Ao tomarem a defesa dos absolutistas, os monges de Alcobaça foram atingidos irremediavelmente pela queda de D. Miguel, em 1833. O medo fez fugir os monges, o edifício conventual foi assaltado e pilhado pela populaça enfurecida e descontrolada, conseguindo-se salvar a custo livros e manuscritos para a Torre do Tombo e Biblioteca Nacional.
Foi na Colecção de Manuscritos do Fundo Geral da Biblioteca Nacional de Lisboa, que José da Cunha Saraiva encontrou a Relação Da Vinda De El-Rey O Sr. D. Miguel A Este Real Mosteiro De Alcobaça, em 8 de Agosto de 1830. Trata-se da última visita real efectuada a Alcobaça antes da extinção das ordens religiosas, aliás na tradição antiga dos monarcas portugueses.
No dia 5 de Agosto de 1830, D. Miguel empreendeu a partir de Mafra uma visita de vários dias à Região do Oeste, muito concretamente aos Coutos de Alcobaça, estes um dos lugares simbólicos da aliança entre a Monarquia e a Igreja. Não se conhece qual foi, ao certo, a razão desta visita a Alcobaça. Parece que o Rei terá dito ao Abade Geral da Congregação de Cister que gostaria de visitar o Mosteiro, tendo decidido, talvez em Julho de 1830, que aí se deslocaria nos princípios de Agosto. É possível que o gosto de viajar, adquirido ou reforçado durante a sua estadia na Áustria, o tenha impelido a ir a Alcobaça. Pode ter sido um acto de mera devoção, por parte de um Rei alegadamente religioso. Mas também não é de afastar que tenha tido o interesse de conhecer ao vivo a história do País. Concretamente no dia 8 de Agosto, o Rei e a sua comitiva partiram de Caldas da Rainha para Alcobaça (aliás depois de terem estado em S. Martinho do Porto) onde visitaram o Mosteiro e pernoitaram. No dia seguinte, saíram em direcção à Nazaré, com paragens em Aljubarrota, Batalha e Marinha Grande, sendo que, no dia 10 tomaram o caminho de volta a Caldas da Rainha. No Domingo, dia 8 de Agosto, entre as 13 e as 14 horas, o Rei chegou a Alcobaça a cavalo, na companhia dos Marqueses de Belas e Tancos. A restante comitiva, que tinha partido antes, já se encontrava à sua espera. Em Alcobaça, as ruas estavam decoradas com belos cobertores de damasco e outras sedas, enquanto se ouvia o repicar dos sinos, estralejar dos foguetes e os vivas da populaça que se tinha juntado para ver o soberano. Quem recebeu D. Miguel, com muitas honrarias, que não com fausto que o Mosteiro já o não tinha, foi o Abade Geral, toda a Comunidade, o Juiz de Fora, o Corregedor da Comarca, o Provedor e Frei Fortunato de S. Boaventura. Debaixo do pálio, D. Miguel beijou a cruz, recebeu água benta e incenso e, ao som do Te Deum Laudamus, dirigiu-se ao altar-mor para abertura do sacrário e Tantum Ergo. Frei Fortunato de S. Boaventura, foi personagem intelectualmente notável, mas assumidamente controversa. Filho de um livreiro de Alcobaça, aqui nasceu em 1777 e veio a professar em 25 de Agosto de 1795. Estudante de Teologia em Coimbra, combateu valorosamente Junot e a primeira Invasão Francesa com as armas e a pena, que bem manejava. Cronista-Mor da Ordem de Cister, concluiu a obra iniciada por Frei Manuel dos Santos. Quando D. Miguel regressou de Viena de Áustria, onde estivera exilado pela primeira vez, Frei Fortunato notabilizou-se pela sua acção na defesa do absolutismo, através de exaltantes a apaixonados sermões de púlpito e textos panfletários. Depois do termo da guerra civil, com o triunfo das armas liberais, D. Miguel vai de novo para o exílio e Frei Fortunato para Itália, aonde faleceu em Rei obra Os Historiógrafos de Alcobaça, Frei Fortunato de S. Boaventura desceu da torre de marfim do saber puro à praça pública, onde se batem paixões, interesses e cousas de cotio. Frei Fortunato foi ainda o autor de uma contundente Ilustração Pastoral Aos Seus Diocesanos Sobre A Obediência Que Devem Ao Mui Alto E Poderoso Sr. D. Miguel I. Camilo Castelo Branco também opinou sobre Frei Fortunato, colocando na boca de O Remexido, in A Brasileira de Prazins, a afirmação que com uns tantos mais como aquele, a causa de D. Miguel seria necessariamente vitoriosa...
