sexta-feira, 31 de março de 2017

A JUSTIÇA EM ALCOBAÇA NO TEMPO DA I REPÚBLICA

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-PROBLEMAS DA JUSTIÇA-
A credibilidade da justiça portuguesa, na viragem do século XIX, estava a tornar-se preocupante, no que parece ser uma insanável fatalidade nacional.
O alegado descrédito da justiça não dependia, tão só, de as leis serem, más ou confusas.
Dependia já, diziam os republicanos, do clientelismo/caciquismo, do arrastamento dos processos, dos julgamentos e condenações na praça pública como aconteceu na Comarca de Alcobaça, em 1902 e 1906, com duas acusações por crimes graves, que se revelaram infundadas e os réus absolvidos, sem que nada tenha acontecido aos responsáveis Elvira Clementina, de Évora de Alcobaça (despeitada por um marido infiel) e Damião Sousa (um vingativo proprietário do Vimeiro), que arruinaram ou deixaram manchas inapagáveis na reputação de pessoas inocentes.
Por tudo isto, entendiam os republicanos, na oposição, que a crise da justiça constituía um círculo vicioso, e a sua resolução era considerada prioridade para a evolução do País, a par da educação/instrução. A crise da justiça era  (segundo os mesmos), uma crise da educação/instrução.
O Semana Alcobacense (abril de 1906), congratulava-se com as propostas do Ministro da Justiça que denotavam (…) uma qualidade que os senhores políticos da monarchia persistentemente mostram não possuir (…) e que (…) não servem os interesses do Padre Matos ou da caterva que o acompanha (…). As propostas de lei do Ministro da Justiça ao Parlamento/Cortes que acabaram por não ter sequência, pois que caíram antes de serem aprovadas, por entretanto ter sido empossado o governo de João Franco, referiam-se a responsabilidade ministerial, corecção de menores delinquentes, jury criminal, liberdade de imprensa (extinção do gabinete negro, prohibição de censura prévia e da apreensão de jornaes), processo criminal (tornar o jury criminal mais perfeito, resolver a questão do juramento que será feito sob a honra ou segundo a religião de cada um) várias providências sobre a organização judiciária.
O mesmo semanário, louvava e admirava estas propostas do titular da pasta da Justiça, salientando que quando na oposição os políticos não se cansam de fazer promessas de administração honesta, intelligente e liberal, porém chegados que são ao poder, esquecem e renegam todos os seus promettimentos, sem nenhum respeito por si próprios nem pelos outros.
-OS JURADOS-
Interessando-se pelos problemas da Justiça e do júri em particular, o mesmo semanário (apesar de o seu diretor não possuir formação jurídica para além de uma breve passagem por Coimbra), voltava ao tema e referia que ocorre-nos perguntar: está o júri organizado em Portugal de modo a oferecer a sólida garantia de justiça que é licito esperar dele, mais, que dele devemos exigir? Nós dizemos que não. Pode ser que tenhamos contraditores, que com bons argumentos venham rebater a nossa opinião; mas, enquanto isso se não der, de forma a deixar-nos absolutamente convencidos de que laboramos num erro grave, não teremos outra resposta para essa interrogação. É tão alto, tão complexo o papel do júri criminal, que, para que ele possa corresponder cabalmente á nobilíssima ideia que determinou a sua criação, entendemos dever presidir á escolha dos elementos a constituí-lo, o máximo escrúpulo, o mais são critério, toda a inteligência e imparcialidade.
-A CADEIA-
Mário Ferreira da Rocha Calisto, Delegado do Procurador da República e Diretor da Repartição de Investigação, junto da Polícia Cívica de Lisboa, em 1912 publicou o opúsculo A Comarca de Alcobaça, nos annos de 1905 a 1911, onde fazia acusações muito graves ao funcionamento do Tribunal e Cadeia Comarcã, instalados (em más condições) na Ala Norte do Mosteiro, respetivamente no primeiro andar e rés-do-chão.
