terça-feira, 1 de junho de 2010

ULTRAMAR PORTUGUÊS, GUERRA E O FIM DO MARCELISMO

Na Guiné, um Comandante Militar e Governador de monóculo e bengalim.


Marcelino da Mata, guineense, e Asdúbal Fortes, alcobacense de Montes-Alcobaça.


Gadamael, Guileje, Guidage (os 3 g’s) e Cacine


A Primavera Marcelista não deu nem flores, nem frutos.


Fala-se da Ala Liberal.


25 de Abril de 1974.



Era uma referência militar, quando o Brigadeiro do Exército, da Arma de Cavalaria, António de Spínola, desembarcou em Bissau, no dia 2 de Maio de 1968.



De monócolo e bengalim, a figura era majestosa, aparentemente arrogante. Trazia consigo um rasto de heróico comandante militar, construído em Angola.




Tinha pouco em comum com os demais chefes militares portugueses, pois participava nas operações, largado de helicóptero, fardado com camuflado, boina e pistola à cintura, dormia no chão e comia ração de combate. Ao chegar à Guiné, deparou-se com o teatro de guerra mais difícil da África Portuguesa. Lisboa esperava que resolvesse, de vez, uma situação militar, que não parava de se degradar.



Já em 1963, o Gen. Gomes de Araújo, Ministro da Defesa, admitia que a guerrilha controlava cerca de 15% do território. Logo a seguir, numa conversa mantida no Ministério do Ultramar, em Lisboa, o Gen. Louro de Sousa, Comandante-Chefe na Guiné, considerava que a guerra estava perdida.




O Brig. António de Spínola chegou à Guiné para substituir o Gen. Arnaldo Schultz, que sempre acreditou numa Guiné eternamente portuguesa. Spínola, pouco depois de assumir, cumulativamente, os cargos de Governador-Geral e Comandante-Chefe apontou, num documento remetido ao Governo, a triste realidade económica, social e militar que ali encontrou.



Rompendo com a estratégia convencional, Spínola passou a jogar ao mesmo tempo nos campos militar e político.




O objectivo estratégico era retirar à guerrilha, o tapete sobre o qual desenvolvia a actividade psico-militar. Para tal, deu início a um largo plano de obras públicas estradas, pontes e equipamentos sociais, de medidas sanitárias e de educação. Quadros da Administração Pública e do Exército, foram substituídos e o Governador fez-se rodear de jovens Oficiais do Quadro Permanente, unidos pela ideia que a guerra teria de ser ganha politicamente alguns dos quais mais tarde o traíriam….



A criação dos Congressos do Povo foi uma novidade, na procura de ganhar força como interlocutor, junto das populações. Em 1969, surgira um dado novo, quando o Presidente do Senegal, Leopold Senghor, propôs a Portugal e ao PAIGC, um plano de independência para a Guiné, no quadro de uma Comunidade Luso-Africana. A ideia não teve desenvolvimento e a situação continuou a agravar-se, tendo as tropas portuguesas sido obrigadas a retirar de Madina do Boé, onde José Bernado Nino Vieira comandava as tropas e vem a ser, em 1973, proclamada a independência unilateral da Guiné.



Confrontado com alguns desaires, Spínola pareceu disposto a jogar tudo na Operação Mar Verde, destinada a liquidar, física e politicamente, Sekou Touré, Presidente da Guiné-Conacri, capturar Amílcar Cabral, destruir os MIG da Força Aérea da República da Guiné-Conacri e a libertar os prisioneiros portugueses.




Apesar do elevado risco, Caetano deu autorização, mas a operação acabou por traduzir-se num desaire, pois nem Sekou Touré, nem Amílcar Cabral, se encontravam em Conacri nesse dia, 22 de Novembro de 1969. O único objectivo conseguido, foi a libertação dos prisioneiros portugueses. Apesar dos desmentidos na O.N.U., relativamente à participação portuguesa na operação, agravou-se o isolamento português na cena internacional e o governo de Conacri, que alinhava com a União Soviética, encontrou o pretexto para solicitar aos seus navios, a patrulha das águas territoriais.



As manobras para aliciar os guerrilheiros do P.A.I.G.C. não resultaram e, em 1971, começaram a chegar à Guiné, os mísseis terra-ar soviéticos. No ano seguinte, Spínola não hesitou em transmitir a Caetano a opinião que não ganharemos esta guerra pela força das armas.




