Foi em meados de outubro de 1912 que (segundo
reza a memória ou lenda alcobacense), terá ocorrido
ao Deputado pelo Círculo de Alcobaça Afonso Ferreira (para ocupar algum
tempo disponível, já que não se encontrava na sua roça em S. Tomé, mas em
férias parlamentares), a ideia da construção na vila de uma escola infantil.
A ideia era excelente, teve muito e sem
reservas acolhimento, mas esbarrava com a falta de recursos do Município. Mas
um republicano expedito, haveria de encontrar a solução. A Junta de Paróquia de
Alcobaça tinha um pecúlio, obtido com a venda das capelas demolidas de Stº.
António e da Srª. da Paz. Afonso Ferreira, era de opinião (que pode confirmar)
que a Junta da Paróquia não iria recusar-se a contribuir para que obra tão
meritória fosse concretizada, o que na verdade aconteceu, com a importante
quantia de 3.000$00.
Com esta garantia, Afonso Ferreira
encontrou-se com o seu amigo Arq. Raúl Lino, apesar das muito diferentes
origens sociais (Afonso Ferreira fora barbeiro em Leiria, de onde era natural),
o que acarretou uma alteração no plano inicial. Não se iria fazer em Alcobaça
uma Escola Infantil, outrossim um Jardim-Escola.
Raúl Lino, fora o
autor do projeto do edifício do Jardim-Escola João de Deus, inaugurado em
Coimbra, embora a propriedade fosse da Associação das Escolas Móveis.
Graças à mediação de
João de Deus Ramos, filho do poeta João de Deus, decidiu-se prosseguir o modelo
de um Jardim-Escola, segundo o método João de Deus, cabendo a Alcobaça a
possibilidade de ser a terceira terra do País dotada com um estabelecimento de
ensino com essa orientação.
O Jardim Escola de
Coimbra fora construído em terreno doado pela Câmara Municipal, junto ao Jardim
Botânico. O projeto, executado segundo a orientação de João de Deus Ramos, foi
oferecido aos promotores. A obra viria a ser paga com diversos donativos e
receitas de serões musicais organizados pelo Orfeão Académico de Coimbra,
dirigido por António Joyce, o que ainda hoje é motivo de orgulho por parte
daquele agrupamento coral (de que o ora autor fez parte na década de 1960).
No meio de tanta desorientação em assuntos educativos, a
obra nacional de João de Deus ficará firme, duradoura e utilíssima, como
genuinamente nacional,
refere o Relatório de Atividades da Associação de Escolas Móveis pelo Método
João de Deus, referente a 1908.
A denominação Jardim-Escola decorre das
alemãs escolas froebelianas que se chamavam Kindergarten/Jardim de Infância.
Froebel, graças a uma forte influência romântica, concebia a criança como uma
planta humana que necessitava de condições do meio para poder germinar, um ser
repleto de potencialidade. A infância é um período de atento acompanhamento,
durante o qual deve ser cultivada como semente recém-plantada. A formação,
hábitos, atitudes, caráter e força de vontade são aspetos interligados com a componente lúdica da aprendizagem que concebia a
evolução da criança, conforme uma conceção positivista de que as atividades levam espontaneamente ao
conhecimento. Para João de Deus Ramos educar implicava dar uma formação
intelectual, física e moral.
Por isso, as crianças mais pequenas são
chamadas de Viveiro, isto é, a génese da planta.
O edifício do Jardim
Escola segue um estilo arquitetónico criterioso, sendo todos eles bastante
semelhantes.
Tentou-se ser o mais
parecido com a típica casa portuguesa, alegadamente para que a criança se sinta
confortável, como decorre da fachada com arcadas, alpendre, telhados de 4 a 7
águas, um grande salão central (ponto de reunião dos alunos) e recreios. Não
pode faltar a sala de aritmética e a do método/leitura, o refeitório e os
banhos. Não existem corredores e as salas (cada uma com uma educadora e uma
auxiliar) são espaçosas e providas de luz natural.
O ensino tem caráter
social, pagando as famílias consoante o rendimento, sendo por isso vários os
escalões das propinas. Para dissipar as diferenças sociais, as crianças usam bibe
(o das menina tem babeiro), calçam alpercatas e sempre que tenham atividades ao
ar livre em ambiente soalheiro, utilizam um chapéu.