A cadeia, como vinha denunciando Calisto, não tinha condições nem segurança, pelo que não era rara, a evasão de detidos. A fuga ocorrida em julho de 1914, teve um impacto especial. Doze presos, arrombaram numa noite de sexta-feira para sábado, as grades da janela da cela que dava para o Rossio, obrigando os companheiros a vir também para a rua. Só na manhã de sábado, as autoridades tomaram as providências conducentes à captura dos fugitivos. Seis deles, apresentaram-se pouco depois ao carcereiro que ficou perplexo, mas os restantes continuaram ao largo, com pouca vontade de regressar à hospedaria. Este acontecimento, mais uma vez, fez reconhecer a imperiosa necessidade de a cadeia ter uma guarda permanente (o carcereiro ao fim do dia ia para casa e só regressava de manhã), de modo a prevenir e evitar a repetição de acontecimentos dessa natureza.
Esta fuga não foi única, nem a primeira. Por volta das três horas de 7 de novembro de 1901, seis presos na cadeia comarcã, depois de serrarem as grades da janela da cela, abrirem a porta de madeira da janela com uma chave feita a partir de um garfo e compeliram os demais a acompanhá-los. Uma vez na rua, antes de rumarem a um qualquer destino, dirigiram-se para a rua D. Pedro V, a fim de assaltar o estabelecimento de venda de produtos alimentares do comerciante José Manuel Peça, o que não conseguiram por a porta ter resistido. Nove dos fugitivos (como no episódio anterior), ter-se-ão arrependido pelo que, ao raiar do dia, foram bater à porta da cadeia mesmo antes da chagada do guarda. Informados do sucedido, o Delegado do Procurador Régio e o Secretário da Administração do Concelho, Rafael Pinto Eliseu, trataram de adotar as medidas que o caso reclamava, pelo que este, logo de manhã pelas 10 horas, acompanhado por um polícia, deu busca a um bordel muito frequentado e às tabernas da vila e redondezas, sem esquecer as casas de família dos fugitivos. Informado por umas peixeiras, de que um dos fugitivos fora visto a dirigir-se a pé na estrada para a Nazaré, Rafael Pinto Eliseu para aí rumou na companhia de um polícia e de um oficial da Administração, capturando-o facilmente, pois não ofereceu resistência. Nesse momento, o fugitivo confessou-se aliviado por ter terminado a aventura e indicou a Venda das Raparigas como a direção que os outros tomaram. Assim, as autoridades para lá se dirigiram, pelo que na Charneca da Memória do Rei, eram presos pouco depois, o ex-sacristão e ex-seminarista Bispo e o serralheiro Lagarto, mentores da operação e tidos como os mais perigosos, com fome e sem oferecerem resistência. Por estarem armados, foram conduzidos com escolta militar para Rio Maior, não sem ainda haverem esclarecido que havia companheiros de fuga escondidos na Rabaceira. Expedido um telegrama para o Administrador do Concelho de Caldas da Rainha, este não fez demorar as providências, pelo que, no dia seguinte, era recebido na Administração do Concelho em Alcobaça uma informação telegráfica dando conta da prisão dos fugitivos. O Bispo e o Lagarto vieram a ser condenados no Tribunal de Alcobaça a pesada pena, seguida de degredo em Angola, de onde ao que se saiba não regressaram.
No segundo domingo de julho de 1909, cerca das 14 horas, o perigoso António dos Santos, o talhante Milheiro, que tinha sido condenado em pena maior, por um sádico crime de homicídio utilizando uma faca para abater suínos, evadiu-se da prisão da vila, de uma forma engenhosa e pouco de previsível.
Enquanto se achava no claustro da prisão, com outros presos a receber visitas, o carcereiro preparou-se para ir levar ao Quartel as latas vazias para serviço da alimentação dos presos, pelo que colocou o tabuleiro à cabeça e dirigiu-se para a porta de saída, vindo o Milheiro logo atrás e muito junto a ele, sem que tivesse sido notado, pois usava alpercatas que lhe abafavam o ruído dos passos. O preso assistiu ao abrir e fechar da porta, acompanhou os passos e movimentos do carcereiro saindo ambos para a rua, onde aguardou a ida do carcereiro para o quartel, encostado a porta da prisão a fumar um cigarro. Passado pouco tempo, atravessou o Rossio a fingir contar dinheiro para disfarçar e não despertar espanto e seguiu pela Travessa da Cadeia desaparecendo.
Como se alimentavam os presos?