Sendo Leopold Senghor a última esperança diplomática de Spínola, tiveram eles um encontro, em território do Senegal, perto da fronteira com a Guiné. Caetano, pressionado pelos ultras recuou, e pôs termo a novos encontros, pois entendia que é preferível perder a guerra, a negociar com terroristas. Salazar não seria mais peremptório.




Em 1971, segundo historiadores, Amílcar Cabral ainda admitia a independência num quadro de igualdade. Foi nesse ano, em que o autor destas notas foi mobilizado para a Guiné, que Amilcar Cabral se deslocou a Londres no desenvolvimento duma digressão de charme por países europeus, tendo sido recebido no Vaticano, por Paulo VI, conjuntamente com outros dirigentes independentistas da África Portuguesa. Esta recepção a Amílcar Cabral e aos outros líderes africanos, foi muitíssimo mal recebida pelo Governo Português, que nunca a compreendeu, nem aceitou. Todavia o conflito com o Vaticano não assumiu as dimensões do que se seguiu à deslocação do Papa a Bombaim.



Em Londres, o Secretário-Geral do P.A.I.G.C., concedeu uma entrevista a duas publicações de exilados portugueses, o Polémica, dirigida por José Medeiros Ferreira e o Anticolonialismo, por Pedro George. Sobre o futuro das relações, entre Portugal e a Guiné, Amílcar Cabral, disse que (…) se porventura em Portugal houvesse um regime que estivesse disposto a construir, não só o futuro e o bem-estar do povo de Portugal, mas também o nosso, nós não veríamos nenhuma necessidade de estar a fazer a luta pela independência. Mas em pé de absoluta igualdade. (…)




Isto passava-se cerca de dois anos antes da declaração da independência da Guiné, perante a incapacidade, intransigência, em negociar e iniciar um processo de autonomia progressiva. O P.A.I.G.C. proclamou a independência, depois de uma reunião da Assembleia Nacional Popular.



Entende-se hoje, que as palavras de Amílcar Cabral, homem de cultura portuguesa, não eram apenas uma manifestação de propaganda ou de finalidade táctica, para consumo internacional. Foram subscritas, mais tarde, por Luís Cabral, primeiro Presidente da Guiné-Bissau. Era, com algumas nuances, o segundo cenário acima referido por Baltasar Rebelo de Sousa e registado por seu filho.

No ano de 1971, quando o autor deste texto chegou à Guiné, podia-se dizer que havia um empate técnico, entre a força político-militar portuguesa e o P.A.I.G.C.. Cabral, tinha capacidade de manobra e idoneidade, para propôr o diálogo, como daquelas declarações parece resultar, sem esquecer a postura de Leopold Senghor.




Em Janeiro de 1973, Cabral, foi assassinado por um grupo dissidente do P.A.I.G.C., onde a PIDE não terá tido qualquer tipo de participação, como errada e oportunisticamente ainda terá sido dito. Em 24 de Setembro de 1973, a Guiné proclamou unilateralmente a independência, que foi reconhecida por dezenas de países, não apenas da esfera soviética, e isolou Portugal, que passou a encontrar-se na máxima de Salazar, orgulhosamente só. Dúvidas existem, sim, sobre o sentido das negociações promovidas em Londres, Março de 1974, com o P.A.I.G.C., e com a mediação do Foreign Office, com vista ao eventual reconhecimento da independência da Guiné, se houvesse um cessar-fogo, por parte daquele movimento. Interroga-se hoje, se estas negociações, eram mesmo a sério, ou uma manobra para ganhar tempo, até que as novas baterias de mísseis ao serviço das F.A. estivessem operacionais, ou será que os acontecimentos internos em Portugal, fizeram acelerar a tese a que Spínola não era estranho, de que no contexto existente, a Guiné já não tinha defesa? Em suma, será que, o Governo Português e Caetano, estavam bem informados?



