J. E. Raposo de Magalhães
(filho
de João de Magalhães e de Maria Silvéria Raposo), foi neto do último Ouvidor
dos Coutos de Alcobaça, José Emílio de Magalhães (cargo hereditário
na família desde o século XVIII).
Estudou na Universidade de
Coimbra, onde
se licenciou em Engenharia Civil no ano de 1862, sendo Bacharel em Filosofia e
Matemática. Em Coimbra estabeleceu relações com Afonso Costa e, embora mais
novo, com alguns personagens da Geração de 70.
Desde cerca os 25 anos, administrou os bens
da família materna, que veio a herdar, importantes proprietários, com fortuna
feita na madeira e arrematadores de propriedades agrícolas e florestais
do Mosteiro de Alcobaça após a extinção das ordens
religiosas. Construiu as adegas que vieram a integrar o Museu do Instituto
Nacional da Vinha e do Vinho, em Alcobaça, durante os últimos anos encerrado,
mas ao que se espera com perspetivas de ainda reabrir, e foi um dos pioneiros
da técnica da pasteurização em Portugal. Ganhou com os seus
produtos agrícolas, medalhas em exposições internacionais.
O neto Fernando (que aliás mal conheceu),
recordou que em 1880, José Eduardo Raposo de Magalhães, integrava o pequeno
escol republicano de Alcobaça, sendo em 1907 membro do recém-criado Centro
Republicano Democrático de Alcobaça, cuja Direção, eleita em 12 de dezembro de
1907, era constituída por José Ferreira da Silva, Sebastião Vazão, Manuel
Serrano de Figueiredo, Joaquim Ferreira da Silva, José de Sousa Vitorino. O
Conselho Fiscal era presidido por António de Sousa Neves e integrava Manuel
Pereira dos Santos e João António Vasco. José Eduardo Magalhães foi eleito
Presidente da Assembleia Geral, a par de Eurico Araújo e Aniceto Rosa, e
integrou as listas do PRP, para as Cortes, embora não tenha sido eleito. Por
alegados motivos de saúde (cuja natureza não apuramos junto do neto Fernando.
Seria mesmo motivos de saúde? Talvez não…). J. Ed. Raposo de Magalhães
afastou-se durante algum tempo, da atividade político-partidária, recusando
integrar as listas da Comissão Municipal de Alcobaça, para o triénio de
1909/1911. Com o 5 de Outubro de 1910, foi escolhido por António José de
Almeida para exercer as funções de Governador Civil de Leiria, o que aconteceu
até 17 de junho de 1911, em que foi pediu a exoneração. O curto mandato de José
Eduardo Raposo de Magalhães, foi assinalado por incidentes, reclamações e denúncias
contra órgãos administrativos do Distrito de Leiria, que o levou, que mandasse
instaurar sindicâncias à Câmara Municipal de Figueiró dos Vinhos, ao Hospital
D. Leonor em Caldas da Rainha, à Administração da Confraria da Nazaré e à
Administração do Concelho da Batalha. Essa isenção, mal aceite por alguns
correligionários, traduziu-se, entre o mais, na alegada proteção conferida a
monárquicos, prisão de arruaceiros republicanos que impediam as reuniões
daqueles, o que acarretou a intervenção (pessoal) do ministro António José de
Almeida, para os soltar.
As dissensões no Governo Provisório
começavam cedo a manifestar-se e as fraturas programáticas, ideológicas e de
caráter pessoal vieram a público. A união que juntara os revolucionários no
derrube da monarquia, revelou-se precária e o Ministro do Interior António José
de Almeida, tentou resistiu ao controlo do Estado pelos republicanos mais
radicais, negando-se a preencher o aparelho com meros revolucionários,
independentemente da competência profissional, que no seu enunciado não deveria
prevalecer sobre a militância político-partidária.
