terça-feira, 1 de junho de 2010

O MOVIMENTO (republicano) DE SANTARÉM (1919), O QUARTEL DE ALCOBAÇA, A MONARQUIA (trauliteira) DO NORTE, RAMALHO ORTIGÃO E A TORRE E ESPADA (no Brasão

O período de tempo que decorreu entre a morte de Sidónio Pais, em 14 de Dezembro de 1918, ao entrar para a Estação do Rossio, no auge do seu mito, e o golpe do Estado Novo em 1926, caracterizou-se no nosso País por uma excessiva instabilidade política, com desordens e luta pelo poder e por grandes dificuldades económicas.



Em 1919, os mais conhecidos e importantes dirigentes republicanos tinham sido varridos na voragem política, encontravam-se retirados como Afonso Costa ou haviam mesmo morrido como Manuel de Arriaga ou Teófilo de Braga. Nesse ano, o Partido Unionista desintegrou-se e Brito Camacho afastou-se da política lisboeta, não mais entrando no Parlamento, indo ocupar o lugar de Alto-Comissário e Governador-Geral de Moçambique. António José de Almeida, com 57 anos de idade, apesar da sua abalada saúde e decepção perante o evoluir dos recentes acontecimentos, sentia uma grande dívida para com a República. Eleito pelo Congresso de 1919, em 5 de Outubro, passou a ser o sexto Presidente da República e o único da 1ª República que cumpriu integralmente o seu mandato.



A República Nova, de Sidónio Pais, assustou seriamente os republicanos convictos e deu algumas esperanças aos monárquicos. Com a morte daquele, embora com desinteligências entre si, os monárquicos conspiraram redobradamente para uma restauração do regime derrubado em 5 de Outubro, e os oficiais do Exército por um governo de ditadura militar. Sucedeu-lhe o Almirante Canto e Castro, monárquico passivo, tendo como Primeiro-Ministro Tamagnini Barbosa, oficial do Exército, cuja primeira tarefa era tratar, se possível, de uma acção militar decisiva.



Já antes do assassínio de Sidónio Pais, se planeava e organizava um governo forte, preferentemente uma ditadura militar. A Junta Militar do Norte, visava um governo autoritário e anti-republicano, no qual os interesses dos oficiais do Exército estivessem em prioridade com a ordem pública e revelou-se, de certo modo, precursora do movimento que conduziu à Ditadura Militar, de 28 de Maio de 1926. Estava em desacordo com a Junta Militar do Sul que contava com mais elementos tidos por republicanos ou, pelo menos, mais próximos dos ideais sidonistas.



Entre 23 de Dezembro de 1918 e 29 de Janeiro de 1919 houve, no País, vários pronunciamentos militares importantes.



Dentre eles, destacamos o ocorrido em Santarém, pela intervenção que nele teve a Bateria do Regimento de Artilharia 1, de Alcobaça, e que deu azo à atribuição da condecoração da Torre e Espada de Valor, Lealdade e Mérito à Vila de Alcobaça, pelo Presidente da República Dr. António José de Almeida.



O pronunciamento de Santarém consistiu, essencialmente, numa acção republicana levada a cabo por republicanos receosos das ameaças à República, exigindo o regresso à Constituição de 1911, já que após a morte de Sidónio Pais tudo parecia conduzir à restauração monárquica.



A conspiração nasceu depois de o Primeiro-Ministro Tamagnini Barbosa ter recusado a entrada no governo a alguns jovens elementos do Partido Democrático, que se opunham às ameaças, cada vez maiores, das Juntas Militares. No movimento de Santarém estiveram apesar disso, ou por via disso, oficiais republicanos de direita e esquerda. Politicamente agrupavam-se em tendências várias, como a própria proclamação revolucionária acentuava. No grupo dirigente, entre outros, juntavam-se o democrático Álvaro de Castro, os evolucionistas Couceiro da Costa e António Granjo, os republicanos independentes Jaime Morais e Cunha Leal e ainda o socialista Augusto Silva Dias.



Entre todos havia o pensamento comum salvar a República posta em perigo pela capitulação ante as Juntas militares.



Santarém, Tomar, Caldas da Rainha e Alcobaça, esta através do Regimento de Artilharia 1, apoiaram o movimento iniciado de facto a 8 de Janeiro, com um violento ataque levado a cabo no Congresso contra o governo de Tamagnini Barbosa, por Cunha Leal.



Quando o governo remodelado por Tamagnini Barbosa fez a sua apresentação parlamentar, lendo este a declaração ministerial, foi acolhido com grande frieza pela maioria. Pretendia, segundo anunciou, consolidar a República com a prática política iniciada por Sidónio Pais. Com grande vivacidade, como lhe era habitual, Cunha Leal acusou o Presidente do Ministério de ter “tristemente” pactuado com as Juntas Militares e de pôr assim em perigo a existência das instituições republicanas. Terminou a sua intervenção com um vigoroso Viva a República!, no que foi acompanhado pelas galerias apinhadas de gente. No dia seguinte, no Senado, Machado dos Santos, também ele um dos mitos da República, atacou agressivamente Tamagnini Barbosa, originando um conflito que quase levou a uma crise ministerial. Estas recriminações e ataques, no Congresso da República, eram a tradução verbal de uma crispação que o terreno dos sucessos revolucionários potenciava, eclodindo com violência, quase simultaneamente ao começo da noite de 10 de Janeiro, em vários pontos do País.