Marcelino da Mata, guineense de etnia papel, figura lendária da guerra da Guiné, e o militar mais condecorado das F.A.portuguesas, é possuidor de várias Cruzes de Guerra. Em 1966, pela Operação Tridente na Ilha de Como-2ª classe, 1967, Operação em Farim K 3, 1969, 1971, Operação Mar Verde-Guiné Conacri-1ª classe, 1973, Operação Ametista Real-3ª classe e 1973 colectiva, 1ª classe com o BCmdsAfric, disse a José Freire Antunes, in A Guerra de África, que as Companhias Africanas, ao todo mais de 20, seriam suficientes para assegurar um referendo, a propósito do futuro da Guiné. Na verdade, nós não precisávamos do exército branco, para montar a segurança, para se fazer o referendo. Mas a única preocupação, que o Estado Português, teve na Guiné, foi desarmar o exército africano, e entregá-lo ao P.A.I.G.C., como veio a acontecer com muitos comandos africanos, depois presos, torturados ou fuzilados. Marcelino da Mata, que após o 25 de Abril conseguiu vir para Portugal, chegou a ser preso e seviciado em Maio de 1975, no quartel do Ralis, graças ao MRPP, a um tal capitão Quinhones, que lhe disse que lhe iam fazer o mesmo que aos turras na Guiné, quando não queriam falar. O comandante do Ralis, Ten.Cor. Leal de Almeida, que o conhecia dos idos da Guiné, disse-lhe também que os pretos só falavam quando eram torturados e levavam pancda, pelo que não tinha outra solução senão ordenar que lhe fizessem isso. Depois de muito insistir, Marcelino da Mata, conseguiu ser levado para a enfermaria da Prisão de Caxias, onde lhe fizeram os primeiros tratamentos. Ali esteve preso 150 dias, dos quais 90 em estado de total incomunicabilidade. Só quando foi libertado, se pode tratar adequadamente e soube que tivera fractura da coluna.



Asdrúbal Fortes Jorge, que reside em Montes-Alcobaça, e trabalha para os Serviços Municipalizados da CMA, foi mobilizado para a Guiné em Junho de 1964, com a especialidade de Fuzileiro Especial (ou Naval) e o Posto de Primeiro Grumete. Esta comissão de serviço, prolongou-se até Junho de 1966, tendo participado em operações em todo o território, algumas com os Comandos Africanos, onde pontificava o Furriel Marcelino da Mata.
Com Marcelino da Mata falou muitas vezes, pois falava bem português, e trocou opiniões operacionais.




A ideia que formou sobre Marcelino da Mata, é que ele se considerava um português como nós, além de ser extremamente conhecedor da arte da guerra. Nessa comissão, Asdrúbal Fortes sofreu ferimentos num ombro, não muito graves é verdade, visto a operação em que participava com outros destacamentos de fuzileiros, na região de Cacine, junto à fronteira sul com a Guiné-Conacri, ter sido atacada por engano por um avião português, com rockets e metralhadora. Desse ataque, resultaram 4 mortos e cerca de 40 feridos, todos fuzileiros portugueses.



Regressado a Portugal em Junho de 1966, no termo da sua comissão normal de serviço obrigatrório, fez contrato com o Estado para passar ao Quadro Permanente dos Fuzileiros. Foi promovido a Marinheiro e tendo voltado à Guiné, em Abril de 1967, fez inúmeras operações, por vezes lançado de helicóptero, rumo ao objectivo. Nessa segunda comissão, encontrou-se com Marcelino da Mata, na zona de Cacheu e Binta, em operações de golpes de mão. Em 23 de Dezembro de 1968, aliás dia do seu aniversário, no decurso de uma operação no norte da Guiné, pela qual também recebeu um louvor, foi ferido com gravidade por estilhaços de bazuca, depois da metralhadora se ter encravado, o que determinou a sua imediata evacuação para o Hospital de Bissau, aonde foi operado por três vezes aos intestinos, e depois para Portugal, para o Hospital da Marinha, no qual esteve internado durante cerca de dois anos. Dado como incapaz para o serviço militar, pela Junta de Saúde Naval, passou à reforma da qual recebe uma pequena pensão. Não obstante, não repudia, a divisa da Armada A Pátria honrai que a Pátria vos contempla.



