ar livre, no Trocadero e turistas como nós, eram mais que muitos. Curiosamente, uns dois dias antes de termos partido para França, a nossa televisão deu grande ênfase e até transmitiu em directo, um incêndio na Torre Eiffel. Via-se sair muito fumo, mas só fumaça, como diria o outro, mas nem por isso deixou de ser notícia. O que se passou afinal? Parece que certas partes da Torre tinham sido pintadas há pouco tempo, a tinta ainda estava fresca, pelo que um pequeno fogo, facilmente controlado e sem importância de maior, fez aquele fumo escuro e aparato. Ainda bem que a Aninhas não soube disto, se não achava ali um grande óbice, para sair de casa para Paris. Recordo-me, por exemplo, das inundações em Istambul, o mau tempo na Áustria, que em qualquer caso não impediram, felizmente, o sucesso das nossas viagens.
À Torre Eiffel, ainda voltamos a Aninhas e eu, para ver as suas iluminações. Tínhamos ficado muito interessados, com essas iluminações aquando do passeio de barco, by night. Pelas 22h, 23h e 24h, a Torre torna-se um esplendor de luzes a brilhar, a piscar, a acender ou a apagar, deslocando para a o terraço em frente ao Palais de Chaillot, milhares de pessoas que os autocarros e o metro despejam, para depois se acotovelarem, olharem espantados, dispararem ansiosamente a suas máquinas, perante esse notável espectáculo de luz e se retirarem prontamente de seguida.

É óbvio que não poderíamos deixar de ir, os quatro, a Montmartre, ver a omnipresente, majestosa e radiosamente branca Basílica do Sacré-Coeur, sita numa colina que domina, com a sua longa e ampla escadaria, onde ainda parece manter-se o Paris dos mitos e dos telhados. A Basílica do Sacré-Coeur não é propriamente um monumento antigo.
Como surge?
Dois abastados negociantes, por alturas de 1870, no início da guerra Franco-Prussiana, fizeram a promessa de perante o bom sucesso da guerra, mandar erigir uma igreja dedicada ao Sagrado Coração de Jesus. A obra teve início em 1875, mas só foi consagrada pelo Papa em 1919, na sequência do resultado vitorioso da França, na I Guerra Mundial. Quando os quatro lá fomos a primeira vez, estava uma noite abafadíssima, saindo nós numa estação de Metro longe e errada, pelo que chegamos estourados e a suar, à escadaria do Sacré-Coeur, pejada de gente a ver a cidade, nomeadamente, jovens de todo o mundo a cantar em grupo, acompanhados com violas ou harmónios. Sendo embora noite, o ar estava tão pesado, espesso, que acabamos por não ir à Place du Tertre, mesmo ali ao lado. A Clara, o Manel e a Aninhas ainda lá voltaram, uma vez de dia, mas como não quiseram fazer um retrato a lápis, enfiaram o enorme e orelhudo barrete de uma silhueta (mais baratinha), recortada em papel com uma tesoura de bicos. A questão é que quando me mostraram essas silhuetas, não consegui perceber quem era quem !
