-O
SOLDADO DESCONHECIDO, O CRISTO DAS TRINCHEIRAS E ALCOBAÇA-
-VIRGÍNIA VITORINO E A HOMENAGEM AOS SOLDADOS DESCONHECIDOS
DA I GUERRA-
-O DESFILE DA VITÓRIA.
-ANDRÉ BRUN-
-O
SOLDADO DESCONHECIDO E O CRISTO DAS TRINCHEIRAS-
Depois
da Guerra, em diversos países surgiu a ideia de prestar homenagem aos soldados
cujos corpos não tinham sido identificados.
Em
França, Francis Simon e de Maurice Maunoury renovaram a ideia do Príncipe
Joinville, depois da guerra franco-prussiana de 1870. O Parlamento francês
decidiu em 1920, inumar sob o Arco do Triunfo, os restos mortais de um soldado
não identificado, tombado no Campo de Honra. Durante o ano de 1921, a Itália,
Portugal, a Bélgica e os Estados
Unidos da América decidiram honrar o seu soldado desconhecido, tal como outros
países em 1922.
Muitos mortos na Terra de Ninguém, não foram identificados e
o revolver da terra, decorrente da violência do combate, enterrará para sempre
esses militares anónimos. Alguns virão a ser enterrados por camaradas em
sepulturas individuais com indicações apressadas, toscas e erradas (por vezes
utlizando uma lata ou uma garrafa), em locais das linhas das aldeias, na
esperança de um dia poderem ir para um cemitério, se não transladados para a
sua amada terra portuguesa. O CEP não conseguiu dispor de um cemitério na
Flandres, o que implicou que os portugueses viessem a ficar sepultados ao lado
de estrangeiros.
A não identificação de cadáveres, acarretava acrescidas e
enormes dificuldades de registos e de concessão de pensões de sangue às
famílias.
E naturalmente mal estar.
As cerimónias na Europa foram protocolarmente similares à que
foi executada em França a 10 e 11 de novembro de 1920 (2º. aniversário do
armistício). Em 18 de março de 1921, o governo português autorizou a
transladação de dois Soldados Desconhecidos, um da França (Flandres) e outro da
África (Moçambique), para o Mosteiro da Batalha, representando neles os
(gloriosos) mortos das expedições enviadas aos referidos teatros de operações.
Foi decidido que a cerimónia fosse efetuada no dia 9 de abril de 1921
(aniversário da Batalha de La Lys), sido decretado esse dia feriado nacional.
No dia 9 de abril de 1921 os corpos dos soldados foram conduzidos
em cortejo de Lisboa a Leiria, e no dia 10 de abril de Leiria até o Mosteiro da
Batalha. A Pátria tinha uma Dívida Sagrada perante os que tombaram em combate e
queria pagá-la.
Desde o final do século XIX que, relativamente ao Mosteiro da
Batalha, o acervo de motivos de caráter cultural e mental ditaram-lhe uma
leitura histórica de referência nacionalista e celebrativa que justificou esta
opção.
Sepultados sob a abóbada da Sala do Capítulo e alumiados pela
Chama da Pátria, os túmulos têm Guarda de Honra e a proteção do Cristo das
Trincheiras que, numa igreja de Neuve-Chapelle, foi companheiro das tropas
portuguesas. Nesta igreja da Flandres, o alcobacense dos Montes, Sarg. Manuel
Bernardo, conjuntamente com outros camaradas de armas, chegou a estar
refugiado, durante um ataque alemão que a danificou, tal como à imagem do
Cristo. Neuve-Chapelle, havia entrado na galeria das grandes e sanguinolentas referências
da Guerra, embora antes da chegada do CEP.
O Cristo das Trincheiras, constitui uma das poucas relíquias
recuperadas da Guerra pelas forças portuguesas. É interessante que, sob o
enorme fogo de artilharia alemã, fosse decidido salvaguardar a danificada
imagem de Cristo
origem portuguesa, mas que os tinha
acompanhado, em momentos dramáticos), para a colocar em local onde pudesse ser
novamente venerada.