Quando, em 1876, foi
publicada a Cartilha Maternal com o subtítulo Arte da Leitura, a esmagadora
maioria dos portugueses não sabia ler, nem escrever, pelo que esta propunha-se
ajudar a resolver um dos grandes problemas nacionais.
Em 1876, menos de um
ano após a morte de António Feliciano de Castilho e perante a
descrença em que caíra o seu Método (que não se conseguira impor), João de
Deus envolveu-se nas campanhas de alfabetização nacional, criando a Cartilha
Maternal,
um novo método de ensino da leitura, que o haveria de distinguir como pedagogo
ímpar. A intelectualidade e o professorado já
estavam preparados para aceitar a alteração metodológica, pelo a partir daí
começou a difundir-se o chamado Método João de Deus e em 1882,
por decisão das Cortes (numa iniciativa do deputado açoriano Augusto Ribeiro),
sendo decretado o uso da Cartilha Maternal na escola. Esta obrigatoriedade
seria mantida até 1903,
quando o Método se tornou
facultativo.
A Cartilha
Maternal, num processo algo semelhante ao esforço que 25 anos antes Castilho empreendera, para
além daquela experiência, incorporou os trabalhos de outros pedagogos dando-lhe, todavia,
segundo alguns estudiosos um caráter menos infantilizante.
A obra foi saudada
como utilíssima e genial por incontornáveis intelectuais da época, como o grande Herculano ou Adolfo Coelho.
Numa era de novas
tecnologias, o sistema pedagógico de João de Deus ainda funciona e mantem-se, o
que confirma que, por vezes, as inovações não substituem o que existe de bom.
Na metodologia João de Deus não há prémios nem castigos formais, o que é
considerado um ponto essencial. A criança deve fazer o bem porque é uma ação
correta, não por se encontrar interessada em receber uma recompensa.
A criação das Escolas
Móveis públicas foi uma das medidas da I República, para combater o
analfabetismo, reeditando a experiência das Escolas Móveis particulares. As
Escolas Móveis republicanas, pretendiam colmatar a falta de instituições
escolares em muitas zonas do país, ministrando conhecimentos rudimentares. As escolas móveis republicanas não tiveram
execução imediata mas tiveram, entretanto, melhor futuro do que as escolas
infantis. Dois anos depois da sua criação o Estado abriu o necessário crédito
para as pôr a funcionar, resignando-se a permitir, para mais rapidamente lhes
dar início, que fossem nomeados seus professores «quaisquer estudantes de
diferentes estabelecimentos de ensino do Estado», o que, em princípio, nem
sequer excluía os alunos dos Liceus (decreto de 25 de outubro de 1913). Nesse
mesmo ano foram criadas 172 escolas móveis destinadas apenas a adultos. A
frequência anual destas escolas, com alguns altos e baixos, foi da ordem dos
13.000 inscritos, quantitativo muito estimável que se cifrou, à data da sua
extinção, em 1930, em mais de 200.000 indivíduos de ambos os sexos de quem essa
escolas se aproximaram, dos quais cerca de metade fez o seu curso com
aproveitamento.
O ensino da religião não é
prestado de modo sistemático, não se fala de cristianismo no Jardim-Escola.
Crer em Deus sendo imanente a todos os seres humanos, não impõe a necessidade
de abordar o tema. A ética, a moral e as normas de conduta social, devem ser
aprendidas como convívio diário das crianças num conjunto interclassista.
Apesar de não haver especificamente ensino religioso, (não há aulas de
religião) os alunos festejam o Natal, a Páscoa e os Jardim-Escola, possuem
símbolos religiosos cristãos como a cruz, bem com poesia religiosa de João de
Deus, reproduzida nas paredes.
João de Deus Ramos, veio a Alcobaça fazer
uma conferência nos Paços do Concelho, no dia 2 de dezembro de 1913, com a
intenção de divulgar a feição pedagógica do Jardim-Escola João de Deus.