Asdrúbal Fortes foi militar condecorado e louvado por várias vezes. Sabe o que é combater com metralhadoras MG, lança granadas de foguete Instalaza, de fabrico espanhol e, naturalmente, com G3, viver e morrer no mato e nos rios (como aconteceu com amigos e companheiros). Por vezes, ainda sonha e sofre com momentos difíceis e de insegurança porque passou. Confrontou-se com guerrilheiros a fazer fogo com obus de 105mm, morteiros de 82mm, foguetes de RPG7, a disparar com uma costureirinha/calibre7.62, ou outro armamento, que nada tinha de comum com o que foi utilizado pelos guerrilheiros no início da luta armada (armas caçadeiras, gentílicas, pistolas metralhadoras, granadas de mão ou engenhos explosivos rudimentares). A partir de 1966, os fuzileiros, como os militares do exército, tinham pela frente um P.A.I.G.C. com canhões sem recuo, morteiros e foguetes de 120mm. Sabia quanto os portugueses estavam dependentes das vias fluviais, num território pejado por muitos rios navegáveis e sujeitos a marés de grande amplitude, e da incidência na vida de muitos homens, o abastecimento em géneros e material de guerra. As lanchas e os fuzileiros eram o grande suporte logístico.Asdrúbal Fortes, recebeu a Medalha de Cobre, pelo salvamento de um camarada que caira à àgua e estava a ser arrastado pela corrente. Foi condecorado com a Medalha de Mérito Militar de 4ª Classe e, antes de ser ferido e evacuado para a Metrópole. Possui uma Medalha de Cruz de Guerra de 2ª Classe.



No referente, a louvores recebeu alguns colectivos, com o seu Destacamento de Fuzileiros Especiais nº 10, e individuais. Entre os louvores que recebeu, gosta de destacar o de 3 de Junho de 1968, atribuído pelo Comandante de Defesa Marítima da Guiné, Comodoro Aníbal Almeida Graça e publicado na O.A.-11ª Série, nº 48/7-8-968: Louvo o Marinheiro FZE nº 10106-Asdrúbal Fortes Jorge, do Destacamento nº 10 de Fuzileiros Especiais, por ao longo do tempo que em prestou serviço nesta unidade, ter revelado possuir, em acção de combate, excepcionais qualidades de coragem, dezembaraço, sangue-frio e desprezo pelo perigo. Tendo feito grande número de operações da Unidade, seguindo no primeiro lugar da coluna, demonstrou sempre ter elevado senso táctico, valentia e decisão debaixo de fogo. Nomeadamente numa operação realizada no IADOR, ao aperceber-se à distância dum grupo inimigo que preparava uma emboscada ao seu grupo de assalto, arrastou consigo a sua esquadra e a Esquadra da Metralhadora. Fixando o inimigo, causando-lhe um ferido e obrigando-o a debandar, só não conseguindo uma completa aniquilação, pelo facto de se terem esgotado as munições, ao mesmo tempo que as da metralhadora que o acompanhava. Digno de ocupar postos de maiores riscos, abnegado, leal, cumpridor e com espírito de sacrifício, considero o Marinheiro FZE 10106 um militar de muito mérito.



Regressemos a Marcelino da Mata, que ao chegar refugiado a Portugal, depois do 25 de Abril, trazia o corpo cheio de condecorações (que aliás Asdrúbal Fortes viu quando uma vez se encontrou com ele na Associação de Deficientes da Forças Armadas), com estilhaços e em risco de ficar apátrida.




Não foi seguramente um caso único.




Muitos militares, naturais dos antigos territórios ultramarinos, que vieram para Portugal após a Revolução, tiveram que requerer a nacionalidade portuguesa. A alguns foi negada, por muito difícil de entender que assim fosse para quem tantos combates travou em nome da Bandeira das Quinas e medalhas recebera.