O guia de D. Miguel, na visita que fez ao Mosteiro de Alcobaça, levou-o à Casa dos Túmulos, ao Claustro, à Sala do Capítulo, ao Refeitório, aos Caldeiros de Aljubarrota e à Livraria e Cartório, a jóia mais estimável, onde vio com curiosidade os mano screptos e Biblias, que m.m. gostou de ver, e no quarto dos poribidos mostrandolhe od. o P. e Mestre de Pavia, e dizendo lhe que era a nossa ruina e que na Alemanha estavão proibidos também ca hade suceder o m.mo. Talvez melhor que alguém, Frei Fortunato de S. Boaventura conhecia o que havia na Livraria e Cartório do Mosteiro pois levou a cabo o inventário denominado Commentariorum de Alcobacensi Manuscriptorum Bibliotheca Libri Tres. Espalhados nas estantes, D. Miguel viu ornados ainda com bons quadros de pinturas e figuras de alabastro, os livros de Alcobaça que documentavam sete séculos de copistas e estudo, alguns a que só doutos e sábios dão valor, pois é como uma vinha onde nem todos sabem vindimar, seara para a qual os obreiros são poucos. Para Frei Fortunato, existiam justamente no cartório livros interditos a bábaros sórdidos, os hunos de todo o sempre que se aquecem ao lume das fogueiras de livros, a mãos profanas sobre os Livros Dourados e a ferros que poderia arrombar o Caixão das Três Chaves. D. Miguel na sua visita ainda examinou, de perto, a espada que se dizia ter servido a D. Afonso IV, na Batalha do Salado.
Escrevendo in Mosteiro de Alcobaça, em 1885, Manuel Vieira Natividade refere também que ao lado esquerdo da livraria, fazendo a frente para leste, existem uns quartos bastante espaçosos que eram destinados a encerrar os livros proibidos, os livros dos grandes pensadores, que só monges velhos e de reconhecido fervor religioso era permitido ver, porque por certo se não deixariam arrastar pelas doutrinas dos novos filósofos. Após esta demorada visita, o Rei jantou no seu quarto e dirigiu-se à janela da hospedaria do Mosteiro, donde durante cerca de 2 horas assistiu aos festejos organizados pelas autoridades civis no terreiro em frente. E foram tantos os vivas e foguetes e demonstrações de alegria (…) e El rei estava tão satisfeito como bem amostrava, que mandou chamar o Corregedor e Juiz de Fora e mandou soltar todos os presos, que não tivessem parte .
A maior parte desta viagem real à Região do Oeste português nesse Agosto de 1830, decorreu nos coutos de Alcobaça, que continuavam a ser palco de conflitos acesos entre os frades e os aldeões, por razão do pagamento dos direitos senhoriais. O Marquês de Fronteira, recorda nas suas memórias que, em 1824 os rendeiros dos frades se tinham rebelado, largando fogo às medas de trigo que pertenciam à comunidade e que o Abade Geral do Mosteiro se vira obrigado a chamar a tropa que estava em Leiria. No caso de Aljubarrota, o conflito traduzia-se na questão dos limites da doação de D. Afonso Henriques e arrastava-se desde os finais da Idade Média. Terá sido depois do jantar, durante uma conversa havida na varanda do seu quarto, que a questão foi apresentada ao Rei. O Esmoler-Mor, Frei António da Silva que fora Abade Geral dos Coutos de Alcobaça, durante o vintismo, aproveitou a ocasião para dizer ao Rei que nessa época os povos dos coutos, principalmente os de Aljubarrota, aproveitando-se da rebelião que as Cortes causaram, tinham arruinado o Arco Memória, onde fez voto o Sr. D. Afonso I, e que pedia a S.M. o mandasse reedificar. Ora, independentemente da data da sua construção, o Arco da Memória assinalava o limite norte dos Coutos e era o símbolo material dos poderes senhoriais do Mosteiro, cuja contestação o Abade circunscrevia ao período liberal. D. Miguel terá concordado com a sugestão, propondo que no Arco a reconstruir, se fizesse uma inscrição que o ligaria física e simbolicamente através daquele lugar da memória nacional, a Afonso Henriques: El Rei D. Afonso I o mandou fazer e D. Miguel I reedificar. Veja-se a este propósito a obra de referência, D. Miguel, da autoria de Maria Alexandra Lousada e Maria de Fátima Sá e Melo Ferreira, ed. Círculo de Leitores.
