terça-feira, 1 de junho de 2010

João Paulo II - Abenegado por Deus (em memória)

Estávamos no Algarve, como é habitual na semana a seguir à Páscoa, e na Praia da Oura. A Aninhas, o L. e a T., bem como a M., que foi dar uma mãozinha. Em Vila da Galé, a poucos quilómetros, o Nuno FO e a Paloma. Naqueles dias de primavera incerta, como tem sido todo este ano de 2005, tivemos aquela sensação estranha de que Portugal e o Mundo estavam a correr à bolina, incerta também. A crise anda por aí, bem perceptível. Creio que para potenciar a neurastenia ajudaram as notícias do estado de saúde, muito crítico do Papa João Paulo II. Foi num sábado à tarde, estando com o Nuno, depois de no dia anterior termos comido uns mexilhões divinais, preparados à moda da Paloma, acompanhados de umDouro, que ele havia desencantado num supermercado algarvio recôndito, de quem lhe custava muito despedir-se e por isso lhe vinham as lágrimas aos olhos, que os meios de informação comunicaram ao mundo o falecimento de João Paulo II, o seu reencontro com a Casa do Pai, pelas 20h30m.


A Humanidade que às vezes parece perdida e dominada pelo poder do mal, pelo egoísmo e pelo medo, o Senhor ressuscitado oferece como dono, o seu amor, que perdoa, reconcilia e reabre o ânimo à esperança. É o amor que converte os corações e dá a paz.




Era esta a mensagem preparada por João Paulo II, poucos dias antes da sua morte, para ser lida no Angelus, que assinalava a bênção papal de domingo. Não sendo uma pessoa de família, nem por isso deixava de ter sentimentos de muito respeito por João Paulo II, pelo que não obstante os meus sessenta, senti instalar-se alguma orfandade. Nas minhas notas dos anos anteriores, tive a oportunidade e a necessidade, de registar alguns despretensiosos comentários sobre a postura de João Paulo II. O sentimento das pessoas para, neste início de milénio, abraçarem a fé e iniciarem o percurso do sagrado, esteve bem evidente naqueles que sentiram a morte do Papa, como se esta lhes dissesse directamente respeito, como se fosse um parente muito chegado. Veja-se as multidões que invadiram Roma e o Vaticano, as filas de 2 quilómetros intermináveis de pessoas para se despedirem. Se dúvidas houvesse, entendo que foi este um momento raro, senão único, e cujos os efeitos se irão prolongar por bastante tempo. Os meios de comunicação deram relevo ao testemunho da vida e de fé de um homem, que pôde fazer mover a Humanidade. Esta breve e simples constatação, abafa todos os ruídos expressos em vozes que se consideram reféns da descrença e da intolerância, a mesma que lhe atribuem quando defendeu certos valores. Os nossos olhares convergiram, com emoção, para o caixão de madeira, sem ornamentos, colocado no centro da Praça de São Pedro, tendo à sua volta ricos e pobres, judeus, muçulmanos e cristãos, europeus, americanos e asiáticos, agnósticos e ateus. Todos se vergaram em respeito por um Homem que em vida não deixou ninguém indiferente e na morte se revelou o maior evangelizador do nosso tempo. Na hora da morte, João Paulo II conquistava a Humanidade, com um amor que retirava argumentos aos seus maiores adversários.



Se tivesse que escolher as maiores inquietações e desafios com que a Igreja de Roma se tem de defrontar nos próximos anos, embora não seja a pessoa mais preparada e idónea para o fazer, colocava à frente a enorme crise de vocações e a consequente diminuta ordenação de novos sacerdotes. Mesmo para o leigo e pouco praticante, entendo ser este um dos problemas mais sérios da Igreja. O celibato, o papel das mulheres e as questões económicas, se preocupam as pessoas em geral, também preocupam os Padres e a Igreja.




Quem sou eu para dizer que os padres deveriam ou não poder casar?




Admito que se trata de matéria melindrosa, controversa e complicada, teológica e política, pelo que entendo, sem prejuízo de afrontar preconceitos ancestrais, que a Igreja terá de continuar a pensar no assunto.




E os padres devem receber salário ao fim do mês?