A imagem foi trazida para Portugal, 50 anos após a Batalha de
La Lys, oferecida pela França.
-VIRGÍNIA VITORINO E A HOMENAGEM AOS SOLDADOS DESCONHECIDOS
DA I GUERRA-
A poetisa alcobacense Virgínia Vitorino em 1921, dedicou ao
Soldado Desconhecido os seguintes versos:
Chamaram-no, partiu. Ordens de
guerra.
Sem dar mostras sequer de desalento,
Marcou para mais tarde o casamento
e disse adeus ao sol, ao ar, á serra…
Foi ao lado da França, da Inglaterra;
Fez o espanto de todo o regimento
E nunca abandonou, nem um momento,
A ideia fixa de voltar á terra.
Morreu. Vai a passar. O povo reza,
Tocado de amargura, de tristeza.
E nesta hora de pungente brilho,
Nesta hora de luto e de saudade,
Quantas mães, soluçando, em
ansiedade,
Perguntarão baixinho: - És tu, meu
filho?...
Virgínia Vitorino nasceu em Alcobaça a 13 de agosto de 1895 e
faleceu em 1967.
Viveu na casa que atualmente pertence a Jorge Pereira
Sampaio, que confina com a travessa que ostenta o seu nome. Com interesses
culturais diversificados, em julho de 1917 terminou no Conservatório de Lisboa,
o Curso Geral de Piano, com a classificação de 18 valores. Também obteve nesse
ano 15 valores no 2º.ano de Canto Individual e Coletivo, e passou por média
para o 2º. ano de Harmonia e para o 3º. do Curso Geral de Violino. Ao longo da
vida, a música ocupou sempre um lugar importante, que compartilhou com as
letras. Autora de três livros de poesia e de seis peças de teatro, todas
representadas pela Companhia de Amélia Rey Colaço, foi agraciada pelo Governo
Português com o grau de Oficial da Ordem de Cristo, em 1929, e com a Comenda da
Ordem de Santiago, em 1932. Do governo espanhol, recebeu em 1930 a Cruz de D.
Afonso XII. Foi retratada, entre outros, por Eduardo Malta e Teixeira Lopes e,
mais recentemente, por José Paulo Ferro e
Manuela Pinheiro. Almada Negreiros
foi autor de algumas capas dos seus livros. Recebeu o Prémio Gil Vicente,
atribuído pelo Secretariado Nacional de Informação, pela peça Camaradas.
A sua obra de 1918, Namorados (algo esquecida), foi editada
catorze vezes.
Também se pensou trazer os corpos dos soldados desconhecidos
para o Mosteiro de Alcobaça e as autoridades locais diligenciaram nesse
objetivo.
A Comissão Executiva da Câmara Municipal e o Administrador do
Concelho (março de 1921), telegrafaram ao Ministro da Guerra manifestando-lhe o
desejo de que os cadáveres dos soldados desconhecidos fossem trasladados para o
Mosteiro de Alcobaça e solicitaram ao Deputado Maldonado Freitas para
interceder nesse sentido, com o pressuposto que nenhum monumento do país seria
mais próprio para os receber e guardar, do que aquele que na nossa terra se
levanta que em sua magnifica arquitetura evoca e documenta os primeiros tempos
da nossa nacionalidade.
O Presidente do Conselho de Ministros Álvaro Xavier de
Castro, respondeu que iria levar o assunto a Conselho de Ministros, mas a final
os corpos foram para a Batalha.
Alcobaça homenageou o soldado desconhecido com uma plaquete
em bronze da autoria de João José Gomes, o qual explicou que está dividida em
três partes, vendo-se na do meio um soldado morto, com a bandeira nacional a
velar-lhe o rosto e o peito. Uma das mangas está rasgada, revelando o braço
ferido, enquanto a mão segura a arma. No horizonte encontra-se um sol nascente,
o Sol da Liberdade. Numa das outras partes foi modelado em baixíssimo relevo o
Mosteiro de Alcobaça e na outra uma legenda evocativa (cujo conteúdo não foi
possível apurar).