Fernando Gomes da Silva, de Santarém, que foi Sargento-comando na Guiné, e com ele privou de perto, recordou numa conversa em sua casa, que quando se deu o 25 de Abril, Marcelino da Mata encontrava-se a preparar junto da fronteira com a Guiné-Conacri, um golpe de mão. Informado por um oficial português que, a guerra não iria muito provavelmente continuar, só se convenceu quando ouviu o noticiário, pela emissora oficial do território, a única que existia e era permitido ouvir. Era o fim de uma guerra, que Marcelino da Mata assumiu integralmente, como muitos portugueses da Metrópole, que considerava justa e em nome de um país que acreditava como seu. Marcelino da Mata foi um caso especial, pela astúcia e energia invulgares que revelava. Comandava grupos especiais, os Comandos Africanos, a quem dava instrução meticulosa, para poder operar em todo o território. Falando sete dialectos e bem o português, isso permitia-lhe fazer-se passar, por amigo da guerrilha, entrar nos seus acampamentos, estudar o terreno e desaparecer. Asdrúbal Fortes, pode confirmar estes predicados, pois participou ao lado de Marcelino da Mata em operações, nomeadamente as que incluíam Acção Psicológica. Nestas, quando os Portugueses entravam nas tabancas, reunia-se a população e Marcelino da Mata era capaz de identificar o pessoal afecto ao P.A.I.G.C.. o que Asdrúbal Fortes, nunca percebeu como era possível. Também, não era reconhecido como sendo o célebre Marcelino, ao serviço dos portugueses.
Após o 25 de Abril, teve problemas em Portugal, mas como contou a Fernando Gomes da Silva, aquilo que o feriu, mais que as sevícias, foi ter perdido duas pátrias, aquela para quem trabalhava e a que poderia ter sido sua.



O Comandante Guilherme Alpoim Calvão foi uma das personalidades mais reputadas dos Fuzileiros Navais, nas águas da Guiné, onde veio a ser o Comandante do Centro de Operações Especiais. Ousado, segundo Asdrúbal Fortes que serviu sob o seu comando, terá sido quem propôs a Spínola a Operação Mar Verde. De acordo com o Comandante Alpoim Calvão, a manobra de Conacri correu mal, por falhas de informação que competiam a PIDE. Asdrúbal Fortes não tem opinião formada sobre o assunto, pois não participou na operação, evacuado que se encontrava, como se referiu. Anos mais tarde, convidado para o integrar o M.F.A., Alpoim Galvão, recusou pois, segundo terá argumentado, outra guerra o esperava, o período quente do PREC.



Depois do 25 de Novembro, uma Junta Hospitalar de Inspecção, considerou Marcelino da Mata diminuído físico e qualificou-o como deficiente das F.A., ao abrigo do DL 43/76, e na situação de reforma extraordinária. Em 10 de Dezembro de 1980, por despacho do C.E.M.E. e decisão do Conselho da Revolução, foi confirmado o seu processo pendente desde 1973, da sua promoção a Alferes do S.G.E., com antiguidade reportada a 1 de Agosto de 1973. Por decisão do Conselho da Revolução veio a ser promovido a Tenente do S.G.E., com antiguidade reportada a 2 de Agosto de 1974, e a Capitão do S.G.E., com antiguidade reportada a 2 de Agosto de 1977. Em 1995, Marcelino da Mata foi graduado em Tenente-Coronel, na situação de reforma extraordinária. Actualmente reside entre Portugal e Bissau.



Pode o autor destas notas dizer, que não foi infeliz na sua passagem pela Guiné, embora tenha estado, antes de ter sido colocado no C.T.I.G.-Bissau, em locais operacionalmente críticos. Não esteve no C.O.M., em Mafra, como engajado voluntário, nem se assumiu como opositor à guerra embora, por variadíssimas vezes, se tivesse interrogado sobre o sentido e objectivos da presença militar, em África, muito especialmente quando saía de noite a comandar um ou dois pelotões de africanos, cuja língua não entendia, no meio de chuva, a tropeçar ou cair na lama, com o risco de perder a G3, apenas com os relâmpagos da trovoada a iluminar o trilho, ou mosquitos, a tentarem come-lo vivo.




Para o bem e para o mal, embora estudante universitário, e tendo vivido a crise académica de 1969, sem ter alinhado com o boicote aos exames, não tinha grande motivação, nem militância políticas, pelo que contrariado achava natural, como os demais rapazes da sua geração, embora pai de duas filhas, ser chamado a cumprir serviço militar no Ultramar, mesmo depois de ter exercido funções de Magistrado do M.P. A militância política que desenvolveu com o PPD/PSD, veio só a partir do verão de 1974. Em casa de seus Pais, no Porto, pouco se falava de política. Em Alcobaça não era propriamente matéria que abordasse com o Dr. Amílcar Magalhães, salvo quando era necessário que movesse alguma influência paraminorar, à Filha, o incómodo da Guiné. A experiência na Guiné, foi importante para decidir a filiação no PPD/PSD, ainda em 1974.