Há poucas descrições do que era a vida prisional no País, mas as que existem ou a ideia que se recolhe, é pouco abonatória, tal como decorre de algumas conversas com o alcobacense Manuel Carcereiro. Em muitos casos, era uma pequena broa muito dura e duas malgas de caldo aguado, num ritmo quotidiano e imutável. Os que tinha mais recursos ou família, defendiam-se melhor, sem prejuízo de por vezes terem de dar uma comissão em géneros ao guarda ou carcereiro.
Quando o carcereiro regressou do quartel, constatou a evasão do Milheiro e, apesar das providências imediatamente adotadas e das pistas seguidas, apenas na noite de terça para quarta-feira, por volta da hora de jantar, foi capturado no lugar de Salgado/Famalicão da Nazaré, em casa de José Maria Saraiva seu cunhado, também talhante que foi preso como cúmplice, dando ambos entrada na cadeia mal chegou o carcereiro.
A captura efetuou-se no momento em que o Milheiro estava a contar ao Saraiva e à mulher, com calor e entusiasmo, a forma como tinha praticado à facada o homicídio de um vizinho, que lhe devia 30 reis desde a Páscoa!
Esta captura foi devida às prontas e acertadas providências tomadas pelo Delegado do Procurador Régio Dr. Mário Calisto, ao auxílio dos Administrador do Concelho e Secretário, bem como das forças policiais requisitadas. O Milheiro veio a ser condenado a 20 anos de prisão e degredado para África, de onde ao que consta não terá regressado.
Estava ainda muito longe o tempo de haver condições para que os presos da cadeia de Alcobaça tivessem a sua Festa de Ano Novo, como veio a acontecer em 1921, em que uma comissão composta pelo Delegado do Procurador da República/Almeida Ribeiro, Administrador substituto do Concelho/Joaquim Ferreira da Silva e o Solicitador encartado /Manuel da Silva Carolino (mais tarde polémico Presidente da Câmara, muito conotado com o Estado Novo), tomou a iniciativa de lhes oferecer um jantar na sala de audiências do tribunal. A sala recebeu funcionários judiciais, das finanças, do município, advogados e algum público, tendo durante o jantar atuado com agrado a Banda de Alcobaça, paga com a refeição. No fim do jantar, subiu à tribuna Almeida Ribeiro, que agradeceu as cerca de 20 presenças, e particularmente, as da Banda. A instâncias de alguns amigos, o Dr. Alberto Vila Nova, referiu o significado da inédita iniciativa, já que não era conhecido no País algo semelhante, que prestigiava a comarca e a justiça, conseguindo com a sua palavra fluente e burilada tocar a sensibilidade dos próprios presos, como o testemunharam as lágrimas que dos seus olhos nessa ocasião se desprenderam em abundância.

Na antiga Sala das Conclusões do Mosteiro, funcionou a Repartição de Finanças e a cadeia comarcã, como se referiu. Neste espaço decorriam os atos que não fossem de caráter religioso como assinaturas de acordos, escrituras ou testamentos. Até aos princípios do séc. XVII, estiveram nesta sala as estátuas de alguns Reis de Portugal que, a partir do séc. XVIII, passaram para a denominada Sala dos Reis. A partir do séc. XVIII na Sala das Conclusões tinham lugar os encontros com convidados importantes dos Abades. Na pedra de duas janelas que dão para a atual Praça 25 de Abril, encontram-se gravadas umas inscrições feitas por presos, de que se destacam duas, uma de 1911 e outra de 1921, esta da autoria de José de Sousa, de Valado de Frades, que entrou em 23 de junho de 1921, pelas 6 horas que ainda encontrou na prisão, José Verdasca, dos Montes, que havia anavalhado Francisco Miguel no ventre, que veio a falecer no Hospital de Alcobaça, sem possibilidade de ser transferido para o de S. José em Lisboa.
-UMA AZEDA POLÉMICA-
Segundo o Delegado do Procurador Régio Dr. Mário Calisto, ao deparar-se com o cancro voraz que era o estado de coisas que não conseguiu exterminar, apesar dos seis anos de exercício no Tribunal de Alcobaça, ao ser transferido para outra comarca quis deixar uma explicação pública sobre atos que tão fortemente o prendiam aos haveres dos desgraçados e que abusos inverosímeis deixaram crear e engrossar.
