-TERRA DE NINGUÉM, AV: AFONSO COSTA E TRÉGUA DE NATAL-
Alguns soldados portugueses ficaram perplexos e possuídos de
sentimentos contraditórios ao ouvirem relatos que em algumas trincheiras do
front, na véspera e Dia de Natal de 1914, soldados de ambos os lados, haviam
cessado momentaneamente as hostilidades, tendo saído das trincheiras de modo a
trocaram No Tempo de Reis, Republicanos & Outros. A I República em Portugal
& Alcobaça.
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saudações festivas, entoarem canções
natalícias, entregarem pequenos presentes ao inimigo.
A tensão entre as tropas de ambos os lados baixou, a ponto de
se poder jogar futebol.
Terra de Ninguém era a faixa de terreno entre duas
trincheiras inimigas, terreno difícil de passar, o mais perigoso pois havia que
escapar as explosões, ultrapassar as inúmeras barreiras de arame farpado, as
crateras cheias de água e de lama provocadas pelos obuses. Terra de Ninguém,
chegou a ser apelidada no setor português, de Avenida Afonso Costa, como forma
de os militares exteriorizarem o repúdio pelo facto de serem obrigados a
sujeitarem-se a esse espaço de horror e morte, personalizando o ressentimento
no Chefe do Governo.
André Brun in A Malta das Trincheiras, escreveu que (…) entre
a nossa linha e a sua um terreno vago, cavado de crateras, nesta altura do ano
cheio de ervas e onde teimam em medrar alguns arbustos. É a terra que nem é
nossa, nem do inimigo, o no man's land dos ingleses, a terra de ninguém. Os
poilus de França encontram para a designar um termo de alto pitoresco.
Chamam-lhe le billard. (...) Nos intervalos das ofensivas, nos meses
intermináveis da guerra puramente de trincheiras, é na terra de ninguém que se
trava toda a luta de infantaria. De dia é serena. Mirada dos postos de
observação é uma tranquila faixa de terreno, onde a vegetação ondeia no vento.
De longe em longe, a certas horas da tarde, levanta-se nela, após um estampido
longínquo e um silvo rápido, um geyser de terra. É uma granada de regulação de
tiro, que procura os arames ou referência ás primeiras linhas (...).
Essa Trégua de Natal, que ocorreu à revelia dos comandos não
se repetiu.
O número de baixas aumentou os sentimentos de ódio
recíprocos, e essa altura do ano, passou a ser aproveitada para fazer propaganda.
Em 1916, após as carnificinas de Somme e Verdun e com o início do uso
generalizado de gás venenoso, os soldados cada vez menos encaravam o adversário
como ser humano que diabolizavam e representavam de forma desumanizada,
instigados ao ódio. O gás venenoso, uma das mais impressivas marcas deste
conflito, já há algum tempo era conhecido, mas os comandos mostravam reservas
em o utilizar, porque o consideravam uma arma incivilizada.
O uso de meios químicos em teatro de guerra não foi uma
invenção deste conflito, mas a diferença relativamente a situações anteriores
decorreu da sua aplicação como arma de uso deliberado, sistemático e intensivo.
Depois do primeiro ataque alemão com gás de cloro (abril de 1915 em Ypres), os
Aliados passaram a utilizar máscaras de almofadas de algodão, que iam sendo
absorvidas em urina. Este gás tinha a des/vantagem de, após ser lançado, os
soldados continuarem a combater,
só morrendo ao fim de algum tempo. A
iniciativa do uso do gás coube à Alemanha possuidora de uma indústria química
mais avançada que a britânica. Outros gases foram utilizados, como o fosgénio,
que precisava de pequena quantidade para imobilizar o soldado, impedindo-o de
combater e provocava a morte num máximo de 48 horas. Houve, também, o muito
forte gás mostarda, quase inodoro, e que demorava apenas 12 horas a produzir o
efeito letal.
Com o evoluir do conflito todos os contendores passaram a
utilizar gases de combate, cada vez mais mortíferos e eficazes, convertendo-os
numa arma de morte em grande escala. Nos primeiros meses da guerra das
trincheiras, esta refletiu ainda um clima de viver e deixar viver, já que
unidades de infantaria em grande proximidade com o inimigo, à vista em muitos
casos, evitavam um comportamento abertamente agressivo.
Nalguns setores, houve cessar-fogos ocasionais (não
propriamente tréguas), para que os soldados pudessem ir resgatar camaradas
feridos ou mortos, enquanto noutros vigorou um tácito acordo para não atirar,
enquanto o pessoal descansava, se exercitava ou trabalhava.
