quinta-feira, 16 de março de 2017

A CÂMARA MUNICIPAL DE ALCOBAÇA E A OPOSIÇÃO NO TEMPO DE DR. JOSÉ NASCIMENTO E SOUSA

Jero é um dos melhores contadores de histórias da Alcobaça moderna e contemporânea. Escreve com facilidade, sensibilidade e muitas vezes com… graça, o que também é motivo de apreço.
Nunca me passaria, pois, pela ideia ensinar-lhe alguma coisa sobre a “nossa” Alcobaça, muito menos emendar comentários ou factos por ele descritos.
Posto isto, tomo a liberdade de muito benevolamente (pelo menos no meu entendimento), fazer breves aditamentos ao artigo que publicou no passado número deste jornal, sobre o antigo Presidente da Câmara, Dr. José Nascimento e Sousa.
Quando o Eng. José Costa e Sousa (que alguns ainda recordarão e que também era um excelente contador de histórias) foi colocado depois da II Guerra (1 de Outubro de 1948), nos Serviços Técnicos da Câmara de Alcobaça, houve quem o avisasse que vinha para uma “terra muito difícil”, onde o Presidente da Câmara se matava (Manuel da Silva Carolino) e a oposição ganhava eleições municipais. Na verdade este acontecimento teve ressonância nacional e o governo de Salazar, não obstante as promessas de abertura após a II Guerra, não o podia tolerar.
O Dr. Nascimento e Sousa era uma personalidade altamente conservadora e de pendor monárquico e o facto de a vereação ser composta por figuras ligadas à oposição e com respeitabilidade social, não foi fruto de sua condescendência, mas a prova de que não foi capaz de controlar a situação.
Em 2 de Janeiro de 1946 segundo O ALCOA tomaram posse, no meio de “grande expectativa quanto ao desempenho do seu múnus”, os membros da Câmara Municipal de Alcobaça, a qual era constituída pelos Dr. José Nascimento e Sousa, João d’Oliva Monteiro, Dr. João Lameiras de Figueiredo (reconhecidos  republicanos e reviralhistas), Joaquim Ferreira Gomes e Carlos de Oliveira.
Esta equipe, algo contranatura pode-se dize-lo, durou pouco tempo, cerca de um ano.
Como surgiu este “acontecimento extraordinário”, em que a oposição entrou na vereação, e que ainda hoje é recordado? Para o perceber, é necessário remontar à organização político-administrativa anterior ao 25 de Abril. A Câmara Municipal era (como hoje) o órgão colegial de gestão permanente dos assuntos municipais, composta por um Presidente e Vice-Presidente (livremente nomeados pelo governo) e por vereadores, eleitos quadrienalmente pelo Conselho Municipal. O Presidente e Vice-Presidente nomeados pelo Governo, deveriam ser escolhidos, salvo circunstâncias excepcionais, entre os munícipes do Concelho e de preferência entre os vogais do Conselho Municipal, antigos vereadores, antigos membros de comissões administrativas ou diplomados com curso superior. O Presidente da Câmara tinha como funções chefiar a administração municipal, como órgão do concelho. E ainda a de representar o Governo, de que era uma extensão, como magistrado administrativo. Isto é, o Presidente da Câmara, era simultaneamente órgão do Município e órgão do Estado.
A razão desta  organização político-administrativa, segundo Marcelo Caetano, inseria-se na “boa” tradição da nossa administração municipalista, os juízes de fora, bem como na prática seguida com sucesso em países de regime democrático, como o “Maire”, em França, o “Podestà”, em Itália e o “Burgomestre”, na Alemanha. O Presidente da Câmara era também autoridade policial em Alcobaça, visto aqui o comando local não estar cometido a oficial do Exército.
Na Espanha franquista, mantinha-se o “Alcalde”.
O regime português, alegadamente, pretendia aliar a conveniência de uma acção rápida, desenvolvida por uma entidade responsável e de confiança, dentro de um conjunto coordenado e harmónico. Ora não foi o que aconteceu em Alcobaça. Para grande surpresa do País, e da terra, o Conselho Municipal, escolheu vereadores da oposição. Para obviar este percalço e “péssimo” exemplo, que poderia alastrar pelo País, o Governo ao fim de um ano demitiu os Presidente e Vice-presidente, forçando uma nova escolha, desta vez a coberto de surpresas.
O Dr. José Nascimento e Sousa, em Maio de 1946, imperturbável a tudo isto, na qualidade de Presidente da Câmara, e em nome da “Comissão Concelhia da União Nacional (U.N.), fazia em discurso a afirmação pública (…) da nossa inquebrantável fé nas doutrinas da Pátria, conduzida pelo Governo que tem à frente esse grande português cujo prestígio há muito ultrapassou as fronteiras do País e o impõe ao respeito e consideração do mundo: o Dr. Oliveira Salazar (…), e pessoal de que o (…) meu indefectível nacionalismo se enraíza e fortalece no muito amor que tenho à minha terra. (…) O povo do meu Concelho que hoje e sempre, com o entusiasmo que lhe dá a sua inquebrantável Fé, levanta-se e diz: Viva Portugal! Viva Carmona! Viva Salazar!”

Mas isso não o livrou de ser substituído, não reconduzido, o que lhe causou alguma mágoa. Foi o Dr. Júlio Frederico de Guimarães Biel quem o veio a substituir.

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