O alcobacense Américo d’Oliveira (herói da Rotunda), viu ser-lhe recusado
um emprego como fiscal dos caminhos-de-ferro, o que levou a mal e a esfriar as
relações com António José de Almeida (que, como se recorda, discursara no
jantar de homenagem a Américo d’Oliveira).
Com a promulgação da Lei Eleitoral para a
Assembleia Constituinte, foi acusado de favorecer a eleição de monárquicos, o
que não aconteceu, pois estes não concorreram. Foi bastante censurado por
defender amnistias a contra revolucionários (monárquicos) e grevistas, bem como
pelas críticas à Lei da Separação, que reputou de exagerada e lhe acarretou
tensão nas relações com Afonso Costa.
A participação de Delegados Especiais do
Governo Provisório, na fiscalização das assembleias de voto na área do Círculo
de Leiria (o que considerou uma afronta aos brios partidários e cívicos do povo
do Distrito), bem como manipulações impróprias por parte de elementos do Diretório Republicano nas listas do
partido, terão sido determinantes no pedido de demissão de Raposo de Magalhães,
levando-o a regressar a Alcobaça.
Na sessão de 31 de maio de 1911, o
Vice-Presidente da Câmara Augusto Rodolfo Jorge redigiu a seguinte proposta: A Comissão Administrativa da Câmara
Municipal de Alcobaça lamentando profundamente a resolução tomada pelo grande
governante deste Distrito e lamentando ainda mais a causa que deu lugar a essa
resolução, que mais uma vez demonstra o quanto é nobre e independente o seu
caráter e o seu sentir, em seu nome, e em nome de todo o povo do Concelho que
representa, tem a honra de lhe manifestar a sua admiração pela forma impecável
como desempenhou o seu importante lugar ao qual, pelo Bem da Pátria e elevação da
República, sacrificou a sua saúde e os interesses da sua importante casa.
Esta proposta foi especialmente saudada na
Câmara, com a exceção do vereador José de Magalhães que se retirou no momento
da votação, pelo que foi decidido deslocarem-se todos à residência de José
Eduardo Raposo de Magalhães, a fim de lhe dar conta da deliberação e
prestar-lhe homenagem.
Na Sessão de 7 de junho de 1911, o vereador Ceslau Ribeiro dos Santos, fez
a seguinte exposição: Lamento que não
pudesse assistir à última sessão desta Câmara, por julgar essa ocasião a melhor
oportunidade de lamentar o meu enérgico protesto contra a atitude do Governo,
mandando delegados seus fiscalizar as assembleias eleitorais onde o predomínio
republicano era evidente, considerando essa fiscalização uma afronta e alta
desconsideração ao sincero e leal caráter do partido republicano deste
Concelho, que tantas provas tem dado do seu honrado civismo. E ao mesmo tempo
desejo fazer sentir nesta sessão quanto é o meu enorme pesar, que me vai na
alma, pela demissão do ex-chefe deste Distrito, Ex.mo Sr. Dr. José
Eduardo Raposo de Magalhães, por a considerar um desaire, ou até mesmo um
desastre, na boa orientação dos serviços da República do mesmo Distrito. Em
vista pois tão lamentáveis ocorrências que ferem e magoam o coração de todos
quantos o sangue puro lhes punha nas veias pela prosperidade da Pátria,
proponho (o que foi aprovado por unanimidade): que se lance na ato um voto de louvor ao mesmo Ex.mo Sr.
Dr. José Eduardo Raposo de Magalhães, pela sua nobre resolução e bem assim ao
Sr. José Coelho da Silva, que lhe seguiu o exemplo, pedindo a demissão de
administrador do Concelho.
O Centro Democrático de Alcobaça, nomeou uma
comissão de personalidades locais com o objetivo de lhe fazer chegar uma
mensagem de desagravo, apreço e estímulo, da qual também faziam parte o
Governador Civil interino/Eduardo Martins da Cruz, o proprietário/José de
Oliveira Zúquete, o notário/João Pereira Gomes, o Vice-Presidente da Câmara
Municipal de Leiria/José Jacinto de Assunção e o Administrador do
Concelho/Gaudêncio Pires de Campos.
