terça-feira, 1 de junho de 2010

JULGAMENTO DE SADDAM HUSSEIN, OS CRIMES DE GUERRA E CONTRA A HUMANIDADE (Nuremberga), VISTOS POR UM ADVOGADO DE ALCOBAÇA

Saddam Hussein, no dia 5 de Novembro de 2006, foi condenado à morte por enforcamento, pelo Alto Tribunal Penal que o julgou no Iraque, muito concretamente num processo em que se apreciou a morte de uns quantos xiitas do sul do Iraque. O encerramento deste caso, não retira Saddam Husseein do banco dos réus, pois tem outros processos pendentes em que é acusado de Crimes contra a Humanidade, como a limpeza étnica, pelos quais deverá responder, se entretanto esta sentença, da qual foi interposto recurso, não for cumprida. Fez-se justiça ao tentar punir, pela lei, o horror praticado no exercício do poder absoluto?



Saddam, que na prisão escreve poesia, estava condenado à partida, com ou sem manipulação de provas por parte dos vencedores, sedentos de justiça?



O julgamento de Saddam Hussein correu seus termos num Tribunal Penal Especial Iraquiano. Foi acusado de violação de direitos humanos durante o seu governo, em especial no desenvolvimento da uma tentativa de assassinato, em 1982. Hussein também pode vir a ser condenado por eventos que ocorreram no decurso da sanguinolenta Guerra Irão-Iraque e da Guerra do Golfo, onde se praticaram enormes atrocidades, Crimes de Guerra, Crimes contra a Humanidade e Genocídio. Aí pode também ser condenado à pena capital. Admito que, com o tipo de acusações deduzidas contra este criminoso, ex-aliado dos EUA, deveria ter sido ele encaminhado para um Tribunal Internacional de Justiça, não um tribunal local, onde a vingança e o ódio se entrelaçam indissoluvelmente com a verdade. Ou seja, um tribunal tão imparcial como eventualmente o de Haia, que se preparava para decidir da sorte de Milosevic, não fora este ter morrido antes de ser julgado. Tendo as Nações Unidas tribunais especializados para crimes desta natureza, semelhantes aos de Hitler e outros inimigos da Humanidade, parece pois que seria justificável julgar Saddam num tribunal independente, que não no Iraque.



Em 30 de Junho de 2004, Saddam foi capturado em Bagdad pelas forças dos EUA, juntamente com 11 oficiais e entregue ao governo interino do Iraque, a fim de aguardar julgamento, longe dos meios de comunicação social. Sempre afirmou, continuar a ser o Presidente do Iraque e, assim, exige a restituição dos seus direitos. No início do julgamento, o líder deposto, parecia confiante, provocador e em boa forma nos seus 68 anos e questionou a legitimidade do tribunal, que imputou ter sido instituído exclusivamente para o condenar. Também insultou o Juiz e mandou-o ir para o inferno, ao mesmo tempo que classificou o tribunal como peça de teatro armada por George W. Bush para ganhar as eleições de 2004. Rejeitou enfática, liminar e absolutamente as acusações, pois é tudo um teatro, o criminoso é Bush!!!. Quando o juiz, no início da sessão, lhe pediu que se identificasse, respondeu que você é iraquiano e sabe muito bem quem sou eu, ainda o Presidente da República e a ocupação americana não me pode tirar isso.



Em 5 de Novembro de 2006, um ano e 15 dias após o início do julgamento, Saddam Hussein foi condenado à forca por crimes cometidos durante o regime que comandou durante 24 anos. O ditador foi considerado responsável pelo massacre, em 1982, de 148 xiitas no sul do Iraque, onde sofrera uma suposta, mas nunca realmente comprovada, tentativa de assassinato. Antes da condenação à morte, Saddam havia declarado que a se-lo, preferiria o pelotão de fuzilamento para morrer como militar e não como um criminoso de direito comum, na forca. Para além deste processo, também será julgado, entre o mais, pelo massacre de milhares de curdos no fim dos anos 80, se entretanto não for enforcado.