A revolta, propriamente dita, teve início em Lisboa, quando civis armados tentaram sem sucesso, logo da parte da manhã desse dia, apoderar-se do Regimento de Infantaria 33, instalado no Castelo de S. Jorge.



Ao mesmo tempo, outros grupos atacaram o Arsenal da Marinha, também sem o conseguiram, perante a pronta resposta das baterias fiéis ao governo. Ao princípio da noite revoltou-se a guarnição militar de Santarém, sob o comando do Coronel Jaime de Figueiredo, do Regimento de Artilharia 3, coadjuvado em seguida por Álvaro de Castro, Cunha Leal, António Granjo, Couceiro da Costa e a que se juntaram forças de infantaria e cavalaria. A Câmara Municipal foi tomada pelos revoltosos e criada uma Junta Militar.



A resistência de Santarém, era importante para o governo e à sua sobrevivência, pelo que para organizar a sua defesa foi a cidade transformada num autêntico recinto muralhado.



A PARTICIPAÇÃO DA TROPA DE ALCOBAÇA



A 11 de Janeiro, civis armados, auxiliados por oficiais, tomaram o Quartel de Artilharia 1, instalado na Ala do Mosteiro de Alcobaça que hoje está ocupada pelo Lar Residencial de Alcobaça, prenderam alguns oficiais e seguiram mais tarde para Santarém. Nessa noite no Hotel Central, sobre o actual Café Trindade, no local aonde funcionou durante anos o PSD, um oficial de Artilharia 1, afecto ao governo, apercebeu-se de um desusado movimento de civis, nas proximidades do quartel. Então ainda gritou à sentinela, postada na Porta de Armas: Alerta sentinela que os civis querem assaltar o quartel. Segundo Artur Faria Borda, que nos contou este e outros episódios, dois civis de imediato entraram no Hotel Central e prenderam o referido oficial.



A 13 de Janeiro, ao fim da manhã, a tropa de Infantaria 7 de Leiria, comandada pelo Alferes Lavoura, fiel ao governo, entrou em Alcobaça, para repôr a ordem, tendo sido recebida com bastante hostilidade e alguns tiros de civis isolados, que se postavam ao longo do caminho e no alto da Senhora da Paz, acabando por tomar posse da Vila e feito cerca de 70 prisões.



Raimundo Natividade Ferreira, de 33 anos, proprietário, residente nos Moleanos, que seguia por acaso atrás da força militar que vinha de Leiria para Alcobaça e que ao chegar ao sítio da Roda foi atacada por um grupo de civis que fizeram fogo, veio a ser atingido por uma bala na região lombar. Tendo sido transportado de urgência e de automóvel para o Hospital de S. José, em Lisboa, aí foi tratado e recolheu a um quarto particular.



Por parte da força de Leiria e de alguns elementos do Quartel de Alcobaça afectos ao governo, houve abusos, violações de domicílio, buscas arbitrárias e prisões, o que originou um ambiente de terror, culminando com atentados a tiro e a morte de Silvino dos Santos Carvalho, conceituado comerciante, monárquico, que não acatou pronta e devidamente com outros que o acompanhavam o recolher obrigatório, em vigor na Vila de Alcobaça, após as 20 horas. Carvalho foi baleado mortalmente quando, com mais três alcobacenses, passava em frente à actual Farmácia Campeão.



Também para o Hospital de S. José, em Lisboa, tendo dado entrada na enfermaria de Santo António, foram levados o funileiro João Domingos, residente na Rua D. Pedro IV e o jornaleiro José Gomes, da Rua do Castelo, que foram atingidos a tiro quando passavam à porta do Quartel.



Entre o 48 presos que a 15 de Janeiro foram em magote num camião para Leiria, há a referir o Juiz de Direito da Comarca de Alcobaça Dr. Alfredo Augusto da Fonseca Aragão, Joaquim Belo Marques da Silveira, Carlos Pereira Campeão, Tomás Gonçalves Marques, Sebastião dos Santos Vazão e Manuel Ferreira da Bernarda.



Em Santarém, para onde tinha ido a Bateria de Artilharia de Alcobaça, as forças governamentais bombardearam no dia 14 de Janeiro os revoltosos que, em diversas escaramuças e graças ao seu empenhamento e bravura, tiveram 12 mortos e muitos feridos.



Os habitantes de Santarém, desprevenidos e pouco motivados para uma luta deste tipo, afinal uma guerra civil, trataram de se pôr à margem dos combates e do conflito, o qual veio na prática a terminar no dia 15 de Janeiro com a rendição dos revoltosos.



Nessa data, a cidade estava completamente cercada por forças afectas ao governo de Lisboa. Paradoxalmente, e para apoiar este, haviam também chegado forças da Junta Militar do Norte, reputadas de pró-monárquicas, desejosas de tentarem a sorte e o sucesso da sua causa, aproveitando o movimento em curso.



Santarém não podia resistir a tanta pressão, pelo que os chefes revoltosos renderam-se formalmente a 17 de Janeiro.



No dia seguinte, o Coronel Silva Ramos, que comandara as tropas da Junta Militar do Norte, a que presidia, e que apoiara as governamentais, ainda tentou tirar partido da maré para um acordo com vista à restauração da monarquia.



