segunda-feira, 10 de maio de 2010

França, Agosto de 2003, V

(V)

FRANÇA (AGOSTO DE 2003)
Os Campeonatos Mundiais de Atletismo
Atentado contra Sérgio Vieira de Melo
O calor e os acontecimentos relacionados (uma grave questão social)
E Portugal?Incêndios

E como iam as coisas, ao mesmo tempo, em Portugal?
Claro, a questão mais marcante também foi o calor e os fogos, o que, mesmo em França, nos deixava algo sobressaltados.
Hoje, enquanto escrevo estas notas, em pleno Outono, esperava que o País soubesse a verdade, sobre os mortos por excesso de calor. Mas não, isso é um dossier encerrado!
O Ministério da Saúde veio com uma tese insustentável e que ainda mantém para este efeito, quanto a mim politicamente muito ridícula, baseada nas avaliações médicas das causas de morte inseridas nas declarações de óbito, que como se sabe não precisam a causa da falha do órgão que lhe deu origem. Não façam de nós mais trouxas do que somos.
Nem brinquem com os nossos sentimentos.
Com este peregrino critério, displicentemente administrativo, tentou-se escamotear ao País uma grave realidade. O que nos permite afirmar para o ano, se necessário, que infelizmente ainda não foi desta que aprendemos a lição, embora Durão Barroso diga, desde já, o contrário, a propósito dos fogos ou o M.A.I. ouse dizer que os Bombeiros Voluntários não têm a preparação adequada.
Ouvi a um comentador de pena, respeitável, assegurar que a vaga de calor deste ano foi, entre nós, o acontecimento natural mais grave desde o terramoto de 1755. Entendo, política e tecnicamente indefensável, equivaler um risco gerador da morte de 9 pessoas, a um outro de cerca de 1350, como o apurado pelo I.R.J.. O Ministro da Saúde, ter-se-á vangloriado de a maior parte das mortes (claro as não contabilizadas de acordo com os critérios administrativos apontados acima) ocorridas em Portugal, não ter acontecido em estabelecimentos tutelados pelo I.N.S. Mas, salvo o devido respeito, aqui a emenda é pior que o soneto, porquanto nos leva a concluir que esses morreram sem o cuidado do Estado, incapaz de cumprir a sua missão, na solidão das residências e dos lares para idosos.



O País não pode assim aprender a lição, mau grado o que anuncia Durão Barroso, se governantes antes dele não a tiverem aprendido, bem aprendida.
Alguns fazedores de opinião dizem que estamos assim a ver a democracia funcionar, perante a queda de ministros em consequência de pequenos escândalos e erros, a mediatização da justiça e a sua confusão com o poder político. Se o poder político se revelar fraco, será facilmente ultrapassado por outros poderes, como o poder económico, o poder religioso, o poder dos sindicatos ou das associações patronais, e tornará esta choldra ingovernável, com se queixava D. Carlos, mesmo antes de haver escutas telefónicas.
Foi a falta de poder político, a falta de autoridade e nunca o seu excesso, que a nossa I República deu lugar ao Estado Novo.

Os povos, tal como as pessoas, necessitam de sentir uma dose q.b. de auto-estima, para continuar a construir o futuro, vencer as dificuldades inerentes ao transitório da existência.
Assim, entendo ser condição de sobrevivência, como comunidades, que as nações acreditem nas suas potencialidades e construam projectos colectivos, que confiram espaço ao sonho e à esperança. As sociedades antigas estabeleceram princípios de conteúdo ético preciso, reguladores da conduta dos cidadãos e das instituições de forma a evitar disfunções, injustiças, arbitrariedades, que minorizam a vida social e corroem a auto-estima.
Sei que isto era no antigamente, no tempo da palavra de honra, antes da moda da contratualização escrita, da outorga notarial, das certificações, dos registos, cada vez mais necessário.

Entendo que em Portugal, mau grado a jovem democracia, se vive um momento histórico perturbante, com sinais de agravamento, assente numa indefinição daqueles valores, antes tidos como ancestrais, mas que permitiram, mesmo assim, manter a nossa identidade, ainda que em momentos de grande dificuldade, em que crescem a trafulhice, as burlas e as infidelidades. Parece ainda que outrora, os nossos maiores, foram capazes de ultrapassar uma aparente congénita incapacidade (geográfica), que nos entala entre a Europa e o Atlântico, e escrever páginas saborosas de História, de que muito nos orgulhamos, de vez quando.

Sendo assim, custa-me a compreender como parece, estarmos a perder o orgulho de ser a nação europeia com mais antiga definição territorial, a maior homogeneidade social, étnica e cultural, bem como a auto-estima perante alguns acontecimentos e contrariedades que nos têm assolado.



Os desafios que a construção europeia tem equacionado a esta nossa comunidade, e que a Aninhas tanto quanto sei e admiro, defende com muito empenhamento junto dos seus alunos, exigem que voltemos a assumir a condição de ser capazes de desempenhar um papel relevantemente activo na condução, construção e progresso do nosso tempo. A Aninhas referiu-me com muito acerto e a propósito, no que a acompanho embora sem a sua responsabilidade, que um das coisas que mais a marcou em França foi a preocupação dos franceses em manterem viva a memória dos seus notáveis.

Tenho acompanhado, algo fascinado, as comemorações dos 25 anos de pontificado de João Paulo II, pelo que pretendo a este propósito fazer aqui uma breve declaração, começando por citar o Cardeal Ratzinger, este é o Papa para quem a cruz não tem sido só uma palavra. Para mim e muito boa gente, católicos ou não, João Paulo II é o retrato acabado de um chefe que não recua perante a dor, num desafio aos seus limites (físicos),mas continua comoventemente apostado em cumprir, até ao fim.
Nestes 25 anos, entre tanto desnorte, com a sua força da razão e do bom senso, ajudou a derrubar o Muro de Berlim e os muros entre Homens, Religiões, Ideologias e Civilizações.

Mas este Papa é também um Papa (frequente e muito convenientemente quando necessário) incompreendido, agarrado a valores, indiferente a ventos e marés.
Os governantes, como os nossos, ainda que em certos casos católicos assumidos, gostam de o incensar, quando convém, mas tão só em abstracto. Nunca ouvi, o nosso Ministro da Segurança Social (Bagão Felix), que se reclama fervoroso adepto do Sumo Pontífice, rejeitar na prática o princípio (nada marxista) da prioridade do trabalho em confronto com o capital, de parte da Ministra das Finanças (M. Ferreira Leite), encómios à teorização papal da contraposição liberal à globalização da solidariedadeou mesmo o Ministro da Defesa (Paulo Portas) divergir de João Paulo II quanto ao apoio à intervenção militar no Iraque.

Claro que os governantes políticos têm sempre possibilidade de se socorrer da necessidade do pragmatismo.
Termino este depoimento, com uma citação do Cardeal Patriarca: De João Paulo II, os Homens podem não ter ouvido aquilo que gostavam de ouvir, mas se estiverem abertos ao amor, sentiram-se por certo amados por Deus.

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