segunda-feira, 10 de maio de 2010

França, Agosto de 2003 - VII

FRANÇA
Versalhes e o Rei-Sol
HISTÒRIAS COM A ANINHAS, CLARA E MANEL
(2003)

Para a visita a Versalhes tínhamos reservado um dia completo, a partir de Rambouillet.
Contávamos com a existência de grande movimento de turistas, muito calor e a oportunidade de dar uma volta pela cidade, que dizem ser interessante, bem como pelos Trianons e jardins.
Mas como vai sendo costume nas nossas viagens, não vale a pena fazer grandes programações. O programa é para ser adaptado em cada momento, em função da oportunidade.

Já tinha ido várias vezes a Versailhes, mas de cada uma delas parece ser sempre uma experiência nova.
Que posso dizer sobre Versalhes?
Diz a História ou a Lenda (não apurei bem), que quando Luís XIV viu o castelo do seu Ministro das Finanças, decidiu fazer um para si, mas obviamente melhor e maior.

O resultado é aquilo que fomos ver neste Verão de 2003, um dos monumentos mais sumptuosos, mais impressionantes, mais vastos e mais visitados do mundo, construído a partir de um pequeno pavilhão de caça, entre 1664 e 1715, ou seja, o ano em que o rei faleceu.
Aqui se passaram muitos momentos marcantes da história da França e do Mundo.

Destaco, como mero exemplo, que na Galeria dos Espelhos, foi assinado o Tratado de Versalhes, que pôs fim à I Guerra Mundial e impôs condições muito severas à Alemanha, potência vencida, que por isso terá despertado o espírito revanchista de Hitler.
Foi em Versalhes que, em 1789, se reuniram pela última vez os Estados Gerais e que começou a agonia da antiga monarquia dos Capetos, que governava a França desde 987.
Mais que um símbolo solar (Rei-Sol) Versalhes foi o da Monarquia, dita do Antigo Regime (Ancien Regime), também dita absoluta, de direito divino e pessoal.

O Palácio de Versalhes situa-se num parque concebido pelo célebre arquitecto de jardins, Le Notre.
É tão grande, que existe um mini comboio para o visitar e levar os turistas aos Trianons, palacetes estes que funcionaram na origem, como ninhos de amor. Nós não utilizamos o comboio, pois preferimos o ar condicionado do nosso Peugeot, para dar essa volta.



O Grande Trianon foi construído por Luis XIV para gozar dos favores da sua favorita, Madame Maintenon. Bonaparte também tinha uma atracção muito especial por este retiro, que lhe parecia mais humano que o grande palácio e, aí, devaneou algum tempo com a Maria Luísa de Áustria. Por sua vez, Luís XV, em meados do século XVIII mandou construir o Petit Trianon, para a sua amante, Madame de Pompadour.

Os belos jardins do nosso Palácio de Queluz, são aliás muitas vezes comparados aos de Versalhes, passe o exagero. Embora um pouco mais recentes, acho que também merecem uma visita atenta, pois revelam uma concepção cenográfica de largos recursos, dentro do gosto francês dominante. Os jardins de Queluz, como se recorda, foram planeados em 1760, para o casamento do infante D. Pedro com a futura D. Maria I.

Não é possível, nem está no meu objectivo, fazer aqui uma história, ainda que pequena, do palácio de Versalhes. Luís XIV instalou-se definitivamente em Versalhes em 1682 e abandonou Paris, que aliás pouco apreciava, para sempre. Não voltará a Paris entre 1693 e 1700.
Note-se que o reinado de Luís durou 55 anos, desde a sua juventude à velhice. Ora, como é bom de ver, o porte do rei determinou, em grande medida, o dos seus cortesãos, empenhados em imitá-lo e se possível agradar-lhe. O jovem e, porventura, garboso monarca de 1660, nada tinha de comum com o melancólico ancião de 1710.