A ideia também não é nova, mas o Patriarcado de Lisboa ainda não definiu posição, não avançou no terreno. Creio que os sacerdotes em paróquias pobres do interior do País, vivem com sérias dificuldades.




E a ascensão das mulheres ao sacerdócio?




Calculo que é assunto para continuar a discutir-se por muito tempo, pois não está suficientemente maduro. Gostaria de saber se existe algum impedimento de ordem teológica, mas haja ou não, o que não é irrelevante claro, não se pode esquecer o peso de uma tradição com dois mil anos.




Como vai ser o novo Papa?




Na minha modesta opinião, entendo que todos os Papas têm de ser um pouco conservadores e, ao mesmo tempo, progressistas.




Como assim?




Conservadores, para preservar o essencial da Fé e garantir a fidelidade aos princípios e fins.
Progressistas, para acompanhar a evolução dos tempos, tal como se espera de um bom político. O grande desafio que parece colocar-se ao novo Papa, será o da capacidade de manter ou alterar o discurso de João Paulo II, em matérias tidas por fundamentais. Várias sensibilidades da Igreja, defendem a procura de soluções mais actuais para o dia a dia dos católicos, enquadrando-as nos Evangelhos, que seriam adaptáveis a todos os tempos, ideias e lugares.




Tenho andado nos últimos anos pela Europa que é o centro do meu mundo, apesar de saber que aqui que o desvio dos valores evangélicos é mais notório e a tentação da idolatria, do bem estar ou do hedonismo, são mais evidentes e difíceis de superar, para acompanhar a moda. Isto pode parecer paradoxal, se se tiver em conta que Cristo e os Evangelhos, são a matriz cultural da nossa Europa, para onde a Turquia otomana, alegadamente laica, quer entrar…, e já bate à porta.



E a África e a América do Sul, onde a frescura e a evolução cristãs são evidentes, que rejeitam certo tipo de pompa, de circunstância e ritualismos, procurando viver o Evangelho de uma forma mais simples, alegre e com proselitismo apostólico?



Na manhã de 29 de Setembro de 1978, o mundo soube da morte súbita de João Paulo I, ao fim de 33 dias de pontificado. Quando, dias depois, saiu fumo branco da pequena chaminé da Capela Sistina, onde os Cardeais se encontravam em conclave, o mundo teve uma surpresa. Habemus papam. Não fora eleito um cardeal italiano, como vinha acontecendo ininterruptamente há cerca de 450 anos, mas sim um polaco, arcebispo de Cracóvia, de 58 anos, desportista, homem enérgico, conservador, mas alguém de quem se dizia gostar de estar perto das pessoas. Ao assumir o ministério, as suas palavras foram, não tenhais medo! Abri as portas de par em par para receber Cristo! Abri as fronteiras dos Estados, os sistemas económicos e políticos, a cultura, a civilização e o progresso ao Seu poder redentor!




Desde que João Paulo II foi eleito em 1978, o Mundo transformou-se de tal maneira que os cristãos, talvez dizendo melhor os católicos romanos, ficaram com muita dificuldade, impossibilidade?, de viver uma realidade que sentiram deixar de certa maneira co-existir consigo. Assim, passaram a reclamar que a moral católica se adapte a novos conceitos e realidades da vida que se impuseram nestas últimas três décadas. O poder de João Paulo II, enorme, absoluto e conservador, abafou/puniu com rigorismo teológico, disciplinar e moral, impondo não obstante os avanços do Vaticano II, o silêncio e a obediênciaa certos teólogos menos ortodoxos, como aconteceu por exemplo em 1985 ao brasileiro Leonardo Boff, o teólogo da libertação.




Como se disse foi um Papa de contradições, mas esteve em todos os grandes acontecimentos do tempo.



Como poderá ser catalogado João Paulo II?




Combateu o nazismo.




Foi importante na derrocada do comunismo.




Deu um contributo decisivo na globalização do mundo, com as suas constantes deslocações. Arrastou multidões de crentes e não só. Não tinha exércitos, como depreciativamente diria Staline, aos Aliados no pós-guerra, mas teve poder, não o poder temporal, mas o poder espiritual, buscando uma dimensão no Homem que nenhum outro poder pode conseguir. Não conseguiu evitar guerras como a do Iraque, eliminar a fome e a sida em África, mas deu uma satisfação ao mundo para além, do dinheiro e do consumo.