Os acontecimentos de Santarém foram seguidos apaixonada e atentamente pelo País e governo que, a propósito, ia emitindo notas oficiosas distribuídas à imprensa.



Vejamos algumas com interesse para Alcobaça.



14 de Janeiro de 1919-



NOTA OFICIOSA



As alterações da ordem que se produziram em Coimbra, Alcobaça, Caldas da Rainha, foram prontamente sufocadas pelas forças fiéis ao Governo. O movimento insurreccional produzido no Distrito de Santarém, está localizado na cidade e esta cercada pelas colunas que o governo mandou marchar de Lisboa, Évora, Coimbra, Porto e que vão operar em conjunto. No resto do País o sossego é completo, sendo destituídos de fundamento todos os boatos que no sentido de encorajar os revoltosos têm sido espalhados pelos seus cúmplices.



15 de Janeiro de 1919-



NOTA OFICIOSA



Leiria: Em Alcobaça e Valado está restabelecida a ordem. No sul do Distrito completo sossego.



17 de Janeiro de 1919-



NOTA OFICIOSA



As tropas leais ao governo ocuparam Santarém desde esta manhã. O Sr. Coronel Andrade Velez que era quem comandava as operações militares do sul assumiu o comando militar de Santarém. Foram organizadas colunas volantes para a captura dos revoltosos que não foram presos por andarem a monte. O serviço de comboios na linha do norte fica hoje normalizado.



A história não é feita apenas de quadros grandiloquentes, mas também de alguns extremamente pitorescos.



Foi o que sucedeu com dois indivíduos, tidos por anarquistas, que pretendiam, ao que se dizia em Santarém, expedir um telegrama com falsas informações sobre o movimento de tropas, pelo que foram presos e levados sob escolta para a Escola de Artilharia de Vendas Novas e depois Lisboa.



Foram ainda presos cerca de 30 oficiais do Exército e muitos sargentos, tendo-se ignorado durante algum tempo o paradeiro de Cunha Leal e Álvaro de Castro, que conseguiram evitar a detenção pondo-se a monte.



Por estes dias, um 1º Sargento de Infantaria 18 do Porto, que se encontrava em Santarém, ao lado do Governo, encarregou um soldado de ir trocar uma nota de 50$00. Este militar, depois de ter percorrido vários locais da cidade e entrado sem sucesso em mais que um estabelecimento comercial, dirigiu-se à camisaria de Júlio Neves, respeitável comerciante, aonde conseguiu o troco. Limitando-se a verificar se o dinheiro estava certo, encaminhou-se de regresso ao quartel tendo feito a entrega do dinheiro ao sargento, na presença de um oficial. Constatou aquele, ao proceder à verificação, que numa das notas de 50 centavos estava escrito à mão Viva Afonso Costa morra Sidónio Pais. Possuído de indignação, o sargento mandou de imediato alguns soldados ir buscar sob prisão o camiseiro Neves, que não soube explicar a proveniência da nota, com o argumento que a recebera sem reparar se trazia alguma coisa escrita. Apesar de explicação não ser muito convincente, acabou o homem por ser mandado em paz.



Os acontecimentos de Santarém, que estamos descrevendo, tiveram grande repercussão em vários pontos do País, alterando o modo de vida das populações e dos serviços. Assim, veio a ser publicado um decreto, em 20 de Janeiro, pela pasta da Justiça, prorrogando por duas audiências, nas comarcas de Abrantes, Alcobaça, Alenquer, Benavente, Caldas da Rainha, Cartaxo, Coruche, Covilhã, Santarém, Golegã, Lourinhã, Mação, Porto de Mós, Tomar, Torres Novas, Torres Vedras e Vila Nova de Ourém, para os serviços a efectuar em audiências e por 5 dias nos demais casos, os prazos judiciais de qualquer natureza que estando a correr de 10 a 16 deviam terminar de 10 a 17. Também as letras vencidas de 10 a 17 de Janeiro podiam ser protestadas até ao dia 20 de Janeiro.



A MONARQUIA DO NORTE E ALCOBAÇA

Sufocada a revolta de Santarém, como ficou conhecida para a história, poucos dias depois rebentou no norte da País um novo pronunciamento, agora da responsabilidade da Junta Militar do Norte, que alastrou rapidamente do Porto a Braga, Bragança, Régua, Lamego, Arouca, Ovar, Estarreja, Viseu, Viana do Castelo, com excepção de Chaves. A Monarquia do Norte, como foi chamada, chegou a formar governo presidido por Paiva Couceiro, anunciado à varanda do Governo Civil do Porto, à boa maneira do 5 de Outubro, fazer leis e emitir moeda. Em 19 de Janeiro proclamou a restauração da monarquia na pessoa de D. Manuel II, bem como o Hino da Carta e a Bandeira Nacional, azul e branca. A Monarquia do Norte não foi encarada pelos seus chefes como uma revolta, é a tradição que se reata, o passado que ressurge.



Na madrugada de 22 de Janeiro, os monárquicos sob o comando da Aires Ornelas, lugar-tenente de D. Manuel II, revoltaram-se e ocuparam a Serra de Monsanto, em Lisboa, tendo chegado também a hastear a bandeira azul e branca.



Em face destes acontecimentos, veio o governo de Tamagnini Barbosa a ter ao seu lado os sublevados de Santarém e outros, que esquecendo as divergências e os agravos se uniram na defesa da República. Após a vitória de Monsanto, foram soltos todos os presos de Santarém e os de Alcobaça, voltando para casa os que andavam foragidos.