Antes de sair para França, nestas férias, fui consultar, entre os meus livros, A VIDA QUOTIDIANA NO TEMPO DE LUÍS XIV, de Georges Mongrédien, reputado historiador francês, perito nesta época. Ora, segundo este autor, sem pretender seguir ano por ano, uma evolução difícil de captar, pode admitir-se a existência de períodos de juventude e de velhice, cuja ruptura se fixa no decénio de 1680, que assinala a presença da Senhora de Maintenon e a residência regular da corte em Versalhes.

Segundo os historiadores, há em Versalhes os períodos antes e depois de Me. de Maintenon, bastante característicos e distintos.
O Rei-Sol, deixou com o tempo de ser o jovem galante, cujos desconcertos legitimavam uma licenciosidade em geral, ao redor do qual se construíam intrigas políticas e de alcova, para passar a ser o homem altamente enfadado, a dar indícios de esclorose.
O que domina em Versalhes, no fim do século XVII parece pois ser o enfado, o tédio da melancolia, mas ninguém se atreve a lamentar-se em voz alta. Acabou o espaço da fantasia, os cenários de magníficos festejos que se prolongavam por dias, incessantemente renovados e que acarretavam enormes despesas ao erário, e do imprevisto. A rotina do rei é doravante, permanente e sem surpresa.
Depois de 20 anos de fantasias e prazeres, em que o rei dava o tom e a corte o seguia, no que foi a apoteose do Rei-Sol, tudo muda com a chegada de Me. de Maintenon, com que ainda irá casar depois de enviuvar, que substituiu a favorita Me. de Montespan.



Agora, passou a ser o tempo de um recolhimento devoto e beato, que parece atrair ao rei as desgraças públicas e os lutos privados. Sob a influência da Senhora de Maintenon, os interesses de Luís XIV centram-se na salvação da alma. O partido católico e o clero levam a melhor e colhem, enfim, o fruto de tantos anos de porfia. Foram-se as festas, os corrocéis, as amantes e os escândalos. No plano espiritual assiste-se, pois, a uma completa reviravolta do monarca; ele provoca, já se vê, evolução idêntica nos cortesãos que de libertinos, se tornam devotos voluntários. Iguais preocupações se registam no plano político: é a altura em que se incuba a revogação do Édito de Nantes e todas as medidas de excepção (incluindo as perseguições) que a acompanham. Quanto mais avança o reinado e se acentuam os efeitos das dificuldades financeiras, das misérias e das revoltas, dos reveses militares e dos lutos familiares dos últimos anos, tanto mais se denuncia o cariz sombrio desta corte a envelhecer, cujos apetites de gozo, demasiado refreados de novo transbordarão sob a Regência.(in, A VIDA QUOTIDIANA NO TEMPO DE LUÍS XIV, já citada)

A vida palaciana alterou-se, completamente. A fantasia cedeu passo a um protocolo rigoroso e imutável, quotidianamente repetido e a corte passou a dispor de um número imenso de pessoal, que chegou a rondar 10.000 pessoas. Que tipo de gente?
Nobres de todas as condições, clérigos, lacaios, soldados, parasitas, gravitavam na órbita do palácio, que os vestia e alimentava.

Versalhes transformou-se numa vasta maquinaria, regulada tal qual uma geringonça de relógio; todos os dias, à mesma hora, se assiste ao levantar do rei, à missa do rei, ao almoço do rei, à caçada do rei, ao jantar do rei, ao deitar do rei. A preocupação mais obcecante passa a consistir quem lhe dará a camisa ao erguer-se de manhã, e quem segurará a candeia na altura de ir para a cama.(in, A VIDA QUOTIDIANA...)