João Paulo II era um comunicador. Judeus, muçulmanos e ortodoxos foram unânimes no elogio aos seus esforços no campo do diálogo ecuménico. Para a História fica o Encontro de Assis, que reuniu altos representantes dos principais credos da Humanidade.




Pescador de homens, como talvez nenhum outro Papa, João Paulo II deu grande importância à juventude que fez questão de conduzir aos caminhos da humanidade, tendo sido frequentes os encontros com multidões de jovens, não só em viagens pelo mundo como no Vaticano. Por ocasião do Grande Jubileu do ano 2000, que coincidiu com um encontro em Roma de jovens de todo o mundo, o Papa dizia jovens o Papa sente-se muito feliz na vossa companhia, estava com a Aninhas, a Lena e o João Henriques, na Praça de S. Pedro, completamente cheia, aonde assistimos, com emoção, à Missa presidida por João Paulo II, já doente, cansado e com voz trémula, onde se realizaram simultaneamente vários casamentos e deu os sacramentos.



Eu, Papa da Igreja de Roma, peço perdão em nome de todos os católicos, pelas injustiças infringidas no decurso da História, aos não católicos.




Líder espiritual de centenas de milhões, homem de poder, João Paulo II deu provas de enorme humildade, não hesitando em pedir perdão por acções ou omissões da Igreja ao longo de dois mil anos. Em 1992, fez um acto de contrição público, com especial destaque para a comunidade científica, relativamente a acusações que Roma dirigiu a Galileu e não obstante a Terra move-se. Note-se que, ainda hoje, dizemos que a Terra se move, o Sol nasce e põe-se todos os dias…




Mais tarde, no virar do milénio, o Papa voltou a fazer um mea culpa, desta vez por causa dos silêncios da Igreja face aos crimes cometidos contra os judeus, muito especialmente pelos nazis. Esta iniciativa, que mereceu o aplauso de Israel, revelou-se de importância, pois tratou-se do que foi considerado não apenas um acto de justiça que permitiu relançar a questão do ecumenismo, estabelecendo pontes entre as duas grandes religiões monoteístas, Cristianismo e Judaísmo.



Eu te bendigo, ó Pai por todos os teus pequeninos, a começar da Virgem Maria, Tua humilde serva, até aos pastorinhos Francisca e Jacinta. Que a mensagem das suas vidas permaneça sempre viva para iluminar o caminho da humanidade, disse João Paulo II em Fátima, na última visita que efectuou a 13 de Maio de 2000, durante a qual beatificou Jacinta e Francisco, primos da vidente Lúcia, então ainda viva.




A devoção mariana do Papa era bem conhecida. Pouco depois de ser eleito, às armas pontifícias, numa alusão a Maria, juntou o lema TOTUS TUO, Todo Teu. O facto de ter atribuído a um milagre da Virgem, a Mãe de Deus, o ter escapado ao atentado de 13 de Maio de 1981, na Praça de S. Pedro, levou-o a estabelecer, daí em diante, uma relação muito especial com o fenómeno das aparições de 1917, assumindo a sua condição de peregrino das três vezes que se deslocou a Fátima. Estava seguro de que a Virgem o salvara, estas datas encontram-se ligadas entre si de tal maneira que me pareceu reconhecer nisso um chamamento especial de vir aqui. Vim agradecer à Divina Providência neste lugar, que a Mãe de Deus parece ter escolhido de modo tão singular.




Fátima, há muito é um dos santuários marianos mais importantes do Mundo, tendo-lhe não obstante o Papa conferido uma acrescida projecção. Foi aqui que o Papa anunciou, em 2000, a terceira parte do segredo de Fátima, a revelação feita pela Senhora mais brilhante que o Sol.
Finalmente, a Igreja Católica, levantava o véu sobre o que a Virgem confiara à discrição dos três pastorinhos, contrariando teorias catastróficas sobre a Humanidade. O segredo referia-se apenas ao Papa e ao seu sofrimento. Dando este sentido ao Segredo de Fátima, assim o atentado falhado de 13 de Maio de 1981 no Vaticano fazia parte de um desígnio divino, vinculava definitivamente Fátima ao seu pontificado. A Fé em Cristo havia de romper todas as barreiras.