A sentença, anunciada por um colectivo de 5 juízes, pôs termo a um julgamento marcado pelo assassinato de 3 advogados de defesa, a substituição do juiz presidente, bem como variados adiamentos e interrupções. Vida longa ao nosso povo! Vida longa à Nação Árabe! Morte aos nossos inimigos! Abaixo os espiões!, declarou Saddam que terminou com o dedo em riste proclamando que Deus é grande. Com Saddam foram também condenados à morte pelo mesmo tribunal, o seu meio-irmão e chefe da Polícia Secreta, um alto dignitário que dirigia o Tribunal Revolucionário Iraquiano, a quem competia apreciar e decidir pela execução as pretensas infracções ao regime. O Vice-Presidente de Saddam recebeu a prisão perpétua, três altos dirigentes do partido único, 15 anos de prisão, enquanto que, um outro foi absolvido.



Julgamentos de Criminosos de Guerra, de Crimes contra a Humanidade ou de Genocídio, não são de todo ainda vulgares e decorrem sempre rodeados de emoção e controvérsia. Até que ponto se pode esperar imparcialidade na justiça dos vencedores?



NUREMBERGA



O primeiro grande julgamento deste tipo de crimes ocorreu no Tribunal de Nuremberga, após a capitulação da Alemanha nazi. Na minha crónica do tempo que passa, referente ao ano de 2004 e na sequência da estadia de 15 dias na Alemanha, já abordei de alguma forma esta questão. Nunca tendo sido, fundamentalmente, um advogado penalista, a verdade é que estes assuntos me interessam, não tanto na sua componente de direito penal, mas na sua vertente histórica, cultural e até dramática.



Após a capitulação dos alemães, a 8 de Maio de 1945 e o conhecimento progressivo dos crimes cometidos, os Aliados decidiram concretizar um projecto que vinha amadurecendo, acordando em Agosto de 1945 julgar os principais responsáveis nazis. Assim, em 20 de Novembro de 1945, 24 réus apresentaram-se no Palácio de Justiça de Nuremberga dando início a uma série de julgamentos. O momento foi histórico pois, pela primeira vez, iriam ser julgados, como Criminosos de Guerra, altas individualidades de um país. Este tribunal, foi composto por juízes que representavam as quatro potências vitoriosas, a França, a Grã-Bretanha, os EUA e a URSS. A acusação tinha sido esquematizada durante a guerra, visando essencialmente cobrir os Crimes contra a Paz e Conspiração, muito num enfoque anglo-americano. Os Crimes de Guerra encontravam-se definidos por Leis Internacionais anteriores à Guerra, como a Convenção de Genebra, enquanto que, não existia tipificado em termos de direito internacional, o Crime contra a Humanidade. O Crime conta a Humanidade, preenche-se pela existência de um plano concebido e orientado com a finalidade de eliminar um grupo de indivíduos e concretiza-se pela deportação, execução maciça, raptos, desaparecimentos e tortura, contra uma população civil, por razões de ordem ideológica, racial ou política. O Crime contra a Humanidade só lentamente e a partir daí foi introduzido nas leis nacionais.