Não se pode dizer que o republicano Manuel Vieira Natividade, fosse um defensor a todo o custo da acção dos Monges de Alcobaça ou do papel das Ordens Religiosas em Portugal, nos séculos XVII, XVIII e XIX. Mas não foi o seu detractor.
Natividade nasceu a 20 de Abril de 1860, no Casal do Rei, freguesia Nossa Senhora dos Prazeres de Aljubarrota. Manuel Vieira Natividade, farmacêutico, por volta de 1885, foi o iniciador em Alcobaça das compotas de frutas, mas principalmente um estudioso. Arqueólogo, etnógrafo, folclorista, investigador e escritor fértil, estudou Alcobaça e sua Região com carinho e amor deixando uma obra valiosa e extensa que não pode deixar de ser consultada por quem queira, sobre certos aspectos, estudar muita coisa sobre a Região de Alcobaça. Na sua residência organizou um interessante Museu Arqueológico, que há muitos anos aguarda ser aberto ao público, possuindo boas colecções de objectos do período neolítico, da idade do Bronze, do Ferro e do período Romano. Foi este museu organizado durante anos de árduas explorações subterrâneas nas diversas grutas e algares do Concelho e Alcobaça.
Não admira que tenha escrito, a propósito de Alcobaça que o espírito humano quando, como naquele meio, recebia educação supersticiosa e vivia respirando essa atmosfera impregnada de teocracias e preconceitos, bem raras vezes se deixava arrastar pelos princípios verdadeiramente científicos. É o que geralmente acontecia com os frades de Alcobaça. O noviço recebia uma educação tal que deveria compreender como dever a cega obediência à Ordem, aceitar todos os mistérios, todas as teorias mais ou menos absurdas como dogmas que se aceitam e não se discutem. Geralmente sucedia assim e aos mais inteligentes e ousados, a esses buscava-se o melhor meio de os dominar lisonjeando-lhes a vaidade ou fazendo com que eles não pudessem expor os factos como na realidade deviam fazer. O primeiro facto acha-se demonstrado num dos últimos talentos que o Mosteiro conheceu:-Frei Manuel de Figueiredo a quem fizeram cronista da Ordem, Geral, e não sabemos quantos empregos mais. O último acto em Frei Manuel dos Santos, a quem proibiram a publicação da segunda parte de Alcobaça Ilustrada a pretexto de que cheio de amargo fel dizia cousas que não eram honrosas para a Ordem, segundo nos afiança um outro cronista, Frei Fortunato de S. Boaventura.
Frei Fortunato de S. Boaventura, como cronista cisterciense, era seguramente menos crítico, mais tolerante, para a sua Ordem. Na História Cronológica e Crítica da Real Abadia de Alcobaça, escreveu como que em contraponto de Natividade que seria infinito se quisesse recensear os bens que estes benfeitores da Humanidade trouxeram aos seus semelhantes, em o ponto de lhes serem os mais úteis e até indispensáveis aos seus serviços.
Afinal, que segredos terríveis eram esses, quais tesouros que os livros continham, só acessíveis a uns quantos monges de maior confiança? Quais as palavras escritas que podiam incomodar muita gente?
