sexta-feira, 7 de maio de 2010

UM HERÓI DA II GUERRA, LUSO-AMERICANO. NATURAL DE ALFEIZERÃO-ALCOBAÇA

Vamos recordar um alcobacense natural de Alfeizerão, que serviu na marinha mercante americana na II Guerra e na Coreia, e cerca de quarenta anos mais tarde recebeu finalmente as distinções correspondentes que ganhou com todo o direito. Estamos a falar de José Lestro. De Alfeizerão até ao asfalto de Nova Iorque, passando pelas rotas largas do Atlântico, Índico e Pacífico, percorreu o mundo inteiro, com enorme discrição, muita eficiência e valentia. Em 1990, com algum embaraço, recebeu na sua residência de Coweta, no estado americano de Oklahoma, onde vivia, as distinções que lhe foram atribuídas pelos relevantes serviços da anos prestados na marinha mercante, durante bastantes anos e em condições muito adversas.

O antigo marinheiro mercante Lestro, nasceu em Alfeizerão e muito brincou a jogar a bola junto às minas do Castelo. O seu irmão João Lestro, também conhecido por João Catumba entre os amigos, ainda é lembrado por tocar muito bem bandolim e ensaiar ranchos infantis. Antes de iniciar o seu percurso pelo mundo, que o começou por levar como emigrante com 23 anos para os Estados Unidos, viveu em Caldas da Rainha e em Lisboa. Depois de obter a cédula marítima, em 1943, encontrou trabalho a bordo do cargueiro português Pinhel que ia com rumo Filadélfia e quando o barco acostou num dos cais, a sua decisão estava definitivamente tomada. Descarregou com a carga e ficou em terra. Semanas depois encontrava-se em Nova Iorque pronto a sair ao serviço da marinha mercante americana, que não se preocupou muito, note-se que se estava em plena guerra e os braços nunca eram demais, com a forma como havia passado as apertadas malhas da emigração. Quando dei por ela rumava já em pleno Atlântico infestado de submarinos alemães, em direcção ao norte de África, num cargueiro carregado de combustível e aviões para o esforço da guerra. Senti então pela primeira vez o cheiro da pólvora, pois alguns barcos do comboio foram atacados, um afundado até, mas o meu chegou são e salvo ao destino.

Em 6 de Junho de 1944, em pleno dia D, José Lestro estava ao largo da Normandia, a bordo de um barco que dava apoio logístico às forças aliadas que efectuavam o desembarque nas praias de França, o que abriu caminho à libertação da Europa. O seu barco fazia parte de um importante comboio marítimo que demorara um dia a percorrer a distância entre a sua base de abastecimento na Escócia, e as praias de França, que era o seu destino. Nunca mais esqueceu essas horas difíceis, exaltantes e heróicas, era um inferno, os alemães usaram contra nós tudo o que tinham. Em Março de 1945, já perto do fim da guerra, teve o seu momento de maior perigo quando o barco onde trabalhava o SS Hardly F. Brown, foi torpedeado ao largo da Bélgica, e correu sério risco de se afundar. Segundo contou muitos anos depois o navio ficou com um buraco de lado e começou rapidamente a meter muita água. Fui o último a sair da casa das máquinas. Depois vieram os rebocadores que levaram o barco para Antuérpia, para reparação que aliás só terminou depois da guerra.

Pelos inúmeros riscos corridos, pela valentia e abnegação reveladas, não propriamente em combate mas na primeira linha da guerra e sofrendo o fogo, José Lestro, o alcobacense de Alfeizerão, foi acumulando várias distinções, louvores e medalhas, que não foram entregues a devido tempo. Em Julho de 1990, reformado, orgulhosamente com nove netos e seis bisnetos, e perfeitamente de bem consigo próprio, deu uma entrevista ao jornal Luso-Americano, semanário que se publica para a comunidade portuguesa de Newark, Mass., de onde coligimos algumas notas. Ainda há pessoas em Alfeizerão, que se recordam dele, apesar de não mais ter voltado a Portugal. Supomos que já não é vivo nem a sua esposa Louise Seltzer, residentes que foram na pequena localidade de Coweta, num local que considerava o mais maravilhoso da América. Se tivesse continuado a viver em Nova Iorque, já tinha morrido.

Quando as guerras terminam, é vulgar esquecer ou não valorizar os seus heróis, muito especialmente os heróis vivos, que às vezes parecem incómodos. As guerras, no entender de muito boa gente, são para recordar mas não para reviver. Talvez por isso, José Lestro apenas em 1988 conseguiu obter, talvez não mais que para encaixilhar, o seu Certificado de Serviço Honroso da marinha mercante americana e depois de o seu sindicato lhe ter dito que poderia contactar o governo para lhe ser formalmente reconhecido seu estatuto de herói. Pelo que em 1990, sem qualquer aparato ou trombetas, e como que envergonhadamente, chegou-lhe pelo correio uma pequena caixa contendo a Medalha de Bronze da Marinha Mercante Americana, a Medalha da Vitória da Segunda Guerra, a Barra de Serviço e a de Serviço Honroso da Guerra da Coreia, bem como um Diploma de Louvor assinado pelo punho do Presidente dos Estados Unidos Harry Truman.

Segundo dizia, este legado de honra e valentia, é o bem mais precioso que pode deixar aos descendentes. Que nem são portugueses, nem conhecem Portugal.

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