Os réus de Nuremberga eram simples executantes? Pelo menos, salvo a excepção de Albert Speer, o arquitecto do Reich e o Ministro da Indústria de Guerra, foi assim que se apresentaram, declarando-se não culpados. Para muitos juristas de nomeada, este foi um progresso do Direito Internacional. Para outros, ao invés, a negação de postulados elementares do direito penal tradicional, como o princípio da legalidade com o efeito retroactivo a um plano de julgamento para incriminação de factos pretéritos, não considerados crimes no momento da sua prática. Entre os réus presentes, destacavam-se o Marechal Hermann Göring, (o mais alto responsável nazi vivo, a segunda personalidade do regime que se encontrava ao corrente de todas as questões de ordem militar e políticas importantes, Reichmarschall, Comandante em Chefe da Luftwaffe, plenipotenciário para o Plano dos quatro anos, promotor dos planos de guerra, da política de agressão e de bombardeamentos aéreos arrasadores de cidades inteiras para tentar submeter os seus habitantes), Rudolf Hess (outrora braço direito de Hitler, que no início da guerra fez o voo solitário pretensamente de paz para a Grã Bretanha, aonde ficou imediatamente preso), Joachim von Ribbentrop (Ministro dos Estrangeiros), Gustav Krupp (industrial do aço), os generais Wilhelm Keitel e Alfred Jodl (da Wermacht), os Almirantes Karl Dönitz (sucessor de Hitler, por dias, até à capitulação) e Eric Raeder, Albert Speer e Fritz Sauckel que controlavam a indústria de guerra e armamento e foram os principais responsáveis pela deportação de trabalhadores e mão-de-obra escrava ao seu serviço. De Novembro de 1945 a Fevereiro de 1946, sucederem-se em Nuremberga as testemunhas de acusação e poucas as de defesa. A partir de Março, a defesa começou a apresentar, as suas testemunhas. Göring, o herdeiro de Hitler, aproveitou sempre a ocasião para glorificar o regime nazi, sendo o único réu a reconhecer as suas responsabilidades, mas a não renegar, nem condenar os crimes pois, o vencedor será sempre o juiz e o derrotado o acusado. Os demais réus negaram a sua responsabilidade directa, invocaram o dever de obediência ao Führer e, muito concretamente os militares, o de apenas executarem ordens, argumento repudiado pelo tribunal nas palavras do juiz Biddle, os indivíduos têm deveres internacionais a cumprir acima dos deveres nacionais que um Estado particular possa impor. A questão da responsabilidade penal foi colocada em termos novos e delicados, quando se tratou não de julgar pessoas, mas organizações como as SS, a Gestapo ou as Forças Armadas. Os quatro procuradores, representantes das potências aliadas, revelaram em breve divergências e algum mal estar recíproco na apreciação das situações. Enquanto os franceses e soviéticos insistem nos Crimes contra a Humanidade, por não esquecerem os vários anos de ocupação e atrocidades, os britânicos e americanos relevavam os Crimes contra a Paz, os Crimes de Guerra e a Guerra de Agressão. O tribunal tentou iludir ou ultrapassar problemas decorrentes da presença da URSS como parte acusadora e culpada de Crimes contra a Humanidade. A memória de bombardeamentos maciços de populações e instalações civis, por parte de aviões britânicos e americanos, foi evocada pela defesa para questionar a capacidade do tribunal para julgar os alemães por crimes que os acusadores também praticaram. Analisando a questão numa perspectiva puramente jurídica, tendo em conta a originalidade do processo, houve dificuldade em distinguir os Crimes de Guerra, dos Crimes contra a Humanidade, não obstante a projecção de filmes sobre os campos de concentração e de extermínio. Quando o julgamento terminou a 1 de Outubro de 1946, os réus foram processados por crimes cometidos após 1937, não se considerando, portanto, o período anterior às anexações e à Guerra de Agressão. Nesse dia, sem apelo nem agravo, foram condenados à morte 12 dos acusados, 3 a prisão perpétua, vários a penas que oscilaram entre 10 e 20 anos de prisão e até alguns absolvidos. Hermann Göring, o Tribunal Militar Interaliado, aqui reunido em Nuremberg, vos condena à pena de morte por enforcamento. A pena não chegou a ser executada, pois Göring suicidou-se na prisão com uma cápsula de cianeto de potássio na noite de 15 para 16 de Outubro de 1946. Von Ribbentrop foi o primeiro a subir os treze degraus do patíbulo e imediatamente antes do alçapão se abrir declarou que Deus salve a Alemanha. Faço votos para que o Leste e o Oeste se irmanem e que a paz possa reinar no mundo. Seguidamente todos os demais condenados foram enforcados. Mesmo morto algumas horas antes, o cadáver de Göring ainda chegou a ser colocado na forca, num assomo de justiça medieval... Os corpos dos condenados foram cremados nos fornos onde milhões de judeus pereceram e as cinzas lançadas ao rio Isar. O julgamento de Nuremberga, que apaixonou a opinião pública e constituiu um marco que ainda perdura (este ano a RTP 2 exibiu uma magnífica série), terminou deixando uma impressão algo amarga ou incómoda. O mundo esperava ver comparecer na barra impiedosos assassinos. Mas a decepção, especialmente em França e na URSS, foi proporcional à expectativa criada. No tribunal, apareceram políticos, quais funcionários zelosos e cobardes, que se refugiaram em geral atrás de noções primárias de obediência e dever, sem assumirem responsabilidades. Ainda hoje, tal como na altura, não é possível compreender as razões que levaram a certo tipo de comportamentos, com horrores nunca vistos, num país que se reclama de uma civilização requintada. O promotor americano, Robert Jackson, apontando para os acusados disse que é difícil imaginar nestes homens encarcerados, o poder que tiveram como chefes nazis, como o qual dominaram e aterrorizaram grande parte do mundo. São eles o símbolo de um nacionalismo e de militarismo ferozes, de intrigas e de guerra que levaram a confusão à Europa, geração após geração, esmagando s seus homens, destruindo os lares e empobrecendo as vidas. (…) Mesmo os povos mais belicosos souberam colocar, em nome da Humanidade, um limite à ferocidade da guerra. (…) Os acusados parecem admirados que exista uma coisa chamada Direito. Quando eram poderosos, não se baseavam em nenhum procedimento jurídico, o seu programa ignorava e desafiava as leis humanas. Direito internacional, direito natural, direito alemão, qualquer que fosse ele, era apenas um meio de propaganda sempre ignorado quando se opunha aos seus desígnios.



