O Semana Alcobacense estava, porém, a radicalizar posições, com
textos sobre o momento político, onde se fazia o apelo à revolução, não
excluindo o regicídio. O
jornal utilizava como armas um jornalismo militante que se encarregava,
sistematicamente, de zurzir pela escrita mordaz, os adversários com afinco,
especialmente não republicanos. (…) A situação portuguesa não é solúvel dentro
das fórmulas legaes e normaes; ela tem que ser inevitavelmente resolvida por
ato violento que córte radicalmente o nó górdio da situação, isto é, que
destrua até os fundamentos da ordem político-jurídica subsistente e a substitua
por outra que corresponda inteiramente às exigências da moral social e das
aspirações e do sentimento cívico e patriótico dos portugueses. Assente isto, e
estabelecido que a ordem política a instituir é a República, visto como causa
originária do conflicto nacional reside na existência da Monarchia; reconhecida
a urgência desta substituição - que já tarda -, ocorre perguntar:- Conta a
democracia, isto é, o partido republicano, com os elementos necessários para
proceder a este ato urgente? (…).
Também não repudiava
alinhar numa campanha (primariamente) anticlerical, pois na Alemanha vae uma inferneira dos diabos,
porque o Papa fez publicar uma encyclica aggravando os povos e princípios
protestantes, estando até iminente um conflicto diplomático, por causa das
palavras insultuosas de Pio X. Nenhuma razão achamos para tão grande celeuma.
Motivo achamos sim, mas é para estranhar os despeitos e a attitude hostil dos
allemães para com o Vaticano. O Papa falou contra aquelles que andam fora da
obediência ao seu cajado de pastor da cristandade? Deixae-o lá! Está no seu
papel – que é preciso ir reduzindo às legítimas proporções de uma simples
religião… prehistórica.
Durante cerca de 30 anos
este semanário foi quase o único jornal da Vila. Passou ao longo desses anos
por inúmeras dificuldades, a que não foram estranhas a falta de assinantes e
receitas de publicidade, bem como dissensões internas quanto à orientação
editorial. Após vários anúncios de eventual encerramento, o jornal suspendeu a
publicação em 3 de julho de 1921, reaparecendo com outros responsáveis em 7 de
maio de 1922 até 29 de abril de 1923, em que encerrou definitivamente. Tinha
poucos assinantes e publicidade, além de que os que compunham o corpo
redatorial estavam zangados, de costas viradas uns com os outros.
O ardor republicano em
Alcobaça que estava a desvanecer, ficara registado, por exemplo, numa
fotografia de Carlos Gomes de 1908, a propósito da visita de Bernardino Machado
(a vontade era mesmo convidar António José de Almeida), para a inauguração
do Centro Republicano Democrático e ali usar da palavra, bem como realizar uma
conferência no teatro.
Nessa altura os correligionários do ilustre e
simpático democrata preparam-lhe uma fraternal
receção, indo alguns esperá-lo à estação de caminho de ferro de Valado de
Frades, enquanto outros, o aguardaram em Alcobaça, pelo que formado um cortejo,
acompanharam-no até a casa de José Eduardo Raposo de Magalhães, onde ficou hospedado,
na falta de instalações condignas e por razões de companheirismo político.
Depois de ter assistido à inauguração do
Centro (onde foi servido um porto que a Casa Ferreira da Silva, tinha recebido
de S. João da Pesqueira), Bernardino Machado dirigiu-se para o teatro no
Mosteiro, a fim de realizar a sua conferência com sala lotada, tendo ficado
pessoas à porta. Nos camarotes, viam-se senhoras, havendo na assistência
indivíduos pertencentes a outros credos políticos como monárquicos, o que foi
motivo de admiração e pretexto para se dizer que não faltavam pessoas que se preparavam para passar para o outro lado da
barricada.
Quando Bernardino Machado, apareceu no
palco, bem como no decurso da conferência, ouviram-se prolongadas e calorosas
salvas de palmas e vivas.
