terça-feira, 1 de junho de 2010

MARIA HELENA, A BRUXA DE PORTO DE MÓS, COM MESA DE PÉ DE GALO E RESULTADOS GARANTIDOS…

NO TEMPO DE SALAZAR, CAETANO E OUTROS
MARIA HELENA, A BRUXA DE PORTO DE MÓS, COM MESA DE PÉ DE GALO E RESULTADOS GARANTIDOS…






Com cerca de trinta anos e casada há mais de quatro, Maria Helena, empregada de balcão numa casa comercial em Alcobaça, ainda não tinha filhos, para seu grande desgosto e do marido.
O médico da Caixa disse-lhe que não encontrava nada que o impedisse. Mas Maria Helena andava desgostosíssima, com enorme receio de perder o marido, que adorava crianças, muito concretamente os dois pequenos sobrinhos, pelo se abriu com uma velha amiga, referindo o angustioso problema e que sentia uma força estranha, que se interpunha na sua vida, na sua felicidade e do marido.

-Menina Helena, sabe uma coisa …Não leve a mal o que lhe vou dizer, mas eu tenho uma pessoa que trata dessas coisas…
-Que coisas, D. Rosa?
-Bem …Ela não é bem uma bruxa, mas é muito boa, já salvou muitos casamentos, menina Lena! Ela vai ver que, no seu caso, anda aí qualquer coisa estranha. Ela percebe dessas coisas, diz-lhe tudo e como resolver. Ela até já trabalhou com um médico.
-D. Rosa…
-E não é caro. Ela vive em Porto de Mós e leva 20$00 por sessão. A menina se quiser diga-me, que eu falo com ela e marco!

Assim, mesmo antes de nos ocuparmos da bruxa, podemos perguntar-nos como é que se chegava até ela.
E a resposta tradicional e vulgar é, de boca a orelha. Se o interessado nunca consultou um bruxo, há sempre um familiar, vizinho, amigo ou conhecido que consultou um ou que sabe da existência de um.
Por vezes, é mesmo este último que, estando a par do problema, anuncia ao potencial interessado que se trata de uma questão do seu foro.

Até que, um belo dia, a Maria Helena foi a Porto de Mós algo céptica, não obstante se reconhecer ser um pouco supersticiosa, confirmar os poderes de uma senhora, que não era bruxa, mas tinha em casa uma mesa pé-de-galo, que se movia, respondia a perguntas, sabia o passado e previa o futuro.
Na sua simplicidade, Maria Helena associava imprecisamente à ideia do bruxo uma personagem real e imaginária, desde que nele se descortinasse uma vaga associação à magia, a saberes curativos tradicionais ou, mesmo, ao charlatanismo psicológico.Uma personagem que usa nos seus rituais pós mágicos para encantamentos de amor, ritos para enriquecer com dinheiro fácil ou escravos de amuletos e talismãs, como era o caso da bruxa da Cumeira, com dons e poderes muito bons, mesmo especiais.

A bruxa de Porto de Mós, segundo relatavam os consulentes, trabalhava numa sala escura e pequena, onde perpassava um cheiro a incenso, rodeada de livros encadernados e de ar antigo, plantas exóticas e amuletos das mais variadas espécies. Usava uma túnica comprida e falava para os consulentes que se sentavam em frente e a ouviam com atenção, sobre infidelidades, doenças ou heranças. A bruxa abordava todos os assuntos. O consulente pagava 40$00, como primeiro passo para acabarem os problemas, mas os resultados ou demoravam por vezes aparecer ou nem apareciam mesmo pois as pessoas têm sempre muita pressa, há assuntos que não se resolvem de pé para a mão ou não seguem as prescrições que ela indicou. Seja como for, ninguém se queixava de burla, de extorsão, mesmo que depois ficasse com a sensação de isso ter acontecido.