O julgamento de Nuremberga foi mesmo superado pelo de Tóquio, que se iniciou a 3 de Maio de 1946 e terminou a 12 de Novembro de 1948, onde dos 28 acusados japoneses, sete foram condenados à morte, e os restantes com excepção de dois, a prisão perpétua.



Ouço muitas vezes, alguns inocentes bem intencionados, perguntar como é possível um advogado honesto defender certos acusados de crimes horrendos. Seguramente nunca seriam capazes de compreender quanto foi dolorosa para os advogados alemães a defesa dos acusados perante o Tribunal de Nuremberga de gravísssimos e inauditos crimes de guerra e contra a humanidade. Advogar perante o tribunal dos vencedores ao lado dos vencidos, constituiu uma tarefa de gigantes, pois a Alemanha estava de joelhos face aos aliados, que instituíram o Tribunal de Nuremberga.



O promotor norte-americano Robert Jackson iniciou a acusação contra os réus, juntando uma avalancha de documentos altamente comprometedores e fazendo uma violenta denúncia da tirania nazi, proclamando que a civilização esperava que a acção dos juízes do Tribunal colocasse as forças do direito internacional, seus preceitos e, acima de tudo, as sanções ao lado da paz, para que homens e mulheres de boa vontade, em todos os países, pudessem ter protecção da lei. a liberdade de viver, sem depender da permissão de ninguém



Depois da entrega das acusações aos réus, a reacção de cada um foi diversa.



Göering como vimos declarou que o vencedor será sempre o juiz e o derrotado o acusado.



Para Streicher, o julgamento foi um triunfo do sionismo internacional.



Frick afirmou que toda a acusação se baseava na suposição de uma conspiração fictícia.



Albert Speer foi complacente com a acusação pois o julgamento é necessário. Há uma responsabilidade comum por crimes tão horríveis, mesmo num sistema autoritário.



