A história do combate de Chão de Feira, perto da Ermida de S. Jorge, não muito longe de Alcobaça, no dia 28 de Agosto de 1837, tem sido descrita de várias maneiras, nem sempre muito coincidentes. É um episódio, entre outros, da chamada Revolta dos Marechais, que teve origem remota na instauração em Portugal do regime liberal, a revolução de 1820, a Constituição de 1822, a Carta Constitucional de 1826, a própria legislação de Mousinho da Silveira, enfim o processo de transformação liberal à semelhança do que ia acontecendo pela Europa fora.
As forças dominantes em Portugal, reinava D. Maria, acolheram com apatia e desinteresse a revolução democrática de Setembro de 1836, o setembrismo, de filiação alegadamente popular e pequeno-burguesa. Em breve, porém, criou-se um certo consenso com vista a derrubar a situação estabelecida, que aproveitava apenas, segundo se dizia, a um pequeno grupo de privilegiados, ao mesmo tempo que se receava que, com o regresso da Constituição de 1822, o poder político do País fosse levado a assumir posições radicais desfavoráveis às classes médias e altas. A situação era altamente complexa e como hoje é usual dizer nestes casos, muito fulanizada.
Os setembristas eram comandados no terreno pelo General do Bomfim, apoiados pelo Visconde de Sá da Bandeira, enquanto que os cartistas, tinham à sua frente os não menos prestigiados Marechais Saldanha e Duque da Terceira. Sinteticamemte, embora isso sugira ser demasiado redutor, os setembristas combatiam pela Constituição de 1822, proveniente da revolução liberal de 1820, enquanto os cartistas, daí o seu nome, pela Carta Constitucional de 1826, outorgada por D. Pedro IV. Isto pode parecer, mais de um século depois, algo incompreensível, pois a oposição aos actos políticos de D. Pedro IV e à Carta Constitucional, filiava-se na tradição vintista ou dito doutro modo, na idealização dessa matriz do liberalismo português, que pouco tinha a haver com o afrancesamento das liberdades inglesas.
Finda a fase mais aguda da guerra civil que assolou o País, nem por isso veio finalmente a paz para a sociedade portuguesa, apesar da população rural observar estas ou outras movimentações com alguma indiferença. Pretendendo dar ao movimento que queriam desencadear uma expressão mais ampla, Saldanha e Terceira em 20 de Agosto de1837 chamaram a si Luís Mousinho de Albuquerque e o primeiro manifesto que elaboraram, no âmbito de uma espécie de triunvirato, saldou-se no reconhecer a Carta Constitucional como única lei fundamental da monarquia portuguesa e por conseguinte anular todos os actos políticos dos governos posteriores a 9 de Setembro de 1836. Quando os Marechais Saldanha e Duque da Terceira pretenderam avançar sobre Lisboa, encontraram forte resistência por parte da população da capital, decidida a defender a revolução setembrista, socorrendo-se de fortes argumentos do tipo que invocou contra os franceses, por altura das invasões. Perante esta oposição, que não previam, os Marechais Saldanha e Terceira, decidiram recuar com destino ao norte do País, encontrando-se com os setembristas no lugar de Chão da Feira, perto de Alcobaça.
Bernardo Vila-Nova, no seu interessante trabalho Combates Históricos (Alcobaça, 1957) para onde remetemos os leitores, descreve este combate como tendo sido muito renhido, com numerosos feridos e alguns mortos, destacando pelo lado dos cartistas a do Barão de S. Cosme e a do Conde da Redinha. Consultando Pinheiro Chagas, em História de Portugal, de que Vila-Nova se socorre, mas não cita no seu referido escrito, o Marechal Saldanha, quando se preparava para atacar ou defender-se dos setembristas, antes de abrir fogo, resolveu tentar ainda uma entrevista conciliadora com o Barão do Bomfim, que todavia a repudiou liminarmente, rompendo fogo. Não vamos descrever o combate que terá sido mesmo violento, segundo a opinião de contemporâneos fidedignos. A distância entre os adversários, afinal só portugueses, estava a encurtar-se rapidamente, chegando-se quase ao corpo-a-corpo. Os setembristas, segundo Pinheiro Chagas, não se mexeram, de repente romperam aos gritos Viva a Carta, Viva a Rainha!. A surpresa foi grande e geral. O Marechal Saldanha, num gesto de grande cavalheirismo e generosidade, apesar da força das armas parecer inclinar-se para o seu lado, gritou para o General Bomfim, comandante dos setembristas: Barão do Bomfim! Suspendamos a efusão de sangue. Façamos um acordo sobre a questão constitucional do país!...
A trégua foi aceite. As forças em confronto separaram-se. Os setembristas foram acantonar-se para Aljubarrota, enquanto os cartistas para Alcobaça. O acordo que ficou na história como o Acordo de Alcobaça, porém jamais se concretizou, restando em aberto a questão constitucional. Assim estavam as partes libertas para proceder de novo como entendessem, ou seja, voltar a guerrear entre si, como aconteceu depois no norte do País.
No Dicionário da História de Portugal, dirigido por Joel Serrão, a versão apresentada é algo diversa, senão caricata, pois travou-se combate no lugar de Chão da Feira em 28, simulacro de luta por, de parte a parte, as duas facções se limitarem aos movimentos militares sem dispararem um tiro. Ao fim de duas horas desta espécie de bafúrdio, estabeleceu-se um armistício (...) com a condição de se celebrar um acordo.
José do Telhado, homem de vida honrada antes da penosa passagem para salteador de fama, foi imortalizado pela pena de Camilo Castelo Branco em Memórias do Cárcere. Camilo esteve preso na Cadeia da Relação do Porto ao mesmo tempo que José do Telhado aguardava a ida para África, no cumprimento da pena de degredo perpétuo com trabalhos públicos. Falaram bastante e a áurea de romantismo que ficou para a história da figura de José do Telhado, deve-se sem dúvida a Camilo Castelo Branco.
A que propósito vem, porém, José do Telhado a estas notas?
Segundo Camilo, José do Telhado, foi moço para Lisboa e jurou bandeira no segundo regimento de lanceiros, denominado o da Rainha. A esbelta figura de José Teixeira (do Telhado) era o encanto dos oficiais.(...).Na conhecida revolta dos marechais, em 1837, saiu José Teixeira na comitiva do duque de Saldanha e mostrou quem era nos combates do Chão da Feira e Ruivães. Lá ouvi -me dizia ele – as cantigas das primeiras balas e algumas me queimaram o cabelo e vinham dizer-me ao ouvido que estivesse sossegado. O Barão de Setúbal disse-me uma vez que choviam balas, eu mostrei-lhe a lança e disse: cá está o guarda-chuva, meu general, deixe chover.
José do Telhado foi dado como ordenança do próprio Visconde de Sá da Bandeira que pessoalmente o chegou a condecorar com a Torre e Espada que lhe apresilhou na farda. Os crimes que José do Telhado cometeu mais tarde e porque veio a responder, não fazem parte desta nossa história.
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