terça-feira, 1 de junho de 2010

-O PODER LOCAL FAZ TRINTA ANOS

-EM ALCOBAÇA TAMBÉM
-AS PRIMEIRAS ELEIÇÕES AUTÁRQUICAS EM DEMOCRACIA
-VASCO DA GAMA FERNANDES, MIGUEL GUERRA, GONÇALVES SAPINHO E FLEMING DE OLIVEIRA, entre muitos outros
(2006)


Em 25 de Abril de 1974, o Estado Novo, instaurado por Salazar, mas personalizado após Setembro de 1968 por Marcelo Caetano, ruiu sem resistir às mãos do MFA.

Nenhuma acção de cariz popular, nenhuma iniciativa de organizações afectas ao regime, ou mesmo a direita salazarista, aliás muito crítica de Caetano, se pôs em movimento para o defender. Subitamente, como um castelo de cartas, caiu um regime com mais de 40 anos, sem que alguém viesse na sua defesa, ainda que tão só da honra. As forças militares que, numa primeira fase cumpriram ordens dos comandos, mal puderam, passaram-se para o MFA.

Uma das manifestações mais vivas do espírito revolucionário do 25 de Abril foi, certamente, o assalto às câmaras municipais e às juntas de freguesia.
As novas autoridades políticas, anularam toda a máquina da administração local, ou melhor, todo o pessoal que a mantinha, e, naturalmente, os governadores civis, que a tutelavam. Sem mexer nas estruturas, importava dominá-las sistematicamente à sombra de um Código Administrativo concebido para outra política.
Dessa mudança se encarregou, mais ou menos por todo o País (mais em rigor no continente) o MDP/CDE, em geral apoiado no PCP e mesmo no PS. (cfr. H. Barrilaro Ruas ”O Poder Local”, in Portugal 20 anos de Democracia, Lisboa, 1994)
Já referi e publiquei, noutro local, alguns exemplos como se configurou o assalto às autarquias, muito concretamente no caso de Alcobaça (cfr. minhas Notas sobre os Tempos e do PREC em Alcobaça,, publicadas neste site).

O Título VIII, da C.R.P., promulgada em 2 de Abril de 1976, consagrou as autarquias locais como pessoas colectivas territoriais dotadas de órgãos representativos, que visam a prossecução de interesses próprios das populações respectivas. (cfr. artº 237º. da C.R.P.).

Daqui decorre que as autarquias locais são (passaram a ser) formas autónomas de administração e não qualquer extensão da administração (ainda que indirecta) do Estado. O Código Administrativo estipulava que os Presidentes de Câmaras eram magistrados administrativos que representavam o Estado no território do município. As autarquias e respectivos órgãos passaram a ser um elemento autónomo da estrutura do poder político, a dispor de garantias institucionais, estando vedado auto extinguir-se ou estabelecer acordos de fusão ou incorporação.

A reivindicação descentralizadora que surgiu na ruptura com o regime corporativo, veio a ter consagração na Lei Fundamental, que remeteu as atribuições e competências das autarquias para legislação específica, que precisou que deveria ter sempre em atenção a harmonia com a descentralização administrativa (cfr. artº 239º. da C.R.P.). Esta disposição inovadora, assumiu capital importância e nunca sofreu alterações.
Os resultados das primeiras eleições autárquicas há cerca de 30 anos, traduziram em geral a implantação social das diversas forças políticas concorrentes.

O PPD, mostrou-se implantado no centro do País, muito concretamente no Distrito de Leiria, mas em Alcobaça, o candidato do PS à Câmara (Miguel Guerra, presidente da C.A. da C.M.A.) venceu o do PPD (Fleming de Oliveira) por mil e tal votos, enquanto que o candidato do PS à Assembleia Municipal (Vasco da Gama Fernandes) teve mais votos que o do PPD (Gonçalves Sapinho).

Apesar de ser geralmente aceite que o Poder Local foi uma das grandes conquistas do 25 de Abril, e que foi através das autarquias que o País mais se desenvolveu, essa circunstância não impediu que, precisamente neste ano em que se comemoram os seus 30 anos de existência, fosse lançada em várias frentes uma contundente campanha, contra os autarcas em geral.
É fácil de aceitar, que em mais de um milhar de eleitos locais em exercício de funções por todo o País, haverá uns quantos que não reúnem as características, capacidades ou qualidades exigíveis para desempenharem cargos de tal responsabilidade, exigência, e pressão. Mas ao mesmo tempo, por questão de princípio, recuso a ideia da desconfiança generalizada, como parece decorrer do discurso de alguns comentadores ou graças de revista, que todos os autarcas são corruptos, compadres, incompetentes, esbanjadores e abusadores, como um Jardim, Valentim ou Isaltino.




O nosso sistema de Poder Local criado e instalado em 1976 com as primeiras eleições demonstrou, em termos genéricos, estar ajustado e responder às necessidades dos concelhos e às principais solicitações dos respectivos habitantes, bem como às regras de funcionamento da democracia representativa.
Ao invés do que está acontecer, não é a lançar ataques indiscriminados e aligeirados contra os responsáveis políticos do poder autárquico, com base em acusações por vezes infundamentadas, que se poderá desejavelmente corrigir e melhorar a nossa Administração Local.

Algumas questões relevantes carecem de definição, como a de se saber se continuaremos a ter como base um modelo centralista, administrativamente tutelado pelo Governo ou se se respeita e avança decididamente no princípio da autonomia do Poder Local e em consequência, se reforçam de forma significativa e definitiva as competências autárquicas, assumindo-se o uma governação local de modelo descentralizado.
As câmaras municipais, muito especialmente, e as juntas de freguesia não podem ficar limitadas a meras prestadoras de serviços administrativos e operacionais, em áreas básicas e deverão outrossim assumir uma intervenção determinante e pró-activa em todos os sectores da governação e do desenvolvimento local.