No rescaldo do movimento de Santarém, a disposição relativa das partes fora bem diferente. Ainda nos dias 17 e 18 de Janeiro, houve de facto diversas reuniões entre os Ministros da Guerra e da Justiça, sobre a redacção de uma proposta de lei para julgamento dos implicados na revolta, procurando o governo conseguir que estes fossem julgados com a maior brevidade possível. Para isso, ia nomear os oficiais encarregados das investigações, bem como a constituição do Tribunal Militar para os julgar no prazo de um mês. A ideia do governo, por essa altura, era aplicar aos oficiais revoltosos a pena disciplinar de separação do serviço, independentemente da que lhes fosse aplicada pelos tribunais.



Para combater a Monarquia do Norte ou Reino da Traulitânea, em alusão aos maus tratos inflingidos aos presos e às perseguições desencadeadas, saiu mais uma vez, com abnegação, a Bateria da Artilharia de Alcobaça, como já o fizera para Santarém, acompanhada de alguns civis armados



Segunda reza a história, e a memória do povo da Vila de Alcobaça, a Bateria de Artilharia 1, portou-se bem e com brio contra os trauliteiros do norte.



Entre os alcobacenses que combateram a Monarquia do Norte há a destacar o Alferes Manuel dos Santos Pimenta, João Vila Nova, Serafim Amaral e Heitor Cardoso, que, embora muito afectados pelos acontecimentos, regressaram salvos a casa e à terra, onde foram devidamente homenageados pela autarquia.



Segundo a imprensa diária da época, em Alcobaça a população republicana desta vila está a acompanhar com vivo interesse o desenrolar dos acontecimentos a norte, desejando que eles tenham o melhor desfecho possível a bem do regimen. A guarnição militar de Alcobaça, composta de um Regimento de Artilharia 1 e de uma diligência de Infantaria 7 também se encontra absolutamente ao lado da República, o que já há dias foi anunciado ao Ministério da Guerra pelo Coronel de Cavalaria Sr. Carvalho da Costa, Comandante Militar da Vila.



Foi verdadeiramente imponente a recepção que o povo de Alcobaça dispensou à Bateria de Artilharia 1, sob o comando do Alferes Pimenta, depois da participação no movimento de Santarém e contra os monárquicos do norte.



Apesar da chuva de Março, que por vezes caía com abundância, centenas de pessoas e a Filarmónica da Maiorga, aguardavam na Vila os militares, enquanto outras os foram esperar à estação de caminho de ferro de Valado de Frades. Na Câmara Municipal, sita na ala norte do Mosteiro, Fernando Alípio Carneiro de Sá produziu uma alocução arrebatadora que mereceu vivos aplausos dos que ocupavam totalmente a Sala das Sessões bem como, mais abaixo, as arcadas. Responderam, a agradecer, o Alferes Pimenta e o 2º Sargento Automobilista Ferreira da Silva que emocionaram os presentes com afirmações de inflamado republicanismo. No Hotel Comércio, à noite, teve lugar um copo de água em honra do comandante e sargentos da Bateria de Artilharia.



Eram bastante populares na Vila de Alcobaça, os Alferes Pimenta e o 2º Sargento Ferreira da Silva. Tanto assim que, dias depois, no Teatro Alcobacense, os republicanos procederam à entrega ao Alferes Pimenta de uma espada de honra. Esta espada, que se encontrou em exposição numa vitrina do estabelecimento comercial de António Couto da Silva, tinha gravado, ao longo da lâmina, a seguinte dedicatória:



Ao Digníssimo Alferes de Artilharia nº1, Sr. Manuel dos Santos Pimenta. Homenagem do maior apreço e estima do povo republicano de Alcobaça.



11-1-1919.



Além da espada, foi entregue ao Alferes Pimenta um sitk, puro cavalo marinho, com aplicações em prata, adquirido por subscrição aberta entre as mulheres republicanas de Alcobaça. Vieram assistir à cerimónia, várias figuras de destaque da República, como Cunha Leal e Ramada Curto.



Cunha Leal, tinha ficado muito afectivamente ligado a Alcobaça. No Domingo anterior estivera de visita à Vila. Ao chegar a Valado de Frades, era aguardado pela Filarmónica da Maiorga e por muitos republicanos que o acompanharam até ao Hotel Pinheiro, aonde ficou alojado.



O Alferes Pimenta era pessoa afável e modesta, que não reclamava exclusivamente para si os louros correspondentes à actuação da Bateria de Artilharia, que comandou. Tanto assim que não se cansava de dizer, em toda a parte, que o pessoal da Bateria, com quem saiu para Santarém e depois contra os trauliteiros do norte se portou com enorme espírito de sacrifício, muito amor à Pátria e à República. O Alferes Pimenta chegou mais tarde a ajudante do Ministro da Guerra.



O 2º sargento Ferreira da Silva, sócio de uma importante casa comercial de Alcobaça, após os acontecimentos de Santarém, foi preso e levado para Monsanto de onde saiu, ao fim de dias, para combater a Monarquia do Norte.



Nas devidas proporções e à sua medida, Alcobaça era um baluarte da República. Logo após a derrota de Paiva Couceiro, Augusto Jorge promoveu uma sessão solene de júbilo pelo afundamento para todo o sempre das monarquias couceiristas e ladras.