Há alguns anos, o Zico ofereceu-me a obra de José Régio POEMAS DE DEUS E DO DIABO, que li de um fôlego, publicada já lá vão uns 80 anos. Retenho daí, o poema Cântico Negro, que ao empurrar-nos para a frente, exige coerência e, no que é mais importante, aquece o sonho de encontrar o nosso caminho, contra ventos e marés. Régio poeta? Nos tempos acelerados que correm, perdeu-se o gosto pela meditação e consome-se o que não a exige ou cansa, o gosto pelo superficial e espectacular, usar e deitar fora. Do imortal Goethe, retenho esta súmula lapidar, creio que retirada do Fausto, o que brilha pertence ao momento e a perfeição à eternidade.
João Paulo II, já se instalou na eternidade, ao gosto de hoje é certo, mas também ao de sempre, um gosto que se estende por muitas fronteiras.



Pedi ao Domingos P. umas considerações sobre a figura ímpar de João Paulo II, que as redigiu em jeito de epitáfio.




Karol Wojtyla era o seu nome;
Paulo, Saulo, foi o Apóstolo das gentes;
Paulo VI, foi o primeiro dos seus predecessores que saiu do Vaticano para, no auge de uma guerra fria prestes a eclodir, gritar com força e autoridade na Assembleia das Nações Unidas: Homens, sede homens!
João XXIII foi o bondoso Papa que, na força da simplicidade, pôs em marcha a poderosa renovação que abriria a Igreja ao mundo do seu tempo.
João Paulo, a homenagem de um Homem forte e corajoso, com uma crença vivida, embora causticada no crisol de uma clandestinidade não escolhida.
Arrasou montanhas, derrubou muros considerados inamovíveis.
Percorreu o horizonte, despertando consciências, maravilhando incrédulos, interpelando indiferentes.
Respeitou outros credos, deu as mãos a todos os filhos do mesmo Deus e pediu perdão pelos erros e crimes de ontem e de hoje.
Peregrino dos caminhos deste mundo, beijou a terra, em todos os palmos onde a santidade se vive.
Arrebatou multidões, foi rasgado pelas balas do ódio, carregou a doença progressiva, lutou até à morte e morreu abençoando.
João Paulo, o Homem que mais se pareceu com o seu Mestre, nos tempos modernos, viveu com todos e para todos e, por isso, todos o têm já no altar da sua devoção.



Antes de João Paulo II, havia falecido a 13 de Fevereiro, Lúcia a última vidente de Fátima, a que falava com a Virgem e a única que a conseguia ouvir. Foi a que sobreviveu à infância, alegadamente porque a Senhora lhe disse que ficaria cá mais tempo. Esta data 13 de Fevereiro, em plena campanha eleitoral para as legislativas interrompida pelo PSD/PP, com algum oportunismo mas sem proveito, ajudou a retocar o mito.


De Lúcia, o País e Mundo pouco ou nada sabiam sobre o que sentia, o que pensava, ou o que dizia A igreja impôs-lhe clausura absoluta. Foram 56 anos, dos quais 31 passados em Espanha, e sempre em silêncio, que cumpriu. Todas as raras aparições foram rigorosa epoliticamente controladas. Recebeu os Papas Paulo VI e João Paulo II e participou discretamente em alguma cerimónias no Santuário de Fátima. Em 13 de Maio de 2000, última vez que apareceu em público, assistiu em Fátima à revelação do último segredo por João Paulo II.


Deixou umas memórias escritas, ao que consta encomendadas pelo Bispo de Leiria, José Alves Correia, aquando de uma visita ao Convento de Tuy, onde se encontrava, com o objectivo de registar os três segredos confiados aos Pastorinhos. O primeiro, era o fim próximo da I Guerra Mundial e o segundo, era a reconversão da Rússia que acabava de entrar no domínio soviético. Que melhor tónus para o regime de Salazar?


Morreu tranquilamente, como uma criança nos braços da mãe, despediu-se do mundo que não a conhecia, nem ela conhecia, com honras de Estado e banhos de multidão.

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