Não espanta a vontade de conhecer o futuro ou a razão de certos acontecimentos, ainda que por intermédio de forças misteriosas ou como tais supostas, recorrendo ao serviço de quem usa eventualmente a charlatanice para explorar os ingénuos.
Como a maior parte das noivas do seu tempo, Maria Helena levou a sério a superstição de usar algo velho, algo novo, algo emprestado ou algo azul, bem como o não permitir ao noivo ver o vestido antes da cerimónia. Claro nem ela nem o noivo, quiseram arriscar a sorte, vendo-se na manhã do casamento.

O grupo não poderia ser grande, mas convinha que fossem sempre mais do que duas pessoas. Havia que respeitar a mesa, não dizer graçolas, nem rir, com ou sem nervoso. Uma vez com os dedos sobre o tampo de madeira, sem carregar, não se podia cruzar as pernas, pois estava a passar o fluido. Crucifixos e medalhinhas também era conveniente tirar, porque aquilo não era lá muito católico, como dizia bruxa.

Esta, como mais tarde Maria Helena soube, trabalhou em tempos num consultório médico de onde saiu, porque o médico e alguns doentes entenderam que ela tinha comportamentos estranhos, pouco condizentes em quem trabalhava num consultório desse tipo.

Não era preciso apagar luzes, nem acender velinhas. As sessões faziam-se porém com pouca luz, normalmente da parte da tarde. Era frequente estarem outras pessoas na sala de espera e a conversar, enquanto que, ao canto da sala, uma molhada de seis pessoas se curvava sobre a mesa, a fazer perguntas, na esperança de obter boas respostas.
A bruxa explicou que era necessário fazer-se uma invocação prévia, chamar por alguém que tivesse morrido, etc., para depois se passar à exploração das potencialidades da Mesa.

Todos se sentavam em volta da Mesa, acotovelando-se, e colocavam as pontas dos dedos das mãos, ou de uma só mão, levemente no tampo, mas sem carregar, tendo o cuidado de permitir que um dedo do próximo tocasse no seu, para não cortar o circuito.

Maria Helena, como os demais, tinha sido avisada pela bruxa de que, mal a Mesa se começasse a mover, não se poderia romper o contacto com o tampo, e devia-se acompanhar o movimento, pois se se largasse a Mesa, esta imobilizar-se-ia. E claro, não poderia haver gracinhas, nem risinhos nervosos, sob pena de a Mesa parar de trabalhar. Isso era mesmo fundamental. As atenções de Maria Helena, incidiam muto especialmente sobre os pés da Mesa, para ver se algum dos três se levantava do soalho.

A Mesa era tratada por ó mesa, diz-me lá isto, diz-me lá aquilo... e, por vezes, era interpelada com rudeza, outras era apaziguada com elogios, como era o caso de Maria Helena (por natureza e por via de dúvidas) do tipo ó mesa, tu que és tão esperta, diz-me lá isto, diz-me lá aquilo...
Havia, segundo a bruxa um código para as respostas, uma pancada dos pés da Mesa no chão significava sim, duas o não. Os números eram representados por pancadas, por exemplo, seis pancadas para o número seis, e, em caso de números grandes, a Mesa era ajudada com perguntas do tipo bate sim, se forem seiscentos, bate seis para seis mil, senão ficavam ali todo o dia e noite. As letras do alfabeto eram representadas por três pancadas para a terceira letra, C, seis para a sexta, F, etc.. e assim sucessivamente.

Isto às vezes obrigava a que a Maria Helena fizesse de secretário da Mesa (ela tinha experiência como balconista….), e anotasse as letras que ela ia indicando, até formar palavras coerentes. Por vezes, com alguma ansiedade, não se esperava que a palavra fosse completada e perguntava-se à Mesa se ela não quereria dizer isto ou aquilo, ao que ela poderia responder com simples sim ou não, encurtando os tempos de espera. Era conveniente ter a Mesa sobre um soalho sem tapete, explicou a bruxa, para que as pancadas dos pés se ouvissem bem, para que ela pudesse deslocar-se sem enrugar o tapete, coisa que a Mesa conseguia com relativa facilidade, bamboleando-se ora num pé, ora noutro.