Frank também declarou que considero o julgamento como um Tribunal determinado por Deus, destinado a examinar e a pôr fim à terrível era de sofrimento sob o domínio de Hitler.



Jodl lamentou a mistura de acusações justificadas com propaganda política.



Keitel disse que para um soldado, ordens são ordens, enquanto Funk que se sou considerado culpado por erro ou ignorância, então minha culpa é uma tragédia, não um crime.



Bradley Smith registou que nenhuma defesa seria capaz de anular o feito da acometida inicial do Promotor norte-americano, mas, nesse particular, a posição dos advogados alemães era ainda pior que qualquer outra, e tudo o que podiam fazer não passava de uma resistência simbólica.



As autoridades aliadas não haviam tentado encontrar advogados de talento excepcional para os réus, o que conseguiram foi tão só um grupo de advogados aprovados pelo Tribunal. Um réu podia escolher um entre esses advogados ou solicitar aprovação do Tribunal para um nome que ele próprio lembrasse.



Escolhidos, por terem sentimentos antinazis ou se haverem comportado se não com oposição pelo menos sem colaboração em relação ao regime, os advogados de defesa, dispunham de pouca autoridade e não tinham recursos para recolher provas num país em escombros. Também não lhes fora dado tempo razoável para preparar a defesa e, vez por outra, ficavam surpresos com as expeditas inovações processuais utilizadas pelo Tribunal. A defesa foi prejudicada pela prevalência da prova documental face à testemunhal, pois que as provas documentais carreadas pelos aliados eram muitas e importantes.



Logo no início do julgamento, os advogados de defesa aprovaram um declaração segundo a qual o Tribunal violava o antigo princípio de que não pode ser considerado crime, e por ele ninguém punido, a prática de qualquer acto que não tenha sido declarado criminoso por lei já existente aquando de sua realização, na linha da terminologia romana nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege.



A defesa tentou ainda tirar partido de um outro princípio de um estado de direito, tu quoque (isto é, você é outro), considerando que, dentre os crimes denunciados, havia também alguns cometidos pelos aliados (especialmente pelos soviéticos).



Questão importante para os advogados, foi a defesa por parte dos acusados no cumprimento de ordens superiores, e assim, na maioria dos casos, estes poderiam escudar-se (e assim aconteceu) no argumento de que suas ordens obedeciam as directrizes de Hitler, senhor todo poderoso.



Iniciados os depoimentos orais, os advogados alemães sentiram grandes dificuldades no que referente à assimilação das técnicas do contraditório preconizadas pelo Tribunal.



Estavam acostumados a um sistema fundado em maior entendimento entre a defesa, a acusação pública e os juízes. Em Nuremberga, a defesa e os promotores eram inimigos mortais e os advogados alemães não logravam fugir à impressão de que os outros os tinham na conta de auxiliadores de bandidos. Alguns promotores encaravam com hostilidade não apenas os réus, mas os alemães em geral.



Aos advogados de defesa era recordado implicitamente pelo Tribunal que não eram cidadãos de primeira classe tal como os acusados. Esse sentimento, por outro lado, deve te-los encorajado a identificarem-se mais de perto com acusados.



Nos primeiros dias de funcionamento do Tribunal de Nuremberga, a atmosfera que se abateu sobre os advogados alemães era portanto muito hostil. A defesa iniciou os seus trabalhos, com a do processo contra Hermamm Göring, cujo advogado foi Otto Stahmer.



O clima de animosidade contra os advogados havia melhorado aos poucos pelo que passaram descrer menos do Tribunal, que nos primeiros meses, dera sinais de não ser minimamente imparcial.