A comunidade cisterciense de Alcobaça vivia com mais simplicidade do que somos frequentemente levados a supor. A tónica da sua espiritualidade era dada pelos textos tradicionais. Porém, os textos da sua Livraria eram variados. Acompanhavam, actualizadamente, os momentos da cultura ocidental e compreendiam tanto os testemunhos da vida intelectual escolarizada, como os de outras franjas menos assumidas, mas não menos válidas do pensamento. Se fosse possível inventariar a antiga Livraria chegaríamos muito provavelmente à conclusão de que, entre muitos mais, havia textos menos habituais entre os de uso comunitário a que correspondia um interesse não mais que secundário. Em jeito de conclusão adiantada, constatámos que os monges alcobacenses não se assumiram como transmissores desses textos ou ideias. A existência de uns livros proibidos, não é uma lenda interessante entre as muitas em que foi pródigo o Mosteiro. O conteúdo deles não o conseguimos apurar, pois que nem a Relação Da Vinda... nem Natividade ou Frei Fortunato, adiantaram grande coisa nesse sentido. Podemos admitir que abordavam os mais variados assuntos, que iam desde os de natureza teológica, filosófica ou das próprias ciências naturais.
Ao longo dos tempos criou-se a ideia, porventura com algum fundamento que, no seu conjunto, os monges de Alcobaça eram néscios e boçais, constituíam uma plêiade verdadeiramente reaccionária, vendo no progresso social, científico, técnico ou meramente filosófico, uma corrida em direcção ao abismo. Mas não é rigorosamente assim. Refiram-se os relevantes exemplos dos autores da Crónica de Cister e da Monarquia Lusitana.
Frei Bernardo de Brito, na Crónica de Cister, defendeu no início do sec. XVI a tese de que os destinos de Portugal e da Ordem estão intimamente ligados por desígnio divino e até por laços de sangue entre Bernardo de Claraval e o Conde D. Henrique.
Na Monarquia Lusitana, o mesmo Frei Bernardo de Brito, partindo da identidade étnica e territorial de Portugal com a Lusitânia, descreveu a corografia e a história desta, até Afonso Henriques. A narrativa decorre, é certo, plena de reflexões moralistas, maravilhosa e mágica como nos romances de cavalaria.
Devemo-nos admirar?
As falsificações de Frei Bernardo de Brito devem entender-se no quadro da ideia de garantir ao País, então sob a dominação filipina, um prestígio antigo e brilhante e o direito à sua autonomia. Frei Bernardo de Brito, afastando-se da crónica palaciana, teve de procurar outras fontes, nem que para isso inventasse autores ou documentos.
O seu continuador na Monarquia Lusitana, Frei António Brandão teve uma preocupação porventura mais séria, socorrendo-se para o efeito de arquivos e cartórios espalhados pelo País e discutindo versões postas de há muito a correr com foros de verdade, sem prescindir ainda assim de preocupações apologéticas que deformam muitas interpretações e os factos. Seja como for, e tendo em nota o respectivo contexto político-temporal, a Alcobaça e à sua Ordem de Cister, pertencem a glória de ter sido as autoras, pela pena de Frei António Brandão, Cronista-Mor do Reino, da falsificação das Actas das Cortes de Lamego de 1641, guardadas no Cartório do Mosteiro, e que foram o suporte da Lei Fundamental, que vigorou em Portugal por quase 200 anos.
Já na Restauração, Frei Francisco Brandão, ainda na Monarquia Lusitana cedeu de novo à reflexão menos criteriosa, embora sem os arrojados voos de Frei Bernardo de Brito.
Mais tarde, em princípios do Sec. XVIII, a Frei Manuel dos Santos ficou a dever-se a Alcobaça Ilustrada, dando este século ainda a conhecer três reputados historiadores alcobacenses, agora com a preparação da Academia Real de História, que são Frei Manuel da Rocha, Frei Manuel de Figueiredo e finalmente Frei Fortunato de S. Boaventura. Frei Manuel dos Santos também teve as suas fraquezas, como historiador. D. Pedro I, morreu em Estremós, no dia 17 de Janeiro de 1367, tendo no seu testamento reafirmado que queria ser sepultado no Mosteiro de Alcobaça, aonde o aguardava o túmulo ao lado do de Inês. Até aqui não há novidade. Acontece que, segundo nos contou Frei Manuel dos Santos, in Alcobaça Ilustrada, foi posto o cadáver de D. Pedro no cruzeiro da igreja, enquanto se lhe oficiavam os funerais e descoberto o rosto, conforme o uso daqueles tempos, quando no fim da missa do primeiro dia notaram os presentes que se movia o corpo do defunto. Admiraram-se e acharam que o corpo estava vivo, e aqui foi o pasmar e o assombro de todos; mas como o corpo tinha o rosto e as mãos descobertas, poude falar no mesmo ser em que estava o redivino príncipe, sem outro movimento ou inquietação espantosa. Chamou pelo Abade e falou-lhe poucas palavras e se confessou, com maravilhoso socego; depois declarou como o Senhor lhe fizera tão notável mercê, que via necessária para a sua salvação pelos merecimentos do glorioso apóstolo S. Bartolomeu, de que ele rei fora, em extremo, devoto na vida. E dito isto, deu outra vez a alma nas mãos de de Deus.