Encontrava-se o autor destas notas na Guiné, quando em 1973 foi declarada a independência, em Madina do Boé. Foi na Guiné que lhe chegavam, as notícias sobre as votações contra Portugal na ONU, os termos da reeleição de Américo Tomás e as últimas eleições marcelistas para a A.N.. Também se sobressaltou, com as notícias sobre o golpe falhado das Caldas da Rainha, em Março de 1974, seguiu com expectativa as nomeações de Costa Gomes Chefe e Spínola Vice-Chefe, para o E.M.G.F.A.. Foi ainda na Guiné que, em serviço no Q.G. do CTIG, conheceu oficiais do quadro permanente, como Almeida Bruno, Otelo Saraiva de Carvalho, que no dizer de Marcelino da Mata nunca participou num combate a sério, Duran Clemente, Salgueiro Maia e despachou propostas de condecorações, louvores e processos disciplinares com Firmino Miguel.



Além de outros locais, o autor destas notas esteve em Gadamael (porto), durante de três meses, Guileje algumas vezes, e Guidaje. Em Maio de 1973, o aquartelamento de Guileje estava isolado, sem comunicações, água, mantimentos ou artilharia, que lhe chegavam via terrestre a partir de Gadamael, pelo que quando o P.A.I.G.C. atacou com força, segundo referiu o (então) alferes miliciano médico Dr. Santos Silva, actualmente a exercer clínica na Covilhã. O aquartelamento que era um praça forte de cimento armado, foi abandonado por iniciativa do major. Em consequência, este oficial veio a ser preso, e o pessoal recolheu a Gadamael (porto). Esta posição militar, não obstante o Coronel Durão(cujo mandato era recuperar Guileje), ter sido nomeado para o comando da Região Sul, também veio em breve a ser abandonada, pois a guarnição tinha a moral em baixo, por falta de alimentos, dormida e armamento. Dali houve 4 fugas para Cacine, o que foi caso raríssimo, entre as quais a de um alferes miliciano. Essas fugas, eram passíveis de fuzilamento de acordo com a lei militar, o que nunca acontecera desde a frente da Flandres, na I Guerra, caso não houvesse regresso dos militares. Essa ameaça foi proferida por um exaltado Tenente Coronel, com as tropas de Gadamael em parada, enquanto Spínola se havia dirigido a Cacine e intimava o pessoal a regressar. Este dramático e pouco conhecido acontecimento foi-nos contado, de forma algo emocionada, pelo antigo cabo miliciano Ferreira Guedes, actualmente a residir e trabalhar como empresário em Palmela e natural dos Pousos-Leiria.



Como escreveu, o guineense Leopoldo Amado, os G’s-Guiledje, Gadamael e Guidadje, na Guiné- se não foram determinantes para a agonia do sistema colonial, pelo menos, catalizaram a interiorização da ideia de que afinal, o Império (Português), tinha pés de barro.



A vida internacional na década de 60, teve papel determinante no regime e na vida do País, pois verifiou-se a progressiva descolonização e independência dos povos africanos (colónias inglesas e francesas), a guerrilha generalizou-se a Angola, Guiné, 1963, e Moçambique, 1964, dá-se o isolamento externo do governo, expande-se o movimento internacional contra a guerra do Vietname, estala a guerrilha guevarista na América Latina, ocorre a revolução maoista, o Maio Francês, o esmagamento da Primavera de Praga, a revolução dos costumes e práticas sociais, aonde se insere o começo do consumo fácil de drogas. E muitas outras coisas.




O salazarismo, após ter aniquilado os anarquistas até fins dos anos trinta, estimulou o PC na luta clandestina A oposição democrata, republicana e reviralhista ensaiara medidas quase exclusivamente no campo legal, não tendo feeling para adoptar meios como os comunistas que tiveram necessidade de criar um aparelho clandestino tanto capaz da responder às investidas policiais, como os frutos de uma cisão interna, chamada o Grupelho Provocatório. Foi essa carapaça que permitiu ao PC aguentar-se até ao 25 de Abril e sair imediatamente para a rua.