Para festejar a vitória da lista oficial do Partido Republicano, onde já
havia várias e profundas clivagens, houve manifestações de regozijo na Vila,
com um cortejo a partir do Centro Democrático Republicano (onde a Fanfarra de
Alcobaça tocou A Portuguesa e foi servido uma taça de champanhe aos amigos correligionários), com a
participação de algumas pessoas dando largas ao contentamento. O cortejo
dirigiu-se, também, a casa de José E. Raposo de Magalhães que desceu para
agradecer.
A Filarmónica da Maiorga, no dia seguinte,
acompanhada de populares e empregados da Companhia de Fiação e Tecidos, aonde
não faltou Fernando Alípio Sá, no meio de vivas e foguetes, dirigiu-se para o
Centro Republicano que festejava o seu 4º. aniversário com a presença da sua
pequena banda.
Terá sido importante no pedido de demissão,
a publicação do Decreto, de 4 de maio de 1911.
José Eduardo Raposo de Magalhães, como
agricultor e burguês mais que político, defendia um nacionalismo agrário redentor, um
Portugal que precisava para além da mudança de regime, a emancipação económica contrariando
a crónica dependência do estrangeiro.
Magoado
com o que qualificou de facada pelas costas, liderou um movimento contra o
diploma, para o que chegou a editar e distribuir a suas expensas o opúsculo Aos
Proprietários e Lavradores do Concelho d’Alcobaça. Considerações Acerca das
Declarações, que lhes são Impostas pelo Decreto de 4 de maio de 1911, em que
atacava a política fiscal governamental relativamente à propriedade fundiária e
agrária.
A
partir daqui, a política ativa deixou de fazer parte dos seus objetivos e
interesses imediatos, pelo que orientou a vontade e energia, para os afazeres e
gestão da propriedade agrícola. Todavia, veio a integrar algumas Comissões
Administrativas Municipais depois do sidonismo. Até morte viveu, na sua Quinta
da Cova da Onça/Alcobaça, situada na antiga cerca do Mosteiro.
Raposo
de Magalhães que, além de bom apreciador de música também era intérprete,
apreciava A Serrana. Trata-se da ópera de Alfredo
Keil que mais tempo perdurou no tempo, aliás a primeira com libreto em
português de autoria de Henrique Lopes de Mendonça (coautor de A Portuguesa),
inspirado num romance de Camilo Castelo Branco, estreada com sucesso no Teatro
São Carlos, em março de 1899.
De Alfredo Keil é a sua peça musical mais conhecida, com a óbvia
exceção de A Portuguesa, a qual no século XX, foi levada à cena mais onze
vezes.
Raposo de Magalhães, concluía que uma coisa
era o que a propaganda republicana dizia antes da implantação da República, o
que depois era feito e o que era dito sobre o que então fora dito.
Portugal era um país incipientemente
industrializado e de pequenos centros urbanos.
A maioria da população vivia no campo, onde
fazia uma agricultura de subsistência e sem horizontes. J. V. Natividade,
haveria de descrever Alcobaça, com carinho: Neste
oceano de verdura aparece Alcobaça, cercada de pequenos montes, cobertos de
pujante vegetação, que a protegem como poderosa muralha natural. A casaria
branca parece erguer-se do seio dos rios que a cruzam e, como um bloco
gigantesco, o enorme mosteiro domina ainda hoje, como outrora, a povoação que
se estende a seus pés.
Alcobaça não era um lugar no fim do mundo.
Havia uma estação de caminho de ferro em Valado de Frades, a cerca de cinco
quilómetros, embora servida por maus acessos. Em cada verão, as famílias com
mais posses, iam passar temporadas de um a três meses de banhos, à Nazaré
preferentemente ou a S. Martinho do Porto.
Sem comentários:
Enviar um comentário