Francisco Batista Zagallo em rápidas e
breves palavras fez a apresentação do conferencista Terminada a conferência, o prestigioso democrata subiu para a
caleche rumo ao palacete de José Raposo de Magalhães, onde ocorreu uma receção
a republicanos e se trocaram brindes. Bernardino Machado retirou no dia
seguinte para a Foz do Arelho, para cumprimentar Afonso Costa que ali se
encontrava a passar uns dias, seguindo só depois para Lisboa.
Antes da partida de Alcobaça, Bernardino
Machado ainda visitou o Hospital da Misericórdia, o Mosteiro, o museu de Vieira
Natividade e diversos pontos da vila, tirando na Fotografia Rebelo, de Carlos
Gomes, o supra referido retrato com a comissão municipal republicana e outros
correligionários.
Apesar de ter sido um homem ligado ao
sistema político monárquico, dele se foi afastando aos poucos, assumindo
convicções republicanas. A sua intransigência, tal como Afonso Costa ou
Alexandre Braga, relativamente à questão dos Adiantamentos à Casa Real, não
colhia, a simpatia do Paço Real. É de referir que, não obstante o entusiasmo e
empenhamento no sucesso da República, não criticava muito severamente D.
Carlos, que reputava como vítima da irremediável decadência que tinha atingido
a Monarquia, já que os seus principais responsáveis não tinham energia para
enfrentar a situação e a defender. Em 1903, pronunciou no Ateneu Comercial de
Lisboa, o discurso Da Monarquia para a República que lhe valeu o trampolim para
ser eleito Presidente do Diretório do PRP/Partido Republicano Português.
Bernardino Machado veio a lamentar o
regicídio, por o entender desnecessário para o surgimento de uma República que
conduzisse Portugal pelos novos tempos e rumos.
Em abril de 1906, em companhia de Américo
d’Oliveira e de seu primo Rodrigo Lopes d’Oliveira Júnior, tinha estado em
Alcobaça Artur Leitão, conhecida figura do Partido Republicano, e Miguel
Machado, filho de Bernardino Machado. Aproveitando a sua estada em Alcobaça,
fizeram duas conferências no Centro Republicano, apesar de funcionar em
instalações pequenas e precárias, o que impedia afluência de público e muito
especialmente dos não militantes, ao contrário do teatro.
O republicanismo local, imputável mais a um
grupo restrito que à generalidade da população genericamente conservadora, não
era fácil de manter, pelo que ia esmorecendo, perante os repetidos conflitos
pessoais com cortes de relações e picardias, bem como as dificuldades de vida
que o município de parcos recursos não conseguia minorar. A implantação da
República acarretou alguma emoção nos primeiros tempos, apesar dos exageros
relativamente a personalidades respeitáveis, à Igreja corporizada no clero, mas
a guerra na Europa acarretou um pequeno (mas nada generalizado) refrear de
ímpeto militante.
A alvorada do dia 5 de Outubro de 1914, foi
anunciada em Alcobaça, do morro do castelo, com uma salva de 21 morteiros, para
a qual foi realizada uma subscrição. Durante o dia a bandeira verde e rubra,
conservou-se hasteada nos edifícios públicos, depois iluminados à noite, e em
algumas casas particulares de indefetíveis republicanos. Como não tivesse
havido possibilidades materiais para contratar uma filarmónica para atuar
naquele dia, a Comissão Executiva da Câmara Municipal conseguiu, graças ao
empenhamento de Eurico Araújo, com a autorização de Pereira Caldas, Comandante
dos Grupos de Artilharia aquartelados no Mosteiro, que a respetiva charanga,
desse uma audição na parte de tarde, no coreto da Praça. Aí apareceram algumas
famílias que aproveitaram o momento de descanso para farnelar, tanto mais que
esteve um belo dia de início de outono.
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