Depois, quando a Clara e o Manel já tinham regressado a Portugal, ainda lá voltei de dia com a Aninhas, dando umas voltas por aquelas ruas estreitas, ouvindo uma cantora de rua acompanhada ao realejo, (re)lembrando a Piaf, almoçando numa esplanada, passeando num minibus ecológico, comprando numa loja de souvenires umas torre eiffel de plástico, para trazer como recordação às empregadas, e uns xailes para as nossas Filhas e Nora. Com alguma má-língua, mas sem maldade, adianto a que a Aninhas ainda admitiu (que fique claro, não é verdade, nem por sonhos) em iniciar um negócio, com esta deslocação, pois parece que é aí que a costureira Maria Júlia, vai todos os anos fazer compras, para depois revender a bom preço, às suas criteriosas e exigentes clientes do Porto. Como se compreende estes locais nada têm de comum com as boutiques e armazéns mais famosos, que noutro contexto tornariam impensável a sua não visita, numa ida a Paris. Andávamos, desta vez, a passear pelo Sacré-Coeur e lembrei-me do Nuno, o Santo. Se ele ler estas notas, talvez se recorde que no Verão do ano em que acabou o curso de Engenharia, ou seja em Setembro de 1977, ele que até chegou a pensar ser um dia engenheiro hidráulico, por ter os olhos azuis, o Zico, tal como tinha feito comigo, mandou-o, passar uns tempos a Inglaterra, para se internacionalizar na coisa. Como a Aninhas e eu por acaso estávamos nessa altura em Paris, o Nuno, o Santo, foi de camioneta lá ter connosco, para depois regressarmos juntos de carro, ainda era o Peugeot 305, para Portugal. Lembro-me muito bem, e isso até está devidamente documentado em Super 8, o Nuno, o Santo nas escadas do Sacré-Coeur, plagiando o Santo António, que como se sabe fez um estupendo e memorável sermão aos peixes. O Nuno estava antes a fazer um sermão aos pombos que lhe vinham confiadamente comer à mão e saltar para o ombro.
Quando o Nuno, o Santo chegou até nós em Paris, segundo me recordou um dia destes, explicou que as tentativas para arranjar trabalho(em Inglaterra) saíram furadas: o tempo da apanha da fruta já tinha terminado, e nos restaurantes (alguns portugueses) não consegui esconder a minha ignorância e a falta de experiência na arte de servir à mesa.
Aflito, ligou para Portugal a pedir mais dinheiro ao Zico e assim o reforço monetário que o Pai me mandou através da Isabel Eça de Queiroz (à altura na Embaixada de Portugal) deu para comprar uma passagem de hovercraft através da Mancha(900$00...) e manter o alojamento numa casa particular em Croydon, Surrey, e pouco mais. As refeições eram “pobres” pelo que devo ter emagrecido uns bons quilos. Se fosse hoje até me dava jeito.
Será que a Paloma apreciaria um Santo mais magro?
Continuando a dar o tempo de palavra ao nosso Santo acrescentou ele que encontrei-me com o Fernando e a Ana que estavam por lá (Paris) havia uma semana, tiveram mesmo de me aturar (ora ora , que exagero o teu!!!) até ao regresso a casa; agora digo eu, foram mesmo muito bons para mim, uns santos, como nunca os chamei. Obrigado pela mãozinha.
Aproveito eu a ocasião, para daqui pedir desculpa ao Santo pela “discussãozita” que o levou uma manhã, a perder-se de nós nos Campos Elíseos e de uma pequena patifaria que a Aninhas e eu lhe fizemos, será que ele se recorda disso?, aquando do regresso a Portugal. Isso hoje seguramente não aconteceria. No nosso regresso, estava previsto, como aliás aconteceu, passar por Andorra, onde compramos uma serviço de copos em Cristal d’Arques, e o Santo encontrou o João Beato. Mas como o Nuno, o Santo vinha tesíssimo (teso, no exclusivo sentido de já ter gasto todo o dinheiro que o Zico lhe tinha dado para a viagem, que fique claro para quem me ler), enquanto a Aninhas e eu fomos dormir para o hotel, com quarto de banho, lençóis lavados e o resto, ele dormiu no carro, apesar de um pouco de frio. Nesta altura, como o Nuno estava sem massa pelo que comia perante a nossa indiferença grandes baguettes com camembert e fiambre ou enchidos variados deixando para o fim a cerveja em qualquer café de preço acessível.
Na viagem para Portugal houve um facto que bastante traumatizou o Nuno e que ele hoje em dia recorda, com alguma comoção e que revela o quão desalmado sou. O que foi, Nuno? Diz-nos lá: No regresso já ao chegar aos Pirinéus franceses, o Fernando indo na auto-estrada vê uma pomba no piso, sem se mexer. Aponta-lhe o rodado como se fosse passar o carro por cima dela, para a assustar. Mas não conseguiu os seus intentos, pois a pomba não se assustou e a roda da frente passou-lhe “todinha” por cima.
Não acham mesmo que o Santo é uma boa e sensível alma?
CONTINUA

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