Alcobaça delirou ainda quando teve conhecimento do Enterro da Senhora Monarquia, realizado no Porto. Segundo o correspondente no Porto da Semana Alcobacense, o préstito saiu do Monte Peral e nele se fizeram representar diversas figuras da monarquia em “travesti”. Não faltaram as comunidades religiosas, os tocheiros, o andor da Senhora Morta, a banda de música executando tétricas e profundas marchas fúnebres. Enfim, uma cavalhada com graça e que despertava no público espectador as mais picantes referências.



A TROPA EM ALCOBAÇA

A tropa em Alcobaça, tinha uma importância política, económica e social muito grande. Não obstante o seu magnífico desempenho em defesa das instituições republicanas, resolveu o governo, por essa altura, retirar de Alcobaça o Regimento de Artilharia 1. O conhecimento desta decisão sobressaltou a população e os comerciantes da terra, independentemente da cor política, pelo que em 17 de Março de 1919 se procedeu a uma reunião para abordar o problema. Aí foi decidido que na terça-feira seguinte, o Administrador do Concelho, levaria em mão uma exposição ao Ministro da Guerra, chamando a atenção para o tradicional e efctivo empenhamento da terra na defesa dos valores republicanos e para a importância da tropa na zona. Dizia textualmente a exposição que Alcobaça confia que V.Exª neste momento não a deixará ficar sem a sede de uma unidade militar de importância não inferior à que agora deslocam. Seja pela intervenção do Administrador do Concelho junto do Ministério da Guerra, seja pela importância da presença militar na zona, o certo é que foi decidido colocar na Vila, em substituição da Artilharia 1, um Regimento de Cavalaria.



O Regimento de Artilharia passou para Évora, embora uma parte tivesse ficado em Vendas Novas. Para o seu lugar veio o Ten. Cor. Manuel Umbelino Correia Guedes, muito conhecido na Vila de Alcobaça e à qual se encontrava ligado por laços familiares.



Verdade seja dita, a tropa em Alcobaça nem sempre foi muito estimada ou reputada pelo aprumo.



Veja-se, por exemplo, o que diz Ramalho Ortigão, nas Farpas, Vol. I, quando num domingo de 1886, visitou Alcobaça e entrou na grande sala que foi a Livraria do Mosteiro, agora ocupada pelos soldados da Cavalaria 9: Uns, deitados de ilharga, dormiam ressonando com a boca entreaberta; outros, de bruços, viravam para o tecto as plantas dos pés nus; mas na maior parte jaziam de costas, os braços cruzados sobre a nuca, olhando para as moscas que zumbiam o espaço ou para os relevos do tecto, de cujo centro sobressaía a imagem de S. Bernardo, envolto no burel, curvado sobre a banca de estudo em que se amontoam os livros, os pergaminhos e os mapas. Estavam quase todos despidos da fardeta e as calças, tinham todos descalçado as botas e patenteavam pelo luxo das peúgas um desprezo tão convicto como pelo da água, que no claustro em frente corria inútil nas piscinas de natação da extinta comunidade. Percorremos a sala de um extremo ao outro, sem que um único soldado se movesse na atitude em que estava - o que dava ao quadro o aspecto solenemente marcial da inutilidade em formatura, da inacção em parada, da mandriice em revista de mostra.



E conclui Ramalho Ortigão, no seu apontamento de viagem:



Decididamente acho que lhes não valeu fazer a revolução de 32. Como base de disciplina civil e de educação pública o exército em Portugal não pegou. A soldados destes acho mil vezes preferíveis os antigos frades.



Obviamente, é necessário dar o devido enquadramento temporal aos textos das Farpas. Seja como for, anos mais tarde, em plena República, muitas eram as queixas formuladas pela população de Alcobaça contra as praças do quartel que assentam arraiais no Arco de Claraval, onde passam o tempo a intrometer-se com as criadas de servir que iam às compras.



O Regimento de Artilharia 1, no seu conjunto, não deixou grandes saudades em Alcobaça. É verdade que no Regimento não faltaram, como já vimos, elementos de grande respeitabilidade, abnegação e fervor pelas instituições republicanas. Doutro modo, não teriam concorrido tão prontamente com uma Bateria para o Movimento de Santarém e depois para combater a Monarquia do Norte. Mas havia outros aquartelados que em nada se identificavam com o regime. Nunca os republicanos de Alcobaça se esqueceram que foram militares de Artilharia 1 que assaltaram e destruiram o Centro Democrático de Alcobaça, existente na Ala Norte do Mosteiro e se apropriaram dos bens aí existentes, bem como praticaram desacatos, ajudaram a prender, a vexar, e a arrombar casas, devassando-as. O Centro Democrático veio posteriormente a ser instalado no Rossio, em local que corresponde àquele onde foi construído o Hotel-Restaurante Bau e hoje é a Caixa Geral de Depósitos.



Por isso, foi bem recebido, na população e meios políticos, o propósito do Comandante dos Esquadrões de Cavalaria 4 ao agradecer os cumprimentos de boas vindas que lhe foram apresentados, que declarou que se tratava de um Regimento dedicado às instituições políticas do País e que os alcobacenses poderiam estar certos que aquela unidade seria para defender a República e as populações.