Para que tal venha a acontecer, é indispensável que ocorra uma verdadeira descentralização de competências, municipalização de novos serviços de cariz local ou intermunicipal, acompanhada dos respectivos meios técnicos e financeiros, como o Ministro António Costa tem discursado, e não apenas uma desconcentração de tarefas burocráticas, como flúi da nova Lei das Finanças Locais, a pretexto da crise económica e do controlo orçamental.
Outro problema que ao longo destes últimos 30 anos tem agravado e agudizado a tensão à volta da gestão autárquica, e que por isso urge resolver como tenho constatado, é o de vasta, complexa, desadequada, desactualizada legislação, por vezes contraditória.
Na origem disto, radica a atitude de suspeição e desconfiança que as instituições e organismos da Administração Central nutrem tradicionalmente em relação à Local e que assume relevância na gestão do território e no regime das obras públicas.
Correlacionado vem a, alegada pelos autarcas,pesada fiscalização dos actos de gestão, em geral limitada a aspectos formais, ignorando a análise e avaliação do mérito, da eficácia e da eficiência das decisões.

Um dos maiores desafios que se colocam ao Poder Local, é o da participação dos cidadãos na gestão municipal.
As dificuldades são óbvias, pois não existe tradição, nem cultura de participação da população e instituições, como também não foram criados os mecanismos, os instrumentos e as condições para que ela se processe com simplicidade e facilidade.
O sistema de democracia representativa, conjugado com factores como a perda do sentido colectivo na procura do bem da comunidade, traduz-se não no alheamento da população face à actividade socio-política mas na adopção de uma atitude individualista de reivindicação da resolução prioritária dos problemas em detrimento dos comuns e de desresponsabilização colectiva relativamente às decisões.
Por outro lado, existem autarcas, sobretudo os que estão há mais tempo nos cargos, que enveredam pelo exercício solitário e paternalista do poder.
Para que tenhamos uma democracia de qualidade neste século XXI é, necessário combinar a representação com a participação efectiva. Trinta anos decorridos sobre o 12 de Dezembro de 1976, está na hora de renovar o Poder Local.




No passado dia 12 de Dezembro deste ano(2006) realizaram-se cerimónias comemorativas do aniversário da realização, três décadas antes, das primeiras eleições autárquicas pós 25 de Abril.
Cavaco Silva, veio louvar a proximidade do poder local, como uma das mais elevadas manifestações do ideal democrático, ao afirmar que o balanço destes anos é positivo, mas sem deixar de reclamar aos autarcas a assunção de novos desafios.
O Presidente, não se limitou aos efeitos do betão, nem sempre útil, ou no populismo ligado a interesses inconfessáveis. A sua principal intenção, foi apelar à credibilização do sistema, envolto em fumos de suspeitas, exigindo uma prática mais rigorosa, em termos de referências a conteúdos ético-políticos.
Cavaco foi simpático no balanço do progresso obtido nas infraestruturas construídas e na ligação à comunidade, com uma ressalva. Tendo passado o tempo de obras imponentes por si, vem o de obras menos espectaculares, mas não menos importantes, secundando uma ideia do governo no envolvimento progressivo dos autarcas através da descentralização de sectores, como a educação, saúde e acção social, num esforço de complementarização entre o poder central e local. Mas que esta estratégia que não seja a cobertura para o governo se libertar de dossiers incómodos. Tudo muito bem, Senhor Presidente! Não basta utilizar meros chavões, que não merecem contestação, tais como os ganhos de produtividade ou serviços mais adequados e próximos das populações. Novas responsabilidades terão de ser acompanhadas do respectivo suporte financeiro, que o poder central tem de colocar à disposição. Mas depois não venha utilizar para não cumprir, o argumento da desconfiança sobre a sua aplicação.

A nível do Município, uma nova lógica de governação vai-se impondo, como expressão de um novo paradigma urbano, menos rural, e seguramente não melhor. É a lógica da alegada pós-modernidade, por uma cultura política numa sociedade complexa e pluridimensional.
Quando se sente no ar um crescente desamor à intervenção política, bom seria que nova legislação ajudasse a eliminar algumas disfunções existentes, de modo a favorecer uma maior, esperançada e mais contínua participação dos cidadãos. Seguramente que regras claras têm de existir, mas continuar a concentrar, de facto, nos partidos políticos, o exercício do poder autárquico, é limitar e arredar do exercício do poder democrático muitos cidadãos empenhados. Se for assim, não passará mais uma geração sem que esta concepção da democracia seja colocada, como tantas outras antes dela, no museu da historicidade política.
Se os cidadãos forem contados e não contarem, a democracia é vulnerável, a democracia é frágil, como disse, de novo e bem entre nós, Federico Mayor Zaragoza.

Trinta anos depois, o poder local em Portugal tornou-se numa incontornável referência. E como tal, sofre as dores de parto de um mundo novo, o mundo de novas cultura política e cidadania participativa.
Tanto para eleitos, como para eleitores. Trinta anos depois, o Município entrou numa idade adulta, onde há menos atenuantes para as falhas. Foi para atingir esta idade que contribuíram apaixonadamente muitos autarcas, desde 12 de Dezembro de 1976. A geração de 1976 a que muito honrosamente pertenço, sem falsas modéstias, soube dignificar a vontade democrática ao pôr a imaginação, inteligência, vontade e destemor ao serviço da república. Alguns já descansam em paz ou estão retirados, envoltos na memória de factos e nos afectos, de que fui testemunha. Esquecendo muitos, lembro alguns desses idos de 1976, como o José Serralheiro, do PSD, e o Vieira Coelho, do PS.
Os demais que me perdoem!

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