Num caso, como noutro, era ao participante que cabia, em última instância, não a bruxa, reconhecer o espírito, e só ele é que o podia fazer, com segurança. Os motivos pelos quais o espírito entrava em contacto, podiam ser vários, como explicou a bruxa, na sua grande maioria do tipo seguinte:

O morto não cumpriu uma promessa religiosa. O morto experimenta dificuldades no outro mundo. O morto está com saudade dos seus e da vida na Terra. O morto tem um espírito mau, que vem molestar os vivos e que, por vezes, pretende levar alguém consigo.
Podiam surgir outros motivos, embora sejam raros. Foi contada a Maria Helena o caso de um pai defunto que voltou, por discordar da forma como as partilhas foram feitas entre os filhos-herdeiros e, isso, abriu-lhe os olhos.
Quando se trata de uma promessa religiosa não cumprida, o essencial do ritual consistia no cumprimento da promessa. Podia passar por se colocar um determinado número de velas a arder na capela de um santo, ou então um ex-voto em cera. Da promessa, também devia constar uma pequena esmola ao santo.
O morto que não encontra o repouso no Além, queixa-se das trevas e pede luz para poder ir para um sítio melhor. Pede que lhe ponham velas ou azeite a arder numa capela ou igreja, e que se rezem três missas em sua intenção. O espírito nostálgico, costuma ceder às razões do participante e aceita afastar-se depois. Por vezes, também se põem velas e se mandam rezar missas em sua intenção.
Quanto há um espírito mau, a bruxa pode ter de deslocar-se a casa da vítima, para poder encarná-lo. Ele vocifera, ameaça, não se deixa convencer e acaba por recusar-se a qualquer compromisso e mesmo a qualquer comunicação. A bruxa já conhecera alguns casos destes, que dizia serem muito trabalhosos e de resultados ingratos.

Em breve não obstante a simplicidade, e a sua não grande crendice, Maria Helena extraiu algumas conclusões pragmáticas, sobre o funcionamento da Mesa pé-de-galo, onde participava:
Não valia a pena perguntar coisas que nenhum dos presentes soubesse, pois, nesse caso, as respostas eram disparatadas ou erradas. Mas, desde o momento que algum dos presentes conhecesse a resposta, embora mais ninguém a soubesse, a Mesa respondia em geral correctamente. Ficou demonstrado que as previsões do futuro imediato raramente ou nunca eram correctas. Ninguém acertou na lotaria..
Quando se perguntava à Mesa se fulano(a) tinha um(a) amante, ou se o(a) namorado(a) de sicrano andava com outra(o), se a Mesa respondia que sim, a pancada era sonora.
Havia no grupo quem tivesse mais feeling para a Mesa do que Maria Helena, conseguindo respostas mais rápidas e correctas, depois de um curto período de aquecimento.A movimentação da Mesa, sempre com os dedos sobre o tampo, mas nunca com o polegar por debaixo do tampo para o levantar, como uma vez, alguém acusou a bruxa sem fundamento, arrancava exclamações de admiração. Passou-se até o caso de uma senhora do grupo, com sotaque francês, fruto de alguns anos como concierge em Paris, que veio uma noite a casa da bruxa para fazer, a sós, uma sessão na perspectiva de acelerar as respostas e acabou numa de pires, com chá e bolinhos secos.

Só ao fim da terceira sessão colectiva, a mesa não colaborava em sessões individuais, é que Maria Helena percebeu que o seu mal estar decorria de o espírito de seu falecido pai, pretender entrar em contacto com ela, para lhe dizer que devia fazer partilhas com o irmão, sob pena de enquanto o não fizesse, não conseguir engravidar. Para fazer o espírito ir-se embora, a bruxa recomendou a Maria Helena, que fosse refazer as partilhas com o irmão com estava um zangada e ambos fizessem as pazes. E só depois é que o espírito sossegou.

E querem saber o final?
A verdade é que Maria Helena, no ano seguinte, deu à luz um robusto menino, com quase três quilos, e que de vez em quando aparece no escritório do autor destas notas, para conversar e contar este acontecimento, que jura ser verdadeiro.

1 comentário:

Filipe disse...

Pode me dar a morada porfavor?