GLÓRIA: A TORRE E ESPADA



No ideário e na lembrança dos republicanos, o quixotismo e a bravura da população e da tropa de Alcobaça nos acontecimentos de Janeiro de 1919, relevaram mais que tudo e haveriam de ser recompensados politicamente quando as circunstâncias se alterassem e as forças tivessem outra correlação entre si, o que não demorou muito.



Graças à meritória actuação da tropa e dos habitantes da Vila no Movimento de Santarém, na Monarquia do Norte e na defesa da República, decidiu o Governo da República, sendo Primeiro-Ministro o Dr. Domingos Pereira, que entretanto seria substituído, sob proposta do Ministro da Guerra, em 10 de Maio de 1919, pelo Decreto nº 5.644, atribuir à Vila de Alcobaça a Torre e Espada, a mais alta condecoração portuguesa.



Para entregar a condecoração deslocou-se a Alcobaça, no dia 17 de Maio de 1920, o Presidente da República Dr. António José de Almeida, acompanhado pelo Ministro da Guerra e por Cunha Leal, entre outras personalidades.



O estojo que encerra o colar oferecido à Câmara de Alcobaça, que se encontra hoje em dia guardado e exposto no gabinete do Presidente da Câmara, contém a seguinte dedicatória:



À Vila de Alcobaça, pelo seu heroísmo na defesa das instituições republicanas - 10 de Maio de 1919 - O Governo da República Portuguesa.



Como se disse atrás, António José de Almeida assumira as funções de Chefe de Estado em 5 de Outubro de 1919. Era tribuno ardente, pleno de encanto pessoal, ídolo das massas republicanas, possuidor de uma bela imagem, em que se destacava uma farta cabeleira branca. O seu discurso de posse, é importante para se perceber um pouco da sua personalidade:



Agradeço ao Congresso da República a alta honra que me dispensou, elegendo-me Chefe de Estado. Sou um homem simples e modesto, sem qualidades que o distingam, nem predicados que o imponham. E se fui elevado ao alto cargo em que me encontro, a dignidade que me concederam só pode ser atribuída à benevolência de quem me elegeu e porventura ainda à circunstância de o Congresso querer mostrar que não se esquecia da minha dedicação à causa pública e da persistência convicta, inalterável e tenaz, com que, nesta Casa do Parlamento, defendi sem desfalecimentos, e nas condições mais variadas, a legítima causa dos Aliados, a que sempre considerei indissoluvelmente ligada a nossa sorte de povo livre. (...) O Congresso deliberou escolher-me para uma República Parlamentar, em que o Chefe de Estado se deve considerar alheio a todas as lutas e paixões, presidir ao destino da Nação, a q ue se condicionam todos os destinos partidários. Este facto, que não deve ser olvidado, significa que a República Portuguesa está na resolução de pôr, acima dos interesses de grupo, os interesses genéricos da Pátria, e que só passageira e superficialmente se deixará impressionar pela modalidade técnica da política dos homens, para apenas ter em conta a superior expressão do seu patriotismo, contando que eles sejam merecedores, pela sua lealdade, da confiança com que os homens as honram. Mais ainda que o galardão que me conferiu, eu agradeço ao Congresso a segurança que atribui ao meu carácter e à certeza antecipada que se criou e que eu, no alto cargo a que ascendo, serei imparcial e sereno, sem outra paixão que não seja o engrandecimento da pátria e sem outro sentimento que não seja o amor à República.



Por sua vez Cunha Leal, nestes anos bem conturbados, parecia ser também pessoa especialmente vocacionada para os negócios de Estado, ao mais alto nível. Todavia, como muito justamente foi qualificado, era um opositor nato e apaixonado, o que lhe retirava credibilidade e aceitação para desempenhar com permanência funções mais destacadas.



A deslocação do Presidente da República a Alcobaça ficara assente após os vereadores João Ferreira da Silva e José Magalhães o terem ido convidar a Lisboa. A título de curiosidade, diga-se, não foi esta a primeira visita de um Presidente da República a Alcobaça. Teófilo de Braga, veio a Alcobaça em 26 de Setembro de 1915 inaugurar a Exposição de Frutas, Flores e Plantas Ornamentais, que se realizou no Claustro de D. Dinis. Esteve presente a Banda da Armada e à noite, no claustro, realizou-se uma festa de arte, durante a qual Manuel Vieira Natividade proferiu uma conferência sob o título Poesia dos Frutos.



A recepção a António José de Almeida foi notável. Artur Faria Borda ainda se recorda dela.



A comitiva veio de Lisboa, em comboio, até à Estação do Valado de Frades. Eram cerca de 14 horas do dia 17 de Maio de 1920 quando, à entrada da Vila, do lado de Valado de Frades, estoiraram três morteiros, anunciando a presença do Chefe de Estado. Em todas as ruas de percurso havia mastros com bandeiras e as janelas das casas encontravam-se enfeitadas com ricas e formosas colchas. Na ampla Praça do Município, frente ao Mosteiro, ornamentada com bandeiras das nações aliadas, galhardetes e festões, havia muita gente que aguardava a chegada do Chefe de Estado. Outros espalhavam-se pelas escadarias de acesso à Câmara. As janelas, ornamentadas com magníficas colgaduras, estavam repletas de senhoras. No terreiro, estavam presentes diversas entidades e corporações locais, oficiais e não oficiais, escolas, os Bombeiros Municipais e da Fábrica Fiação e Tecidos de Alcobaça, a Banda do 3º Batalhão da G.N.R. e a Banda de Alcobaça. Povo, muito povo, em suma, uma grande multidão de entusiastas.