Admito que esta estória, teve como justificação o sentimento de dívida que a Congregação de Alcobaça, possuia para com D. Pedro I. D. Afonso IV, após um prolongado e desagradável litígio com Alcobaça, chamou a si um conjunto importante de seis vilas dos coutos, como Aljubarrota, Coz, Pederneira, Alvorninha, Turquel e Salir de Matos, que os monges detinham proveitosamente, por doação de reis anteriores. Após a morte de D. Afonso IV, D. Pedro restituiu aos monges estas vilas.
Seriam os frades de Alcobaça a excepção? Há estudiosos insuspeitos que posicionam a Congregação de Alcobaça, contra a corrente dos ventos da história. Se pensarmos bem, era Roma quem fornecia o exemplo, decretando o Papa quando necessário ou conveniente para o bem da Igreja ou a glória de Deus por meio de Bulas, Indulgências Plenárias e outras benesses espirituais. E que na guerra não se podiam usar armas demasiadamente eficazes ou mortíferas, que era pavoroso o que se guardava nas pastas dos sábios ou na mente dos filósofos mais independentes, pois um dos riscos da investigação seria poder demonstrar que, afinal, Deus não existe. Ateavam-se as fogueiras purificadores da Inquisição para castigar os hereges que duvidavam que o Sol girava em volta da Terra. Não, não devia haver grande entusiasmo diante da perspectiva de haver coisas à espera de investigação. A questão aqui suscitada recolhida dos textos citados, não era nova, nem original. Nem acabou com a extinção da Congregação de Cister de Alcobaça. Numa rapidíssima digressão histórica, recorda-se que a conservação dos segredos foi um dos primeiros objectivos das sociedades secretas.
Os sacerdotes do antigo Egipto, guardavam zelosamente os hieroglifos e as leis da geometria espacial.
Os alquimistas da Idade Média, procuravam sigilosa e pouco romanticamente, no fim do seu trabalhosobre a matéria, uma espécie de transformação na própria pessoa, o acesso a um estado de consciência superior.
Na sua conhecida obra O Mistério das Catedrais, Fulcanelli visa demonstrar que as grandes construções Idade Média são, antes que mais, livros de pedra que ensinam a ciência alquímica e contêm a mesma verdade positiva e um fundo científico idêntico ao das pirâmides do Egipto, dos templos da Grécia, das catacumbas de Roma e das basílicas bizantinas.
Ainda hoje, com tendência para se acentuar, nos grandes centros de investigação, os cientistas iniciados usam distintivos indicando o seu grau de saber e a sua responsabilidade.
Apresentamos uma vez este assunto, a um conhecido estudioso de Alcobaça, que não recordava concretamente os dois textos invocados. Mas justificou o quarto dos proibidos com o paralelismo que os grandes segredos não podem ficar à guarda da polícia, já que tem de ser inter-pares que se há-de obter a sua segurança, imune à cobiça dos políticos ou dos militares. Os monges de Alcobaça, no seu contexto histórico não foram nem progressistas românticos, nem liberais. E jamais transmitiram aos vindouros a ideia de terem em si um grupo escolhido, reunindo homens moral ou intelectualmente avançados, transmutados pela intensidade dos seus conhecimentos, dispostos a proteger as suas descobertas ou o saber, contra os poderes (des)organizados, a curiosidade ou a cupidez. Os monges que habitaram o nosso Mosteiro, não pretenderam arrogar-se à ideia de divulgar esses conhecimentos no momento adequados, possuidores de uma ciência calma e consistente, mas se possível e muito pragmaticamente, de os sepultar sob toneladas de cimento ou no fundo dos oceanos, à falta de poder morrer com eles.