Três dias antes de Stahmer tomar a palavra, o ânimo de todos os advogados de defesa fora revigorado, pois o Tribunal repreendera as autoridades de ocupação por permitirem ataques da imprensa aos advogados. Além disso, o Tribunal elogiara os serviços prestados pelos advogados em condições que os juízes entendiam ser extremamente difíceis e notificara, oficialmente, o Comando Militar Aliado na Alemanha de que os advogados de defesa se encontravam sob a protecção do Tribunal e que a Corte não toleraria quaisquer outros ataques públicos ou pela imprensa que lhes fossem dirigidos.



A estrutura da defesa dos advogados alemães consistiu ainda em adoptar uma posição que protegesse a honra do alemão comum e defendesse a reputação do país.



Frustados por não poderem basear-se em argumentos essencialmente jurídicos, em detrimento dos políticos, lutaram por expurgar a Alemanha da mácula da culpa colectiva, no que despenderam, com louvor e admiração pública, um enorme e meritório esforço.



Lorde Kilmuir escreveu nas suas memórias que dois dos advogados, o mais velho e o mais jovem, Dr. Roudolf Dix, que defendeu Schacht, e Dr. Otto Kranzbuhler, o almirante Dönitz, eram os melhores que se poderia encontrar em qualquer Tribunal de um país democrático, enquanto os demais estavam à altura da melhor tradição da profissão, em circunstâncias que devem ter sido extremamente penosas.



Pelos violentes ataques de que foram alvo, pela pressão que sofreram, pelas imprevistas práticas processuais impostas pelo Tribunal, pela discriminação decorrente da nacionalidade alemã e pela gravidade dos crimes imputados aos réus que defendiam, os advogados alemães no Tribunal de Nuremberga assumiram, com fidelidade, realismo, dignidade e destemor que se exige de um honrado advogado, mesmo assim a defesa de acusados pelos crimes mais abomináveis de que há registo.



A condenação de Saddam à morte na forca foi validada sem nada acrescentar ou retirar à de 5 de Novembro, por um Tribunal de Apelo Iraquiano, a qual deverá ser executada no prazo máximo de 30 dias, em dia e local desconhecidos, por razões de segurança. Com o Iraque mergulhado num cenário de violência semelhante a guerra civil, a execução de Saddam poderá acarretar consequências, de momento, impossíveis de prever, entre os que lhe são favoráveis (morte com morte se paga, como ditava a sua prática política) ou opositores (ele foi um herói ou nada justifica este tipo e pena). Saddam Hussein Al-Majid Al-Tikriti acabou por ser enforcado à pressa, na madrugada do último sábado do ano, no meio de indecoroso apupos de carrascos e convidados, numa prisão de Bagdad, onde ele próprio no tempo em que foi presidente (cerca de três décadas) fizera executar, humilhar ou torturar centenas de pessoas, que nem julgamento tiveram. A exibição de Saddam, com a corda no pescoço, que correu mundo via net, é o melhor retrato do Iraque de hoje que parece ser uma sociedade medieval. George W. Bush considerou-a um marco para a democracia no Iraque, a Ministra dos Estrangeiros britânica disse que embora o seu governo fosse contra a pena de morte, respeitava as leis dos outros países.



O Vaticano condenou a execução, sem rodeios, por razões de princípio, enquanto a Rússia discordou dela, por a achar politicamente inoportuna. A China manteve-se bastante discreta.



Muitos comentários foram desenvolvidos em Portugal sobre este assunto. A maior parte vieram de pessoas que se declaram contra a pena capital, mas que aduzem argumentos que pretendem justificar o enforcamento de Saddam, que ele era inevitável em função da gravidade dos crimes e do contexto em que o julgamento decorreu. Isto é, há pessoas que se declaram contra a pena de morte, mas que aceitam, compreendem que, no caso concreto, tenha sido aplicada.



Para mim, o acto além de injustificado, errado, é bárbaro. Diria o mesmo se se tratasse de Stalin, Fidel Castro, ou Pinochet, pois considero a pena de morte, a fronteira entre a civilização e a barbárie.

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