Na opinião do Dr. Calisto, o Tribunal de Alcobaça encontrava-se completamente indisciplinado e, sobretudo, inteiramente desmoralizado. E nem outra coisa era de esperar, visto os processos que se empregaram para evitar a minha ação fiscalizadora. De acordo com a opinião do mesmo magistrado do M.P., procurou-se criar, por todas as formas possíveis, entre o pessoal do tribunal, uma atmosfera de antipatia para com ele, dado que não se amoldava a determinadas pretensões, pelo que, sendo tal impossível dentro da Lei, saltava-se para fora dela. Os escrivães, vieram dar a Resposta dos Escrivães da Comarca de Alcobaça ao Pamphleto do Doutor Mário Ferreira da Rocha Calixto. Segundo os escrivães, Mário Calisto ex-predialista (expressão cujo sentido se desconhece), ex-teixeirista (a 27 de junho de 1910 tomou posse o último governo da monarquia, presidido pelo chefe formal dos regeneradores Teixeira de Sousa, com o apoio dos dissidentes progressistas e que terá colhido simpatias de Calisto, apesar de se dizer republicano), ex-Delegado do Procurador da República na Comarca de Rezende, ex-Delegado do Procurador da República (melhor dizendo, Régio pois isso foi no tempo da monarquia) nesta Comarca de Alcobaça e atual e prestimoso membro do Centro Radical Democrático de Lisboa, titulo que lhe conferiu o atual cargo, também chefe da Repartição de investigação junto da polícia civil de Lisboa, o Bacharel em Direito, Mário Ferreira da Rocha Calixto, teve ensejo de dar expressão ao seu ódio ao funcionalismo judicial desta Comarca, única faculdade que sempre cultivou à sua vontade enquanto infelizmente o cargo de Ministério Publico aqui.
Numa linguagem inusitadamente violenta, os escrivães mais lhe apontavam o amontoado de dislates e de falsas apreciações, onde cada frase é uma punhalada à falsa fé, por quem continua a procurar sujar com a baba peçonhenta, sem vacilar no lançar mão da pior arma que qualquer criatura pode empregar, a falta de verdade no que diz, criando sempre uma atmosfera de suspeições (Calisto nesse entendimento seria dúplice, simultaneamente republicano e monárquico), abusando da ignorância e falta de conhecimento dos serviços judiciais por parte de pessoas estranhas à classe e a quem mistificou com a frase empolada de mulher virtuosa que nem sempre o fora, abusando o seu cargo na Comarca e da fortuna pessoal que aqui veio pescar  (Ao que parece estariam eles a referir-se ao casamento com Maria da Luz Raposo de Magalhães, filha de José Eduardo Raposo de Magalhães). Daí os republicanos, como o advogado e dirigente local José Joaquim Cardoso e o advogado monárquico Freitas da Cunha, eventualmente outros mais, sentirem necessidade de reclamarem atenção sobre a conduta pessoal e funcional dos magistrados em geral, sem propriamente se dirigirem ao Dr. Calisto, em ordem a evitar que ao receber, de modo inapropriado, auxílios, contribuições ou benefícios de pessoas físicas, de entidades públicas ou de empresas privadas, inclusive daquelas que figuram em processos judiciais, desrespeitem os valores que condicionam o exercício honesto, correto, isento e independente da sua função.
Mário Calisto não mantinha grandes relações de tipo pessoal, com o juiz da comarca, o estimado Dr. José Pereira Zagallo, com os advogados que habitualmente trabalhavam no tribunal, muito menos com os escrivães.
A título de curiosidade refira-se que o Dr. José Pereira Zagallo teve uma afetuosa despedida, quando foi tomar posse na comarca de Águeda. Além dos funcionários judiciais, outras pessoas acompanharam-no à estação de Valado de Frades (entre estes não se encontrava o Dr. Calisto), manifestando-lhe não apenas a estima pessoal, mas também o apreço como desempenhou em Alcobaça as funções judiciais, durante quase sete anos. Dias antes, fora realizado em Alcobaça no Hotel Central, um banquete de despedida, oferecido por funcionários do Tribunal, Delegado do Procurador da República (neste caso, ao que parece, por mero dever de ofício, pois tratava-se de Mário Calisto), Advogados, Autoridades civis, militares, Pároco e Amigos, num total de perto de 40 pessoas. Antes do banquete, os convivas foram fotografados em grupo por Carlos Gomes (Fotografia Rebelo), no Claustro de D. Dinis. Para substituir o Dr. José Zagallo, foi nomeado o Dr. Barata do Amaral, sendo a interinidade do lugar entregue ao alcobacense Augusto Rudolfo Jorge.