Cremos não ser errado dizer que a Ala Liberal se pode incluir no grupo dos que dignamente se opuzeram ao regime. Vejamos o caso de Joaquim Magalhães Mota, sócio fundador da SEDES-Associação Para o Desenvolvimento Económico e Social, presidente do respectivo Conselho Coordenador, período durante o qual foi publicado o trabalho O País Que Somos, O País Que Queremos Ser (sobre a eleição presidencial). Como deputado à A.N. (1969-1973), fez numerosas intervenções parlamentares, destacando-se a discussão da Lei de Meios, para 1972-1973, a Lei do Cinema ou a Lei do Fomento Industrial. Foi um dos signatários do Projecto de Revisão Constitucional nº6/X. Na sua última intervenção na Assembleia Nacional, em que anunciou não se recandidatar, denunciou a utilização de fundos reservados, pelo Ministério do Interior e a acção de obstrução da maioria na Assembleia Nacional. Em Maio de 1974, fundou o PPD com Sá Carneiro e Pinto Balsemão e tomou posse do cargo de Ministro da Administração Interna, no I Governo, presidido pelo Prof. Palma Carlos. Exerceu as funções de Ministro Sem Pasta, nos governos provisórios de Vasco Gonçalves (II, III e IV), entre 17 de Julho de 1974 e Agosto de 1975. Em 19 de Setembro de 1975, assumiu as funções de Ministro do Comércio Interno (VI governo provisório). No VI Congresso do PSD, em Leiria, assumiu as de Secretário-Geral, que exerceu até ao Congreeso do Porto, em Janeiro de 1978. Durante 1978, foi Presidente do Grupo Parlamentar do PSD. Em 1979, desvincula-se do PSD, para integrar a ASDI.




Dos três fundadores do PPD, Magalhães Mota terá sido o mais discreto, Sá Carneiro foi Primeiro Ministro, Balsemão também Primeiro Ministro, fundador do semanário Expresso mas, como referiu Miguel Veiga, histórico militante do PSD, ser menos evidente não quer dizer que tivesse sido menos útil. Depois do 25 de Abril, os elementos da Ala Liberal exibiram as credenciais democráticas. O seu fracasso com Caetano, veio a converter-se em sucesso em Democracia.



Voltemos atrás, como que rebobinando uma película.




Com a Guerra Fria, o republicanismo português assumiu-se como movimento atlantista, pró-NATO, pró-americano, anticomunista e adepto de uma transição pacífica para a democracia, através de diálogo com sectores mais evoluídos do regime ou de um golpe palaciano, acertado com militares, de modo a prevenir que o poder caísse na rua.




É com algumas reservas, que o republicanismo do MUD concorre nas eleições de 1949 para a Presidência da República com o Gen. Norton de Matos, em divergência táctica com a oposição polarizada pelo PC, presente no MUNAF. É a primeira vez que oposição concorreu a eleições presidenciais no quadro da Constituição de 1933. Esta campanha apesar do relativo entusiasmo que chegou a gerar, revelou dissensões na candidatura, na opção de se apresentar nas urnas, como defendiam o candidato e os republicanos.




A reacção repressiva do regime e o reflexo da desistência da ida a votos por não existirem condições de democraticidade, conjugados com o clima de crispação internacional, criaram condições para a primeira ruptura na unidade antifascista, demarcando-se a oposição republicana na sua postura democrática, atlantista e anticomunista, do PC e seus aliados. A partir daqui, Norton de Matos aproximou-se do seu sector mais moderado e conservador e interveio na campanha para a eleição da Assembleia Nacional, de 1953, ao lado da oposição de Aveiro.




Com o eclodir com a Guerra de África, muitos republicanos conservadores, mantiveram-se na linha ideológica da República, nos princípios demo-liberais, na recusa de aceitação da autodeterminação ou direito à independência dos povos colonizados, chegando mesmo a prestar algum apoio ao regime na política ultramarina, no seu esforço de guerra. Daqui em diante, releva o ocaso físico e ideológico-político da oposição republicana tradicional.




Em 1961, foi apresentado publicamente o Programa Para a Democratização da República, com a participação importante de Mário Soares, que fez uma primeira tentativa de sistematização de um programa republicano.