No dia previsto para a rendição do CEP, ocorreu a ofensiva
alemã, apoiada em cerca de 55.000 homens, que ficou conhecida como Operação
Georgette, especialmente consubstanciada a 9 de abril na Batalha do Rio Lys/La
Lys, na qual os portugueses sofreram uma muito dolorosa derrota que marcou
indelevelmente a participação portuguesa na Guerra e constituiu a maior
catástrofe militar, após Alcácer-Quibir.
Foi uma batalha, em cujo redor se criaram muitos mitos e
histórias, passados por via oral, que ainda perduram.
O sold. António Neto Pires, natural e residente em Póvoa-Coz
encontrava-se com 4 companheiros, entre os quais o amigo César Tavares de
Oliveira, conhecido por Peles, num posto de observação relativamente elevado
(tendo em conta a planura da Flandres), quando foram atacados por um grupo de
alemães. Perante isso, iniciaram um recuo em direção à proteção das
trincheiras, o que não evitou que três portugueses fossem imediatamente mortos.
O Peles, que não era cobarde, anunciou que iria fugir, ao que o sold. António
Pires lhe respondeu (com seriedade), se o fizeres mato-te, nem que seja pelas
costas.
Abrigados atrás do corpo morto de uma mula, fizeram fogo,
afastaram os alemães e salvaram a vida, sem prejuízo da passagem pelo hospital
de campanha, em estado de choque.
-O VALENTE SOLDADO MILHÕES-
No meio do caos que se viveu, destacaram-se vários homens,
soldados anónimos na maior parte.
Um nome ficou para a História, o
Sold. Aníbal Augusto Milhões, natural de Milhais/Trás-os Montes, que se deparou
sozinho na trincheira, apenas munido da metralhadora Lewis, Luísa como era
chamada entre os portugueses. Munido de uma força e coragem, que só no campo de
batalha é possível encontrar, enfrentou sozinho os alemães, o que em permitiu a
retirada de vários camaradas portugueses e ingleses para posições defensivas.
Vagueando pelas trincheiras e campos, o Sold. Milhões
continuou a fazer fogo, valendo-se de cunhetes perdidos ou abandonados que foi
encontrando pelo caminho. Quatro dias depois do início da batalha, encontrou um
médico escocês, salvando-o de morrer afogado, o qual agradecido, deu conta dos
seus feitos.
Regressado a um acampamento português, o Comd. Ferreira do
Amaral saudou-o, dizendo, o que ficaria para a História,Tu és Milhais, mas
vales Milhões.
João Pina Morais, oficial do CEP, escreveu que a metralhadora
é o camaleão da guerra. Onde não pode estar coisa nenhuma, está com certeza uma
metralhadora. Como as cobras escuras entre a erva, como os pássaros sobre as
árvores, comodamente sobre abrigos de betão, nas minas, nas covas, nos
parapeitos, em todos os ângulos e todos os recantos.
-PENA DE MORTE-
As tropas portuguesas encontravam-se cansadas e com o moral
muito baixo, em apenas quatro horas, perderam em La Lys cerca de 7.500 homens
entre mortos, feridos, desaparecidos e prisioneiros, dos quais 327 oficiais, ou
seja, mais de um terço dos efetivos.
Nessa altura, eram frequentes atos de desrespeito às
autoridades militares e às normas regulamentares em sede de saúde, higiene,
correspondência postal, movimentos de pessoal e viaturas, propriedade militar
(dano ou furto), contrabando (álcool e tabaco), brigas entre aliados e/ou com
civis, bem como abusos de cariz sexual. Até 9 de abril. os longos e pesados
momentos de combate, que tinham acarretado um profundíssimo sofrimento, irão
dar lugar a recusas (Batalhão de Infantaria 18 que se recusou a participar em
ações de defesa e outros em ações de combate nas trincheiras do front) pondo em
causa interesses coletivos e táticos. Após a Batalha de La Lys, o que sobrou do
CEP foi distribuído por unidades inglesas, sendo os exaustos e desmotivados
militares utilizados muitas vezes, em trabalhos braçais, degradantemente
militares.
A revolta, fruto também do choque traumático, incluiu
insubordinações que chegaram às trincheiras, ao admitir-se ainda a
possibilidade de uma reentrada em combate, para recuperar a abalada imagem dos
portugueses.