Mário Calisto era tido como pessoa reservada, embora por vezes colérico, pouco visto na rua, nesse caso normalmente acompanhado pela esposa Maria da Luz ou filha Maria Fernanda de tenra idade, salvo quando ia ao Centro Republicano, o que não acontecia com regularidade. Quando passava por algum conhecido, levantava a cartola e estugava o passo miudinho, pois de outro modo andava devagar. Não saía de casa sem chapéu alto, fraque e bengala. Ao que consta, eram reduzidas as suas relações com a família da esposa Raposo de Magalhães, embora nela se assumissem todos como republicanos.
Mas no caso do Dr. Calisto, o nível da sua militância era vista com algumas reserva e o incidente com os escrivães, não foi bem aceite.
A cultura judicial, assim se dizia no meio, deveria pautar-se pela contenção verbal, pela discrição de atitudes e pelo rigor profissional o que, em geral, é timbre dos servidores da causa da Justiça, pelo que a polémica surpreendeu advogados e outros agentes da justiça, mesmo fora de Alcobaça. Este tipo de polémica era raro em Portugal e, em Alcobaça ou mesmo no Distrito, não havia memória de algo semelhante, muito especialmente com a intervenção de um magistrado. Mas como tudo na vida, também ocorreu a insuspeitável exceção….
Os advogados (como o autor deste texto sabe, pois conhece os ardores da profissão), utilizam por vezes nas audiências uma linguagem mais forte, o que em geral não põe em causa as relações de respeito pessoal e profissional. Havia alcobacenses que, quando sabiam irem estar em confronto o monárquico Dr. Freitas e o republicano (militante) Dr. José Joaquim Cardoso, subiam as escadas de acesso ao tribunal, com o espírito semelhante ao de quem vai ao teatro. Esses juristas, apesar das divergências políticas, públicas e notórias, mantinham cordiais relações, que apreciavam salientar.
A polémica entre os escrivães e o Delegado do Procurador Régio, pelo seu conteúdo e abrangência, quando muito seria objeto de apreciação e discussão no meio judicial, mas o de Alcobaça acompanhou com moderado interesse, sem perceber bem o que estava em discussão (política, dinheiros?).
Ao que foi possível apurar, agindo e contra reagindo, inicialmente com muita fogosidade, os ânimos acabaram por serenar e o litígio não teve mais desenvolvimentos.
-CONHECIMENTO DO CRIME PELO JORNAL-
Dois rapazolas de Pataias, de mau vinho, em 3 março de 1921, agrediram à paulada e à porta de uma taberna, um resineiro que requestava a namorada de um, o qual apesar de transportado de urgência por comboio para Lisboa, veio a falecer no dia seguinte.
Os agressores foram para as respetivas casas, sem que houvesse quem os impedisse, só tendo sido presos e transportados para a prisão de Alcobaça, depois de o Administrador do Concelho ter tomado a iniciativa com a leitura do evento num jornal da Marinha Grande.
-UMA HISTÒRIA DE JURADOS-
O Dr. Amílcar Magalhães, advogado (falecido na década de 1980), contava que fazia parte do anedotário forense de Alcobaça, uma cena passada no tempo da I República.
O Júri de Alcobaça preferia julgar de acordo com a realidade que conhecia, o que nem sempre estava refletido no processo, como sabia bem o advogado João de Caires, que sustentou num discurso melodramático, bombástico, retórico, muito ao estilo da época, a inocência do cliente que, a final, foi condenado a pesada pena. Terminado o julgamento, os jurados aproximaram-se do Dr. Caires, fizeram rasgados elogios ao discurso, o que ele estranhou, pois vocês estão a elogiar-me tanto, mas condenaram o meu cliente.
