quinta-feira, 20 de maio de 2010

Ensaios (Cap. IV) UMA QUESTÃO DE COMUNICAÇÃO

-ENSAIO SOBRE A MEMÓRIA E A VOZ

-E VIVAM AS MULHERES

- EM QUE SE FALA DE OGIVAS, OVOS E DA BELEZA

-UMA QUESTÃO DE COMUNICAÇÃO

-O FUTURO NO FEMININO?

-E TOCA A BANDA(Vira o disco e toca o mesmo)

-NINGUÉM LHE DEU ATENÇÃO


Hoje vou contar uma história, pretensamente ilustrativa de algumas das dificuldades de comunicação que afligem as pessoas.

E só a esse título é que ela vem a propósito, se é que vem. Numa primeira análise, os meus leitores dirão, com um encolher de ombros e a resmonear, que não, o problema de comunicação, afinal, é meu.

Mas admito que não seja rigorosamente assim, pois conhecendo a economia e a harmonia social do nosso País, mais concretamente da nossa região, é por isso que sendo uma história, aceito que benevolamente mereça a qualificação de anedota.

O preto é preto.

A verdade é só uma e se um fala verdade o outro deve estar a mentir.

Se todos são filhos de Deus, também o são os que não vão em missas.

Os ciganos são ladrões.

E o Diabo é grande, apesar de haver alguns apóstolos importados do Brasil que nos querem poupar as delícias do Inferno e propor-nos em contrapartida as agruras do Céu.

A tradição já não é o que era.

O progresso é como uma auto-estrada.

Isto é assim ou devia ser.

Estão a perceber?

Talvez não.

O problema é meu?

Por mais voltas que dê e me socorra do latim, alguns clientes que vêm ao meu escritório têm mesmo dificuldade de compreender certas coisas que acho bem pouco subtis.

Mais alguns exemplos. Porque é que a justiça é tão lenta, porque é que se soltam alguns malandros, porque é que não se deixa trabalhar quem pode e quer e aquele que mais trabalha não é o que mais ganha?

É que vistas as coisas, elas são bem mais subtis do que parecem. Ou deviam parecer.

Vejamos se percebem o que quero dizer!

O preconceito pode ser um filho do medo, cheio de saúde, longe de se dispor a entregar a alma a Deus ou ao Diabo.

Se não houvesse preconceitos como é que se poderiam catalogar os bons e maus rapazes? Certas pessoas têm dificuldade de se exprimir embora sejam tão portugueses como nós. Outros têm menor facilidade em compreender.

Não se faz a prova que por ser analfabeto o seu problema seja menos importante, não importante, desimportante ou merecedor de outro qualificativo qualquer.

Passou-se no café.

Um deles era um homem de cara enrugada, o outro um rapazola que até compreendia línguas, mas ambos bebiam o seu copo, terceiro ou o quarto, sabe-se lá em qual deles iam.

-Percebeu o que eu disse? A adesão ao euro”vai ser boa para todos nós, argumentava sem qualquer pudor o rapazola que há uns dias tinham chegado da Alemanha.

Mas o homem mais velho não percebia.

-Não percebe? Vou explicar-lhe de novo.

Recomeça a explicação, numa narrativa que leva o tempo da velocidade de um copo.

-Seu burro, que não percebe nada. É por causa de vocês que este País não anda.

O homem de cara enrugada pelos anos, ele que não tinha pedido nenhuma explicação, sentiu-se ofendido e apareceu-me no dia seguinte no escritório.

Claro que ele não veio para eu lhe explicar os méritos do euro, mas para ver se se devia queixar dado não achar óbvio que o outro o rotulasse publicamente de burro.

Compreendia-se claramente, olhando para a sua cara, que de certas coisas ele pouco percebia ou nada.

Mas chamar-lhe burro é que não aceitava.

Foi então que de repente me lembrei da historieta que antigamente se contava, como uma anedota, para explicar o inexplicável.

Um cego passeava com um amigo, que a certa altura lhe disse:

-Como me apetecia um copo de leite...

-Sei o que é beber, mas que é isso de leite? - perguntou o cego.

-Um líquido branco.

-Líquido sei, mas como é que o branco se distingue do preto?

-Branco é a cor das penas daquele cisne.

-Penas sei o que é, e um cisne?

-É um pato grande, com um pescoço torto e comprido.

-Pescoço sei, mas o que é torto?

Sem paciência o amigo pegou num braço do cego e esticou-o. “Isto é direito”. De seguida torceu-o e disse que isto é torto.

-Até que enfim , disse o cego, finalmente percebi o que é o leite”.

Se o rapazola fosse mais paciente, e tivesse outra capacidade de comunicação, talvez tivesse utilizado outra argumentação para fazer compreender ao velhote afinal o que é o “euro”.

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