Coincidente
com Os Santos, é o “Pão por Deus”,
que tinha, tradicionalmente nesse dia, o seu ponto alto, como me recordou Ti’
Zé.
Eram
os tempos difíceis do-pós II guerra e, em particular, da austeridade do Estado
Novo. Cada dia do calendário litúrgico era respeitado com atenção. Os sinos da
igreja tocavam as Avé Marias e havia procissões nos Ramos, na Quinta-Feira da
Ascensão e, nas festas da terra. Os sinos ouviam-se bem cedo, porque o Padre
chamava os fiéis à missa da manhã e, ao Domingo, a ida aos principais atos
religiosos, era uma espécie de obrigação de que se gostava e nunca se dispensava.
-“Ó Ti’ Zé, dá um
bolinho?”
Esta
será, provavelmente, uma das tradições antigas e ainda arreigadas, dos
distritos de Coimbra e Leiria (Concelho de Alcobaça, obviamente), que se
estende pelo litoral até perto de Lisboa e que mais se aguentou. Não conheci
este costume no Norte. Dada a sua especial ligação às crianças e o seu
simbolismo afetivo e etnográfico, continua a conquistar a adesão das populações
do campo.
Broas,
rebuçados, frutos secos ou mesmo uma moedinha, iam enchendo a saca, normalmente
de pano, usada a tiracolo. Mas, mais do que essas oferendas, era importante o
convívio da pequenada, a diversão e o acolhimento afável dos adultos. Muitos
pais acompanhavam os mais novos, meninos e meninas, e também eles acabavam
contagiados pelo divertimento, dizia-se em casa de meus Sogros. Era um dia
diferente, todos estavam prontos para partilhar uma guloseima, um acolhimento,
deixar um sorriso a cada “pedinte”.
Dia alegre, solidário, pacífico, entregue ao ritmo irrequieto, saltitante e
alegre dos bandos de criançada a ver quem conseguia encher mais rapidamente o
saco.
Cremos
diferentemente do que também escreveu Moisés Espírito Santo, natural da
Batalha, professor universitário e sociólogo das religiões, que era mesmo a
necessidade que motivou, em tempos remotos, esta andança. A fome chegou mesmo a
ser uma realidade presente na sociedade portuguesa, sobretudo rural. Não era
raro encontrar mendigos pela rua (a mendicidade nunca se extinguiu por decreto),
à procura do sustento, que não conseguiam obter de outra forma. Neste dia,
abriam-se as portas e punha-se sobre a mesa o que havia para comer. Havia que
aproveitar. Pedir “Pão por Deus”, aliava o útil ao agradável. Era,
por isso, hábito neste dia os mais velhos saírem também de casa, para dois
dedos de conversa com os vizinhos, uma merenda em comum, um teste à qualidade
da água-pé nas adegas mais fornecidas e para o fim da tarde, saciados os vivos,
recordarem-se os mortos.
Mas
como dissemos não é propriamente esta a elaborada tese de alguns sociólogos muito
“evoluídos” acerca da origem do “Pão Por Deus”, pois que teria a ver com “o fim das colheitas. Outrora os
trabalhadores nem sempre eram pagos, porque não eram assalariados. Então no
início do inverno, os proprietários pagavam os “favores” aos que trabalhavam a terra. São vestígios
muito arcaicos do pagamento em géneros, em que as pessoas batiam à porta dos
proprietários que ofereciam um pouco do que a casa produzia. “O Pão por
Deus” tem origem nesses antigos costumes
do trabalho não pago”.
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