Após a II Guerra, e com o advento da era nuclear, a ideia da conservação de segredos revelou-se de novo como motivo de preocupação e de uma maneira assás curiosa. Alguns pensadores estimáveis do lado dos Aliados, afundados em angústias e não entrando nos pressupostos da Guerra-Fria, defenderam a proposição de que sendo a ciência e a técnica capazes de destruir a Humanidade, a idolatria do progresso e da liberdade pura, eram condenáveis em absoluto.
O Homem chegou ao termo das suas possibilidades, na curiosa síntese de alguns escritores de ficção científica. Assim, teria de se proceder à codificação das conquistas da investigação e da natureza e proibir, total ou parcialmente o seu progresso futuro.
Como? Através de um Conselho de Nações ou mesmo de um Conselho de Sábios. A ideia é, argumente-se, utópica ou ingénua, mas não foi reputada de reaccionária. O seu proclamado objectivo era não retroceder na inteligência mas defende-la de uma utilização prejudicial. O segredo não era uma preocupação restrita aos monges de Alcobaça. Quem não sabe não fala, pode-se argumentar em termos redutores. Mas não só. A posse ou o conhecimento de determinados factos impõe por vezes que o segredo não seja tanto o resultado da vontade daquele que o guarda, mas da sua própria natureza. Encontraríamos aqui, quem sabe, uma explicação benévola, tão benévola quanto se pode dizer que o segredo existe no inconsciente colectivo da espécie humana.O escritor em liberdade incomoda com frequência como sabemos. Contra ele sempre existiram censuras, úteis ao senhor de Santa Comba, bem como aos defensores do realismo socialista. O escritor ergue-se em liberdade contra o obscurantismo, revolve, agita, não tem certezas adquiridas, não vive agarrado à estabilidade ou ao medo.
Bernard Shaw, numa das suas peças, traz César à boca de cena. A Biblioteca de Alexandria, a maior do mundo antigo, com os seus milhares de volumes, encontra-se inexoravelmente a arder. Nada a pode já salvar. Uma das personagens diz que é a memória da Humanidade que está a desaparecer. Responde César, com a prepotência de alguns poderosos, deixa-a queimar, é uma memória plena de infâmia.
Com a morte de D. José e a queda do Marquês de Pombal, ensaiou-se ainda uma profunda reorganização da Ordem de Cister em Portugal.
Bem mais eficaz que o terramoto, foi o movimento contra a Igreja e as Ordens Religiosas desencadeado pelo Marquês que determinou a extinção, pelo País além, de dez mosteiros cistercienses, em 17 de Dezembro de 1775. A verdade é que no período que se irá prolongar até 1834, houve um esforço, pelo menos preocupação, com a revitalização da Ordem de Cister, tanto no aspecto disciplinar e espiritual como no material ou cultural.
Mas os tempos avançavam mais rapidamente que as reformas necessárias. As ideias libertárias da Revolução Francesa tinham chegado e eram conhecidas dos mosteiros cistercienses. Depois, veio a guerra civil entre liberais e miguelistas, em que alguns religiosos pegaram em armas, o que não propiciou ambiente favorável a que os esforços em curso frutificassem.