Em 2 de janeiro de 1913, a Câmara Municipal
deliberou oficiar à direção das Escolas Móveis, dando conta do donativo da
Junta de Paróquia e da disponibilização gratuita de terreno seu, na Praça do
Município, decisão que mereceu objeções por parte de muitos alcobacenses e que
fez atrasar o processo, tanto mais que implicou arranjos na Praça.
O Jardim Escola aí se manteve até serem
efetuados os arranjos urbanísticos a propósito da visita de Isabel de
Inglaterra, em 1957. Nessa altura, o edifício foi demolido e reconstruído no
Parque da Gafa, onde ainda se encontra.
Criou-se então a lenda que com a demolição,
todas as peças foram identificadas e numeradas para refazer o edifício rigorosamente como o original. Lenda
apenas.
O Caderno de Encargos previu o
aproveitamento dos materiais do primitivo edifício que não se encontrassem em
mau estado de conservação ou fossem prejudicados durante a demolição. Ainda há
em uso portas do primitivo edifício, bem como mesas da cantina e da sala de
aula dos alunos dos 4 anos.
As pinturas que se encontravam em bom estado
nas portas, persianas e caixilhos foram reutilizados no novo edifício, levando
retoques e nova demão de esmalte.
A 23 de janeiro de 1913, a Câmara Municipal
recebeu um ofício da Associação das Escolas Móveis, a agradecer a ofertas e a
dar aprovação a uma comissão, a qual ficou constituída por Augusto Rudolfo
Jorge (durante anos a verdadeira alma do estabelecimento escolar de Alcobaça),
João Ferreira da Silva, José Lopes Pelayo, Joaquim Marques, Sebastião dos
Santos Vazão e Mário Sanches Ferreira.
Na sessão de 6 de março seguinte, a Câmara
fez entrega do terreno ao Jardim Escola e em 11 de junho seguinte (Presidente
da Comissão Executiva Eurico Araújo), oficiou a Associação das Escolas-Móveis,
solicitando que fosse dado andamento aos trabalhos de edificação do
Jardim-Escola, sendo-lhe respondido que João de Deus Ramos, entretanto
Governador Civil de Coimbra, oportunamente viria a Alcobaça para esse fim.
A arrematação da empreitada do edifício
ocorreu a 19 de setembro de 1913, tendo sido adjudicada António Aurélio
Rodrigues, por 2.000$00, e no dia 6 de outubro fez-se o lançamento da primeira
pedra. No dia 18 de fevereiro de 1914, era afixado no edifício o pau de fileira
(peça triangular de madeira ou ferro sobre cujo vértice assenta a cumeeira,
sendo esta a parte mais elevada de uma casa, na junção das duas águas do
telhado), ato solenizado com festivas manifestações.
Nos princípios de junho fez-se a arrematação
do fornecimento de assentamento de dois portões e da grade para vedar o recinto
à Serralharia Pereira & Coelho, por 125$00, assim como de diversas cantarias
e outros serviços correlativos, ao empreiteiro António Aurélio Rodrigues, por
125$00.
Na altura, foi decidido que, não obstante a
impossibilidade de estar terminada a instalação do edifício, este faria a sua
inauguração oficial no dia 15 de agosto, (feriado municipal), pelo foram
abertas as inscrições para a admissão de um máximo de 60 crianças, número que
de imediato foi ultrapassado.
Tendo eclodido a guerra europeia, adiada foi
a inauguração do Jardim-Escola João de Deus/Alcobaça para o dia 1 de dezembro
de 1914.
Vieram assistir ao ato João de Deus Ramos e
João de Barros, Diretor Geral de Instrução Primária. A Banda da Maiorga também
se quis associar ao momento.
Com mais ou menos facilidades, o
Jardim-Escola de Alcobaça tem sobrevivido. A título de curiosidade note-se que
em meados de 1949, o médico Dr. João Lameiras de Figueiredo, Presidente da
Comissão de Assistência ao Jardim-Escola de Alcobaça, oficiou ao Presidente da
Direção da Associação de Jardins-Escola João de Deus, dando conta da precária
situação daquela, decorrente de a Câmara ter suprimido o importante subsídio
anual de 5.600$00, ao que por sua vez foi respondido que iria continuar a
enviar os recursos materiais possíveis.
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