E um deles respondeu que, nós sabíamos perfeitamente que o Guedes matou o Lopes.
No Júri da província era assim, assegurava o experiente Dr. A. Magalhães (que todavia nunca trabalhou com jurados, já que enquanto advogado, durante cerca de 40 anos, o Código de Processo Penal não previa a sua existência), pois que se a argumentação do advogado não estivesse conforme com o que os homens bons entendiam justo, dificilmente se conseguia um bom resultado.
E acrescentava que era preciso perceber isto e depois ter cuidado.
-A ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA-
Durante séculos na monarquia portuguesa houve duas justiças, a senhorial (terras coutadas e honradas exercida por nobres e eclesiásticos) e a real (exercida pelo Rei quando efetuava digressões pelo reino).
Este sistema de organização judiciária que, ao longo dos séculos sofreu obviamente alterações, teve a grande reforma com a Constituição (liberal) de 1822, extinguindo os Tribunais Superiores da Corte, em cuja cúpula estava o Supremo Tribunal. Com esta Constituição, o poder judicial passou a ser cometido exclusivamente a juízes, sem que as Cortes ou o Rei o pudessem mais exercitar. Na Primeira Instância foram criados juízes de facto e de direito, ficando o cargo de juíz reservado a cidadãos masculinos com o curso de Direito e mais de 25 anos.
Com a Carta Constitucional, surgiram os jurados, os juízes de paz, os juízes de Direito e das Relações. Com esta alteração passou a ser nomeado pelo Rei, um Juiz de Direito por comarca, dividida esta em julgados e sub-divididas em freguesias. Foi no âmbito desta reforma que em 1832 foi criado o Supremo Tribunal de Justiça, cujo primeiro Presidente, José Silva Carvalho (maçon e antigo ministro), foi nomeado em 1833 com nove conselheiros aonde se incluíam o Presidente e Procurador-Geral da Coroa. Por esta altura, foram suprimidos os juízes ordinários com o fundamento de a sua maioria ser inepta para administrar a justiça, e o Desembargo do Paço. Os Tribunais da Relação de Lisboa e Porto que sucederam respetivamente à Casa da Suplicação e à Casa do Cível, foram criados em 1835. A matéria da organização judiciária passou a integrar a Nova Reforma Judiciária (Passos Manuel e Decretos de 1836 e 1837).
Após a Revolução de Setembro de 1836, a Carta foi abolida e em seu lugar reposta em vigor (a título provisório), a Constituição de 1822. A Constituição de 1938 foi como que uma síntese dos textos das de 1822 e 1826, tendo como características fundamentais o princípio clássico da tripartida dos poderes, o bicameralismo das Cortes, o veto absoluto do rei e a descentralização administrativa. Esta Constituição reafirmou a soberania nacional, restabeleceu o sufrágio universal direto e eliminou o poder moderador.
Nesse sentido ampliou o regime de eleição dos juízes e os de nomeação, bem como autorizou o Governo a rever vários diplomas no que veio a chamar-se a Novíssima Reforma Judiciária de 1841, de Costa Cabral. A divisão judicial no Continente e Ilhas Adjacentes, passou a envolver distritos, comarcas, julgados e freguesias, sendo que cada distrito tinha uma Relação, cada Comarca um Juíz de Direito, cada Julgado um Juíz ordinário e um Juíz de Paz e cada Freguesia um Juíz eleito. Assim, o território do Reino foi dividido para efeitos judiciais em comarcas, cada uma com pelo menos um círculo de jurados, em cuja sede o juíz tinha de fazer as audiências gerais. Com esta reforma, foram restruturados o Supremo Tribunal de Justiça (com juízes nomeados pelo Rei, sob proposta do Conselho de Estado), as Relações (com juízes nomeados pelo Rei, os Desembargadores), os juízes letrados de Primeira Instância (nomeados pelo rei) que julgavam de Direito onde houvesse juízes de facto ou jurados, bem como, julgavam de facto e de direito onde os não houvesse. Também, foram restruturados os juízes eletivos em pequenas circunscrições, que julgavam pequenas causas sem recurso.
A I República pouco ou nada investiu nesta matéria, pelo que manteve fundamentalmente, a organização judiciária implementada ao longo do período da monarquia liberal.




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