Em Portugal, o Estado Novo, não foi apenas um drama político-social, como por vezes se pretende fazer crer, nem a oposição, corporizada no PC, a correcta expressão de abnegação e seriedade na defesa de ideiais ou objectivos progressistas e/ou democráticos, como algumas memórias gostariam, encomiasticamente, de transmitir. Vejam-se as memórias de Pavel, Chico da CUF, Cândida Ventura, Raimundo Narciso e claro Álvaro Cunhal. Sugerimos ainda J. Silva Marques e mais recentemente, Zita Seabra. Estamos de acordo, quando esta escreveu que ninguém diga que ignorava, os comunistas portugueses sempre souberam de tudo. Ou seja, feitas as contas e assente alguma poeira, a U.R.S.S., não era um Grande Sol, e o heroísmo dos comunistas portugueses, era por vezes o possivel e à portuguesa!!!

2 comentários:

Mário Vitorino Gaspar disse...

Não conheci pessoalmente Marcelino da Mata. Conheci, e bem Gadamael Porto, onde como Furriel Miliciano e Atirador e com a Especialidade de Minas e Armadilhas. Cheguei ao largo de Bissau no dia 17 de Janeiro de 1967 e embarquei logo sem pisar terras de Bissau numa LDM. Deram-nos uma maçã gildem, uma laranja, um quarto de pão e um ovo. Também nos ofertaram , mas à parte, um destino incerto. Fome e sede o primeiro aperitivo. De Gadamael fui logo para Ganturé, o destacamento. Depois de ter as primeiras experiências, patrulhas veio logo uma ida ao "corredor de Guileje" ou "corredor da morte". Também conheci e bem Guileje. Além de Cacine, Cameconde, Cacoca e Sangonhá (estes últimos encerraram as portas) asneira de um militar de elite, o do monócolo. Conversei por duas vezes. Conversa tinha muita, mas quanto a estratégia militar era um nulo. Só fez asneiras na Guiné. Sangonhá ao ar - talvez venha esta do anterior comandante, o Arnaldinho. Mas em relação a meter um aquartelamento em pleno corredor - Gandembel, foi uma das tremendas asneiras. Deu origens a que posteriormente fechasse Ganturé e Mejo. De seguida abandona o Inferno de Gandembel. Sós e abandonados, Guileje e Gadamael. Curioso tudo aquartelamentos começados pela letra "G" de guerra - Gadamael, Guileje, Gandembel. Falto outro "G" o de Guidage, que não conheci. Mas conheci porrada, recentemente - há um ano - lancei um livro que tem a curiosidade de ser "O Corredor da Morte", conheci no IX ENCONTRO DA TABANCA GRANDE - Blogue de Luís Graça e Camaradas da Guiné, em Monte Real o Então Capitão de Guileje, o Camarada Coutinho Lima. Tive o prazer de o conhecer. Triste é saber que existem militares que não gostam dele. Traiu alguém? A atitude dele era a única. Mas conheço uma retirada, no dia 7 de Dezembro de 1968, essa sim. Esconderam-na a sete chaves, mas a Operação existiu foi a "Operação REVISTAR". Agora é que estou a ver a anotação dos g's, mas falta o outro g Gandembel. Depois veio o 25 de Abril de 1974. Fiquei contente, mas sabia não existir ninguém revoltado com o estado de coisas e com o Estado Marcelista. Admirei-me, mas nem sequer estava admirado. Apanhei o carro em andamento, e fomos todos à procura de uma nesga. Termino com uma pergunta para todos. Sei que toda a gente já pensou nela, tem vergonha de dizer. Pois a pergunta é esta: O 25 DE ABRIL FOI PARA LIBERTAR O PAÍS DE UMA DITADURA OU FOI POR OS OFICIAIS DO QUADRO SE VEREM ULTRAPASSADOS PELOS MILICIANOS?

Nota: Tive muitas actividades na vida, mas de informática nada entendo, nem vai ser com 72 anos que vou aprender. Se não forem enviados textos por E-MAIL, não estou interessado. Colaboro com textos, dou a minha opinião. Por ser directo talvez seja polémico. Revejo-me numa frase registada, registei mesmo: - «USO-ME, MAS NÃO SOU PARA USAR»

Mário Vitorino Gaspar
Ex Furriel Miliciano
Deficiente das Forças Armadas

mariovitorinogaspar@gmail.com

Mário Vitorino Gaspar disse...

A mensagem é pública. Pode ir... Sou Especialista de Minas e Armadilhas e Técnico Principal de 1.ª Lapidador de Diamantes.

Os burros do dicionário não sabem o que é um Lapidador