O automóvel presidencial e os demais que o acompanhavam, estacionaram frente à Câmara. O Presidente da República desceu, tendo-lhe sido feita de imediato a devida continência, pela força do Regimento de Cavalaria 4 e da G.N.R., cuja banda tocou A Portuguesa. Após os cumprimentos da praxe, os visitantes dirigiram-se pela vasta escadaria da Câmara Municipal que dá acesso à Sala das Sessões. A assistência não poderia ser maior. Tomados os lugares, o Presidente da Câmara João Palha Pinto, dirigiu-se ao Chefe de Estado em nome desta terra cuja fé republicana e a sua palavra persuasiva e arrebatadora ajudara a cimentar.



Uma vibrante salva de palmas apoiou a intervenção, tendo em seguida o Dr. António José de Almeida, vivamente comovido, colocado no estandarte o distintivo da Torre e Espada, o que deu lugar a mais uma estrondosa ovação e ao repicar de sinos. Falou depois, Fernando Alípio Carneiro e Sá, Presidente da Comissão Executiva da Câmara, e que também era o Director da Companhia Fiação e Tecidos de Alcobaça, que explicou como se ficou a dever a concessão do grau de Cavaleiro da Torre e Espada a Alcobaça, salientando que neste caso só é atribuído aos alcobacenses que apoiaram e entraram no Movimento de Santarérm. A propósito traçou o quadro do modo de ser a população alcobacense, onde não existe a febre do luxo ou do jogo mas sim a compreensão bem nítida de que é o íntimo entendimento entre o capital e o trabalho, e a melhor e a maior contribuição de cada um, para a máxima produção em todos os campos da actividade humana. Foi numa terra assim que se educaram os republicanos a que se deve a cooperação no Movimento de Santarém, os quais justificaram com o seu procedimento, a distinção que a esta terra foi concedida pelo Governo da República.



João Lopes Pelaio, procedeu à leitura de uma mensagem que os revolucionários de Janeiro de 1919 resolveram entregar ao Chefe de Estado, e em que se faz a história da ideia republicana em Alcobaça, desde as suas épocas mais remotas, até aos últimos acontecimentos e do quinhão que coube aos alcobacenses em prol da defesa dos seus ideais.



Os discursos terminaram com o do Chefe de Estado, que agradeceu a extraordinária recepção que lhe foi feita e que não julgava possível e, referindo-se concretamente a Alcobaça, enalteceu o amor desta terra pela República, fazendo salientar a justiça da condecoração atribuída e que veio pessoalmente entregar.



Depois da recepção na Câmara teve lugar o almoço no Jardim-Escola, sendo o trajecto feito para lá entre duas alas compactas de povo e no meio de constantes aclamações.



Não conseguimos apurar a ementa do almoço. A imprensa da época não assistiu a ele. Sabemos, porém, que foi abundante e distintamente confeccionado, relevando os vinhos, os doces e as frutas e que foi servido em três mesas, na sala principal do edifício do Jardim-Escola. Aos brindes usaram da palavra, entre outros, o Governador Civil de Leiria, o Presidente da Câmara, os Ministros da Guerra e da Agricultura, o Juiz da Comarca e, finalmente, o Chefe de Estado. Todos se levantaram e assim se conservaram enquanto este falou. Com algum romantismo e vibração, confessou-se altamente sensibilizado pela forma como foi recebido em Alcobaça e saudou na pessoa do Dr. José Emílio Raposo de Magalhães todos aqueles que aqui, pela causa da República, teceram esforços, pedindo a José Magalhães, que estava presente, que transmitisse a seu pai as homenagens que com tanta satisfação e respeito lhe dirigia como Chefe de Estado. Depois de se tirar um retrato de grupo, realizou-se uma visita ao templo do Mosteiro, Quartel do Regimento de Cavalaria 4 e Posto Agrário.



Na Sala dos Reis, aguardando a visita do Dr. António José de Almeida, encontrava-se muita gente. Artur Faria Borda, então com doze anos, segundo nos contou, explicava a alguns presentes a Lenda da Fundação do Mosteiro, seguindo os painéis existentes. Foi então que o Presidente da República se destacou da comitiva e, dirigindo-se a ele, o cumprimentou afavelmente dizendo adeus amigo.



Aproximava-se a hora do regresso do comboio a Lisboa. Os automóveis puseram-se em marcha, com o Esquadrão de Cavalaria 4 a tomar o seu lugar, enquanto a multidão, que não arredou pé, mais uma vez vitoriava o Presidente da República.



O BRAZÃO DE ALCOBAÇA



Alcobaça não tinha Brazão ou Selo de Município.



Como faziam muitas outras cidades ou vilas do País, através da Câmara Municipal manifestou o desejo de criar o seu Brazão, pelo que se resolveu contactar para o efeito a Associação dos Arqueólogos de Lisboa, nos termos seguintes:



Alcobaça, 17 de Julho de 1922



À Exmª Associação dos Arqueólogos



LISBOA



Em nome da Comissão Executiva desta Câmara Municipal, venho solicitar a V.Exªs se dignem ver se o desenho que junto envio está ou não em harmonia com as regras heráldicas, para o efeito de servir de brazão à vila de Alcobaça. Deseja esta Câmara Municipal fazer com que uma terra de certa importância, como é a sede deste Concelho e para mais com um nome histórico feito por motivo do seu velho convento dos Bernardos, possua também o seu brazão, e daí ter encarregado um artista amador de elaborar o desenho junto que, para a devida apreciação e aprovação, temos a honra de trazer ao conhecimento de V.Exªs. Contando com a melhor colaboração de V.Exªs na realização mais perfeita dos desejos que a este respeito nos animam, vos desejo Saúde e Fraternidade.



