A INVASÃO E OCUPAÇÃO DE GOA PELA UNIÃO INDIANA (1961).
ALGUMAS SEQUELAS (Gen. Vassalo e Silva).
MÁRIO SOARES, COSTA GOMES E OS HOMENS QUE NÃO MORRERAM CALÇADOS
ENGRÁCIA ANTUNES E CARLOS AZEREDO
JOAQUIM GUILHERME RAMOS (depoimento)
O Dec.Lei. n.° 727/74, de 19 de Dezembro, veio em parte resolver situações pendentes:
Os acontecimentos ocorridos em 1961 no Estado Português da Índia só agora puderam ser apreciados com realismo e a prudêcia, com vista à reparação das injustiças cometidas pelo Governo, relativamente ao pessoal militar que ali servia. As vicissitudes que rodearam a aplicação das penas disciplinares aos elementos das Forças Armadas tão injustamente responsabilizadas pelo descalabro da situação política e militar daquele Estado, em especial a falta de audiência prévia dos arguidos e a disparidade de decisões ulteriores que vieram a ser tomadas obrigam moralmente a Administração a tomar uma atitude que enfim ponha termo a este delicado problema. Na impossibilidade, em termos de oportunidade prática, de, à distância de tantos anos, se fazer uma investigação segura e detalhada de todas as circunstâncias que rodearam os mesmos acontecimentos, optou-se pela anulação das sanções disciplinares impostas , bem como dos seus efeitos legais em relação a todos os militares. Por último, foram realçadas as qualidades de aprumo e de honorabilidade do general Manuel António Vassalo e Silva, o último Governador-Geral do Estado Português da Índia.
Usando da faculdade conferida pelo n.° l do artigo 1.° da Lei n.° 4/74, de 1 de Julho, o Conselho dos Chefes dos Estados-Maiores das Forças Armadas decreta e eu promulgo, para valer como lei, o seguinte:
ARTIGO 1.º)-São anuladas as penas impostas (…)
ARTIGO 2.º)-A anulação referida no artigo anterior é oficiosa e produzirá os seguintes efeitos:
1.°)-(…)
2.°)-Reintegração dos militares no activo, na reserva ou na reforma(…)
3.°)-Os militares reocuparão os seus lugares nas escalas de antiguidades, sem prejuízo da possibilidade de se exigir a realização dos cursos de promoção aos que forem reintegrados na situação do activo.
ARTIGO 3.º)-(…)
ARTIGO 4.º)-(…)
ARTIGO 5.º)-As medidas previstas nos artigos anteriores são extensíveis aos militares já falecidos (…)
Em 1961, na iminência da ocupação dos territórios pela União Indiana, o gerente do Banco Nacional Ultramarino, em Goa, trouxe para Lisboa, as jóiasdo território. Abriu-se a partir daí o contencioso dos chamados Gold Ornament, que só veio a ser resolvido em 4 de Junho de 1992, por decreto sobre a Restituição de Objectos e Valores, assinado por Mário Soares, após a sua visita à Índia, na qualidade de Presidente da República. De então para cá, as relações entre Portugal e a Índia têm-se desenvolvido cordialmente, particularmente nos domínios do comércio, turismo, cultura, ciência, tecnologia e investimentos.
A ocupação dos territórios da Índia Portuguesa em 1961, que não demorou os oito dias que só por milagre Vassalo e Silva previa perante Salazar, ser a duração da resistência, foi altamente marcante na vida político-social, e a sua avaliação nunca deixou de ser controversa. O Dr. Joaquim Guilherme Ramos, de Alcanena, é parente, por via da Esposa, do Gen. Vassalo e Silva e dispôs-se, passados tantos anos sobre estes acontecimentos, a prestar um depoimento pessoal, que passamos a transcrever:
O Gen. Vassalo e Silva, último Governador do Estado da Índia, granjeou a admiração, a estima e a gratidão da população daqueles territórios, pelo impulso que tinha dado ao desenvolvimento económico, pela atenção prestada aos problemas das populações e pelo esforço posto na melhoria das suas condições de vida. Sobretudo a partir de 1954, os prenúncios da invasão por parte da União Indiana tornavam-se cada vez mais ameaçadores e, apesar da relutância do Governo Português em acreditar que a agressão militar se efectivasse, dado o apregoado pacifismo de Nehru, Vassalo e Silva aceitou em Dezembro de 1958 a nomeação para aquele cargo, demonstrando grande coragem e sentido de dever. Tempos antes da invasão Costa Gomes, então Subsecretário de Estado do Exército, determinara a retirada dos territórios portugueses da Índia de todo o material militar no pressuposto de que, a acontecer a agressão por parte da União Indiana, de nada valeria a resistência militar portuguesa frente ao poderio inimigo. Assim sendo era preferível a retirada para outros territórios de rodo o equipamento e foi assim que se fez, restando em Goa uma reduzida guarnição de 3.000 homens, sem armamento. Costa Gomes condenava Vassalo e Silva a não poder cumprir a promessa que havia feito na tomada de posse: Luteramos com todas as forças de que dispomos. Tudo podemos perder, menos a honra. Em 18 de Dezembro de 1961, as forças armadas indianas iniciavam o ataque por todas as frentes, ar, terra e mar. A única bateria anti-aérea que ficara não tinha munições e era bem o símbolo dramático da total incapacidade de defesa da nossa presença.