O Gen. Fernando Tamagnini de Abreu e Silva da 2ª. Divisão, o
Gen. Gomes da Costa e o Chefe do Estado-Maior do CEP João Sinel de Cordes, por
diversas vezes Fleming de Oliveira
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tinham avisado, sem resultado, o
Governo Português e o Comando do 1º. Exército Britânico das dificuldades por
que passava o CEP. Até aí, já tinham ocorrido motins, deserções, auto
mutilações e suicídios.
Os desacatos traduziram-se em protestos contra a injustiça de
os Comandantes de Batalhão se resguardarem no abrigo (porventura à espera de
promoção) ao invés do desconforto e do risco das trincheiras, contra o arbítrio
de oficiais superiores, contra a arrogância de Polícia Militar.
Em 16 de setembro de 1917, foi fuzilado em Picantin (front
ocidental), o sold. Cond. auto João Augusto Ferreira de Almeida, condenado por
um Conselho de Guerra, à pena de morte com exautoração, pela prática de crime
de traição à Pátria, informações ao inimigo a troco de dinheiro.
A pena de morte, embora abolida em 16 de março de 1911 pela
República, a participação de Portugal na Guerra faria com que fosse
reintroduzida, limitada em caso de guerra com país estrangeiro e apenas no
teatro de operações, o que se manteve na Constituição de 1933.
Esta execução foi pouco divulgada, para não criar mais
perturbação, por apoio ou repúdio, nas tropas portuguesas, pelo que passou
desapercebida à maior parte dos elementos do CEP, mas não ao alcobacense Sarg.
Manuel Bernardo que conhecia o condenado e foi incapaz de o compreender ou perdoar.
Ferreira de Almeida foi o último português a ser condenado a
pena de morte por tribunal português, o primeiro e único fuzilamento, entre as
tropas portuguesas, em França.
Tendo em conta as caraterísticas inéditas da I Guerra, a
manutenção do moral ou o seu enfraquecimento na zona de combate, constituía um
muito importante fator do comportamento militar português.
Sendo o front palco de batalha entre homens que muitas vezes
se viam e quase se conheciam, era necessário dispor de uma vontade que impedisse
o colapso moral, uma vez que com a desintegração moral se facilitava a
desintegração física. Aos soldados portugueses faltava por vezes a estabilidade
psicológica necessária para impedir o seu aniquilamento (físico, mas também
psicológico) pelo boche.
No final da Guerra, ocorreram revoltas cada vez mais
numerosas e violentas no CEP que tinham em comum, uma certa indiferença em
participar num último esforço ou mesmo no efeito das medidas punitivas, pois o
Depósito Militar era menos desconfortável que a vida nas trincheiras.
A estadia do CEP foi atribulada, desde logo na organização,
disciplina e motivação, bem como por não haver a rendição de homens, dado os
navios britânicos estarem a ser utilizados no transporte dos americanos e
porque alguns oficiais, de maior No Tempo de Reis, Republicanos & Outros. A
I República em Portugal & Alcobaça.
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poder económico ou influência
política que conseguiam vir de licença a Portugal, não regressavam ao seu
posto.
Os capelães militares não foram exceção, pois estiveram
praticamente todo o tempo sem licença para virem a Portugal em descanso. A
situação foi documentada nas memórias do General Tamagnini (Os Meus três
Comandos), ao escrever que deixou de executar ordens da Secretaria da Guerra
que beneficiavam uns oficiais em detrimento de outros e que questionou essa
Secretaria sobre a aplicação de licenças aos Capelães, ao que não teve
resposta.
Por outro lado, o armamento alemão era melhor em qualidade e
quantidade do que o usado pelas tropas portuguesas, apesar deste ser igual ao
dos britânicos.
A comida no front foi um dos grandes problemas do CEP como se
referiu, nunca solucionado.
Muitos soldados, quando escreviam à família, contavam as más
condições de vida e pediam que lhes fosse enviada alguma comida (não biscoitos
e chá), e tabaco.
Apesar da Batalha de La Lys ter sido, em termos imediatos,
uma pesada derrota para o CEP, acabou por contribuir para uma vitória
(estratégica) dos Aliados.
O ímpeto do ataque germânico
foi-se esvaindo e a sua progressão atrasada, impedindo que o Exército Alemão
alcançasse os seus objetivos estratégicos. O CEP retirou-se para a retaguarda
dos Aliados. Alguns dos seus efetivos integraram unidades do Exército Inglês e
outros foram utilizados, sem grande dignidade, como mão de obra para abrir
trincheiras ou outros serviços menores, como se referiu.
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