O Vice-Presidente



a)-Leonardo Taveira Pinto



Recebido este ofício na Secção de Heráldica da Associação dos Arqueólogos, foi nomeado relator do parecer, que veio a ser aprovado em sessão de 22 de Dezembro de 1922 da mesma secção, Afonso Dornelas, vogal da Secção de Heráldica e Genealogia daquela Associação.



A proposta para a criação de Brazão de Alcobaça, da responsabilidade de Afonso Dornelas, é do seguinte teor:



-vermelho, com uma torre de ouro assente num contra-chefe ondado de prata, carregado de duas Ribeiras em Azul. A torre acompanhada de dois crescentes de ouro, um em cada flanco. Chefe cozido de azul carregado de três flores de liz de ouro.



- escudo cercado pelo colar da Ordem Militar de Torre e Espada, do Valor Lealdade e Mérito.



- Bandeira, medindo um metro por um lado, não se incluindo o espaço das presilhas em que entra a haste, deve ser amarela cor de ouro, por ser peça principal do brazão.



Para fundamentar aqula proposta, Afonso Dornelas teve em conta várias questões relevantes para a história de Alcobaça.



É pois o Mosteiro de Alcobaça um monumento da maior tradição histórica e a sua fundação o primeiro acto da grande valor para a fundação da Nação Portuguesa. No Brazão de Alcobaça deve, portanto, existir alguma coisa que defina bem tal circunstância e, assim coloquem-se-lhe três flores de lis de ouro num chefe azul, como elementos extraídos da Ordem de S. Bernardo que também os adoptou por constituírem as armas de França, donde era natural e onde fundou a sua Ordem. Ficam, portanto, representados no brazão de Alcobaça, o castelo e os crescentes, como representantes da sua existência quando foi incorporada no território português; as flores de lis, representando a sua importância na História Geral de Portugal; sendo mais necessário que alguma coisa indique o valor da sua vida de facto e, assim, na base do Castelo, colocaremos os dois rios que se chamam Alcoa e Baça e que se juntam na vila, e são partes do seu nome, que evidentemente foi dividido para dar os nomes aos rios e não o contrário, como muitos dizem. O Alcoa e o Baça são a alma viva daquelas regiões. A indústria e a agricultura, tão desenvolvidas em Alcobaça, tudo devem aqueles rios; portanto o Brazão de Alcobaça, assim constituído, demonstra a vida e a histórias dessa antiquíssima vila de tão curiosas e históricas tradições. As peças principais do brazão, são de ouro, portanto deve ser desta cor a sua bandeira, como de ouro e a sua história.



E Afonso Dornelas termina:



Foi Alcobaça agraciada com a Ordem Militar da Torre e Espada do Valor Lealdade e Mérito, pelo Decreto nº 5.664, de 10 de Maio de 1919; portanto, o brazão deve ser circundado pelo colar da mesma ordem.



Na verdade, e recordando, vemos que o Decreto nº 5.664 é do seguinte teor:



Tendo-se as cidades de Porto, Coimbra, Santarém, Évora e Bragança e as vilas de Alcobaça e Caldas da Rainha, tornado dignas de ser galardoadas pelo heroísmo, civismo e amor que manifestaram em sustentar a integridade das Instituições Republicanas quando estas correram perigo de ser subvertidas pela acção proeminente que monárquicos tinham dentro da República; hei por bem decretar, sob proposta do Ministro da Guerra e nos termos da alínea g), do artº 2º. do decreto 5.030, de 1 de Dezembro de 1918, modificado pelo decreto nº. 5.246, de 8 de Março de 1919, o seguinte:



Artigo único: É conferido às cidades de Porto, Coimbra, Santarém, Évora e Bragança, o grau de Oficial e às vilas de Alcobaça e Caldas da Rainha o grau de Cavaleiro da Ordem de Torre e Espada do Valor, Lealdade e Mérito.



O Ministro da Guerra, o faça publicar. Paços do Governo da República, 10 de Maio de 1919. - João de Canto e Castro Silva Antunes-António Maria Batista.



NOTA FINAL



Desejada e saudada em Alcobaça e por quase todo o País como remédio para os males da Pátria, a República iria viver até ao fim num clima de instabilidade e frustração colectivas, que nem estas suadas vitórias ajudaram a ultrapassar. Os partidos perdiam prestígio, tal como a classe política, a agitação e o descontentamento social, fruto da crise económica, não abrandavam. As instituições demoravam a consolidar-se e a paciência já não abundava. Nem tudo, porém, foram factos negativos. No domínio cultural, é bom não o esquecer, a liberdade potenciada pela República trouxe alguns bons frutos que o País tanto carenciava.



Com zonas claras ou escuras, o certo é que a República impregnou forte e definitivamente o imaginário democrático e laico dos portugueses, que 90 anos depois da sua implantação, sem nela se reverem de todo, mantêm alguns dos seus símbolos.

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