E quando foram extintos os mosteiros, a Ordem de Cister acabou mesmo e de vez em Portugal. Ficou apenas a sua memória, em breve demasiadamente difusa. Permanecem ainda hoje, sobre a questão da extinção das Ordens Religiosas algumas dúvidas interessantes. Como acabou a Ordem de Cister em Alcobaça? Como e quando ocorre o êxodo dos monges? Segundo M. Vieira Natividade, in O Mosteiro de Alcobaça os frades depois de várias sortidas, abandonaram em 13 de Outubro de 1834 definitivamente o Mosteiro, isto é, antes mesmo do levantamento liberal. Mas Ramalho Ortigão, in As Farpas, conta de forma diferente, finalmente tendo rebentado em Alcobaça um pronunciamento liberal, em 16 de Outubro de 1833, os frades descamparam definitivamente. Cremos que quando os monges saíram do Mosteiro, ainda era rei D. Miguel, embora com D. Pedro já no Porto e o Duque da Terceira em Lisboa. Quando passou por Alcobaça o exército realista, a retirada sobre Santarém abriu aos Marechais (da Rainha), as portas para a população ocupar e saquear o Mosteiro. De tanta grandeza, esplendor e glória, que ficou nesta Babilónia de Alcobaça, onde tudo era farto e gigantesco? O espaço da antiga Livraria, após a extinção das Ordens Religiosas, teve variados usos, nada reaccionários ou progressistas, desde Hospital, Quartel, Casa de Espectáculos, Sala de Convívio e Trabalho do Asilo de Mendicidade de Lisboa. Quando uma pequena fracção do Exército Português comandada pelo Marquês de Saldanha entrou pela segunda vez nesta vila de Alcobaça trouxe consigo numerosos feridos e mais doentes que recolheu no Hospital Civil e na Sala da Livraria do extinto Mosteiro de S. Bernardo.P. Zagalo, in História da Misericórdia de Alcobaça, escreveu por sua vez sobre este mesmo assunto que na Revolta dos Marechais, após a batalha do Chão da Feira perto da actual Cruz da Légua realizada a 28 de Agosto de 1837, os feridos vieram para Alcobaça e foram tratados na sala da Livraria e no Hospital de Misericórdia de Alcobaça. O então Marquez de Saldanha mandou chamar a Mesa da Misericórdia e incumbiu-a de tratar dos feridos que estavam na livraria (…).Mais tarde, a C. A. da Misericórdia e Hospital de Alcobaça, foram encarregados pela autoridade administrativa, da Administração do Hospital Militar erecto na Livraria do extinto Mosteiro, depois da acção que teve lugar junto aos Carvalhos, no dia 28 de Agosto de 1837 (…). De facto o hospitalzinho da Rua do Castelo ampliara-se muito, ao intalar-se na Livraria do Mosteiro, saqueada e a arruinar-se em progressão assustadora com os míseros herdeiros dos monges bibliotecários (…).
Sem se entrar em campos muito polémicos, pode-se afirmar com alguma segurança que a Igreja Romana nunca foi verdadeiramente uma instituição democrática, pelo menos no sentido vulgar e ocidental de estrutura político-ideológica. Nesse como como o poderiam ser os Monges de Alcobaça? Com Constantino e Teodósio, transformou-se o cristianismo na religião oficial do Estado e assim a Igreja numa instituição de poder, hierarquizada e poderosa.
Parece que Jesus é menos congregador que a Hierarquia, e a Fé encontra-se mais direccionada ao dogma que à pessoa de Jesus, o Salvador. Sempre se falou da necessidade de diálogo da Igreja com o Mundo. Dito assim será que a Igreja não faz parte do nosso Mundo? Mas admitindo sem condescender que o faz, não se esqueçam afastamentos comprometedores. Até à década de sessenta do século XX!!! manteve-se o Index, a relação de obras/livros cuja leitura estava vedada aos cristãos/católicos. Nesse Index figuraram pessoas tão eminentes da história, ciência, literatura, direito, como Copérnico, Galileu cientistas, Descartes, Pascal, Espinosa, Kant, Rosseau, Voltaire, Comte, filósofos, Diderot e D’Alembert Enciclopedistas, Grotius Jurista, Vítor Hugo, Balzac, Flaubert, Zola, D´Anunzio a nata da moderna literatura europeia ou mais recentemente Sartre, Simone de Beauvoir, Unamuno ou Gide. Mesmo, com o fim anunciado do Index, a censura manteve-se a teólogos, como Leonardo Boff e Hans Kung. As dificuldades da Igreja são e serão enormes tanto numa perspectiva doutrinal como meramente organizacional. A igreja tem dificuldade em aceitar a dúvida e a argumentar. Do ponto de vista doutrinal, alguns espíritos ainda se admiram que o padre Teilhard de Chardin, que tentou conciliar a fé com uma concepção evolutiva do mundo, continue a merecer algumas reservas. Como se pode invocar num quadro de evolução, a visão tradicional de um Adão e Eva e o pecado original? Dois seres semiconscientes, poderão ter cometido um pecado/crime, na origem de todo o MAL do mundo? Democracia? Ao princípio basilar da democracia, a Igreja contrapõe uma monarquia plenipotenciária e absoluta.
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