.Lisboa, fora informada, não directamente pelo Gen. Vassalo e Silva da absoluta falta de meios, em equipamentos, armamentos, viaturas, transmissões, munições. Estes meios terão sido negados, com o argumento que em Goa não haveria guerra. Assim, Vassalo e Silva apenas pode ordenar a destruição (felizmente não de uma cidadeplena de igrejas e memórias relevantes da presença portuguesa, algumas consideradas pela UNESCO como Património da Humanidade) de vias de comunicação, pontes e tudo o que pudesse retardar o avanço inimigo em Bicholim, Mapuçá, Ordofondo, Sinquervale (aqui o Major de Cavalaria Manuel Engrácia Antunes, combateu activamente tropas indianas e recebeu uma Cruz de Guerra). A rendição ao fim de três dias, pois os indianos não avançaram a pé-coxinho, como comentou Carlos Azeredo, de resistência às forças inimigas, cumpria o dever de salvar, em situação dramática, as vida das populações e dos homens às suas ordens. E ao contrário do que vocifravam muitos heróicos combatentes acantonados em gabinetes e cafés de Lisboa, a Honra estava cumprida !
Segundo o Dr. Joaquim Guilherme Ramos, que para estas notas conversou com descendentes directos do Gen. Vassalo e Silva, e consultou documentação, na imprensa internacional apareceram fotos e descrições das manifestações de gratidão na despedida afectuosa da população de Goa a Vassalo e Silva. A censura não permitiu a sua divulgação em Portugal. Os enganos políticos de Lisboa, (perante um Nehru que se afirmava pacifista, o único meio de dissuasão que parecia restar ao governo português era afirmar a intenção de uma defesa radical, até ao último homem, que permitisse pela duração e número de baixas, abalar o prestígio do governo da União Indiana) cometidos no território do Estado da Índia, incómodos para o orgulho português, julgaram encontrar lenitivo no completo abandono à sua sorte de militares de portugueses aprisionados em campos de concentração na Índia e depois na demissão de Vassalo e Silva, do Exército. A outros comandos militares, noutros territórios portugueses, começou a minar o receio deletério que o futuro lhe reservasse a mesma sorte que a Vassalo e Silva.
O Dr. Joaquim Ramos que não quer ser apontado de parcialidade, acrescentou que poucos dias depois do 25 de Abril encontrei-o à entrada da Cova da Moura (Vassalo e Silva, nasceu em Torres Novas a 8 de Janeiro de 1899 e faleceu a 11 de Agosto de 1985 no Hospital Militar da Estrela) e perguntei-lhe se vinha ali na expectativa de ser reintegrado nas Forças Armadas. Sorriu e confidenciou-me não pensar que Costa Gomes estivesse esquecido das responsabilidades que lhe cabiam na questão da perda dos territórios da Índia. A reintegração deu-se, mas como que às escondidas e envergonhada!. Vassalo e Silva sofreu como ninguém o desgosto da perda de Goa, Damão e Diu. A amargura que lhe deixara a vivência desses trágicos acontecimentos dominou-a pela consciência de ter compreendido correctamente as situações e assumido as soluções possíveis. Cumprira o seu dever e isso bastava-lhe (…). Dez anos passados, em momento difícil da vida de alguns familiares em que me incluía, contou-me que tempos antes de partir para Goa tivera um sonho. Estava no meio de um estrada larga, paralisado. Nada conseguia mexer, cabeça, perna ou braço. E viu que vinha na sua direcção um cilindro. Quis desviar-se, mas em vão e foi cilindrado! Mas logo a seguir mexeu-se, levantou-se e viu que estava vivo. O que me estava a contar era a lição da sua vida (…).
O Gen. Carlos Azeredo, foi uma testemunha priveligiada dos momentos finais da presença portuguesa em Goa, pois era o Oficial de Ligação junto do Governador e Comandante Militar, tendo prestado também o seu depoimento no jornal O Público, de 20 de Março de 2002, em resposta ao diplomata Mário Matos e Lemos.
1 comentário:
..mas, não é no dia em que a Bandeira Portuguesa foi arreada que se perdeu a soberania no EIP.Os lideres políticos do EIP, sobretudo de Goa, venderam a sua alma a União Indiana. Em Goa, em 1961 a população era de uns 600 000 e destes muitos mantiveram a nacionalidade portuguesa e sairam de Goa, Damão e Diu. Hoje, falando só de Goa, sua população atinge uns 1.300.000 habitantes. A língua concani está em vias de extinção. A língua portuguesa foi substituida pela língua inglesa. O goês já não é capaz de ler o seu passado. Os arquivos estão escritos em português.A alma goesa já foi extinta, formada ao longo dos 500 anos. Em 1961 a administração era quase na sua totalidade goesa. Hoje seus administradores, gestores, funcionários públicos são na sua maioria não goeses e não falam concani. O mesmo sucede no sector particular. É uma democarcia onde se pode falar, gritar...mas são presos e tudo se decide nos tribunais, onde as leis se calhar não funcionam e a obra fica feita de acordo com os interesses nacionais com o objectivo de criar uma Índia, una, com uma só língua e uma só religião e talvez o domínio ariano sobre o resto do subcontinente indiano....
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