A visita metódica ao conjunto de Versalhes exigiria a um perito ou estudioso vários dias. O turista, como nós, cujos objectivos são muito menos ambiciosos, deve visitar pelo menos, os Grandes Apartamentos do Rei, a Capela, a inigualável Galeria dos Espelhos, onde se fizeram bailes, desenrolaram jogos e se faziam as audiências, os Apartamentos da Rainha e a Ópera Real. Se tiver tempo, é agradável passear pelos jardins e dar uma saltada aos Trianons. Note-se que a Ópera de Versalhes, que existe hoje, não é do tempo de Luís XIV, pois foi edificada com vista a festas e espectáculos comemorativos do casamento de Luis XVI e Maria Antonieta. Foi com pena, mas desta vez não a fomos visitar.

Quando atrás falei do Louvre, referi o célebre quadro de David, representando a coroação de Napoleão, em 02.12.1804. Visitando Versalhes, parece-nos ver lá exposta a mesma obra. Claro que isso não é possível. Então o que se passa?
A primeira versão desta obra-prima encontra-se no Louvre, enquanto que a de Versalhes foi acabada em 1822, pelo mesmo artista. Esta pintura em La Salle du Sacre, como outras expostas na parede, glorifica a epopeia napoleónica, tal como quis Luís Filipe, quando transformou o palácio no museu que é hoje.
Visitamos Versalhes um pouco a correr.
Só para ultrapassar o pátio de entrada, e entrar no palácio propriamente dito, tivemos de nos sujeitar às inclemências do calor e do sol. A fila era enorme e houve entre nós, já não me lembro bem, quem começasse logo com necessidade de ir fazer chichi.
O que dava lugar a uma enorme canseira, com mais sol, calor, perda de lugar na fila e tudo o mais. Até que a Aninhas providencialmente se recordou e socorreu da minha qualidade de handicapé, com direito a entrada especial (gratuita, inclusivé para um acompanhante), à frente dos demais visitantes (se não fosse assim ainda hoje estávamos à espera de entrar), acompanhado por uma funcionária de crachat e bem fardada, subida em elevador reservado a altas individualidades.
Mas... sentado em carrinho de rodas, como sempre diligente e amorosamente empurrado pela Aninhas, sendo-nos lícito andar, se necessário, em contra-mão!!! Acabou por ser para mim e todos, uma verdadeira mordomia, sem mais necessidade de subir e descer escadas, e permitiu-me tirar de novo umas excelentes imagens em vídeo.
Foi-me todavia aconselhado a não sair do carrinho.

Creio que foi nesta visita que o Manel, aquele conhecido burguês empedernido e muito convencional, ficou chocado com o luxo e ostentação do palácio do Rei-Sol, e veio para o calor do ar livre comer uma bucha, enquanto mais tradicionalmente fomos ao bar, também quente, mas menos quente.

A propósito de Versalhes, a Paula contou-me um dia destes, um pequeno episódio, ocorrido quando lá foi com a Raquel e que pela graça que tem, vou registá-lo gostosamente nestas notas familiares. Fomos a Versalhes de comboio. Mais uma vez peguei-me com a Raquel. Achava um desperdício irmos gastar um dinheirão para alugar bicicletes para passear nos jardins. E logo eu que ando sempre cansada. A Raquel levou a melhor, lá me convenceu, mas para isso acabei por abdicar do consumismo num dos shoppings que tínhamos combinado visitar, porque depois deste passeio ficamos totalmente depenadas. Mas afinal valeu a pena. A Raquel por vezes também tem razão.

O regresso da Clara e do Manel ao Porto também, merece ser referido aqui. Supunham eles que vinham, tal como na ida, na Air Luxor. Mas não foi isso que aconteceu. Vou dar a palavra ao Manel, quando me sentei no avião das LAM (linhas aéreas de Moçambique) e vi pela primeira vez as hospedeiras pretas (e eram todas) fiquei com dúvidas se chegaria a Portugal. Mas afinal depois até achei curioso ver no ecran as indicações de velocidade e altitude instantâneas, coisa que nunca tinha visto. No entanto fiquei convencido que o piloto devia ser Português( e branco).

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