Para custear as despesas com a feitura da plaquete foi aberta
pela Câmara Municipal na Farmácia Campeão uma subscrição pública, à qual foi
junto o produto da anteriormente aberta no estabelecimento de João Ferreira da
Silva & C.ª, Sucessores.
As subscrições renderam pouco e o Município teve de arcar com
a diferença.
Para satisfazer o desejo do Ministro da Instrução, o Inspetor
do Círculo Escolar de Alcobaça António Godinho Madureira, tomou a iniciativa de
realizar uma sessão solene para assinalar a trasladação dos corpos de dois
Soldados Desconhecidos para o Mosteiro da Batalha.
Foram convidados para fazerem parte da comissão promotora da
cerimónia, que se realizou no Teatro do Mosteiro, Fernando Alípio Sá/Presidente
da Comissão
Executiva da Câmara Municipal,
Joaquim Ferreira da Silva/Administrador do Concelho e os professores António
Manuel Alves e Bernardo Correia de Almeida.
Em setembro de 1919, a Comissão Executiva da Câmara Municipal
de Alcobaça, emitiu uma circular às Juntas das diversas freguesias pedindo-lhes
que, com os seus recursos próprios ou se necessário por meio de subscrições
entre os paroquianos, contribuam para que em Alcobaça seja levantado um
monumento à memória dos militares, naturais do concelho, que tomaram parte na
Guerra e tombaram nos campos de batalha da Europa e África. O modelo do
monumento a erigir em todas as sedes de concelho do País (o que não chegou a
acontecer), foi elaborado em Lisboa segundo as indicações da Junta Patriótica.
No seguimento desta iniciativa, em fevereiro seguinte, deu-se
início ao movimento em favor do monumento a construir em Alcobaça, pelo que
promovido pela Junta de Freguesia da Maiorga, auxiliada pelo professor Américo
Ferreira, Banda de Música e 2º. Sarg. da GNR António Vicente, realizou-se
naquela localidade um peditório que rendeu tão só 28$00.
O monumento não se construiu por falta de verba, pois a
Câmara Municipal não contribuiu com nada, alegadamente por falta de meios. Os
tempos eram difíceis e esta tinha incontáveis solicitações de ordem material e
as receitas auferidas por via de derramas e outras origens eram muito pequenas.
Aliás, por algumas vezes a Câmara atrasou-se no pagamento de salários em
dinheiro, que tentou substituir por vales, o que acarretou mau estar e uma
greve de dois dias, por parte do pessoal das brigadas de rua, a qual teve
repúdio na população que, a seu modo, também padecia de bastantes privações.
Na escola oficial do sexo masculino de Alcobaça, em abril de
1921, realizou-se uma sessão solene, comemorativa da transladação dos corpos
dos Soldados Desconhecidos. A sala da escola foi pequena para comportar o
número de crianças convocadas. Pelas 14 horas, compareceu Fernando Alípio Sá,
Presidente da Comissão Executiva da Câmara Municipal, que assumiu a presidência
da sessão e nomeou para o secretariarem o Administrador do Concelho/Joaquim
Ferreira da Silva, e Inspetor do Circuito Escolar/António Godinho Madureira.
Usando este da palavra, referiu-se largamente à Guerra, pondo em destaque o
tradicional heroísmo e abnegação do soldado português. Seguiu-se o Prof.
Bernardo Correia de Almeida, que, numa linguagem ao alcance dos pequenos
ouvintes, lhes fez ver quanto o País devia aos heroicos soldados que por ele
lutaram.
A encerrar, Fernando Sá, num discurso repleto de bons
conselhos às crianças, deteve-se a incutir-lhes o amor, a admiração e o
respeito de que são credores os que expõem e perdem a vida em serviço da
Pátria, a Terra Comum.
A cerimónia terminou com vivas e A Portuguesa entoada pelos
alunos.
(…) Não! Eles não estão mortos!
Eles vivem no palpitar dos corações
da geração que passa; eles viverão na memória e nos corações das gerações
futuras, como vivem aqueles que por obras valorosas se vão da lei da morte
libertando.
(…) Mortos
desconhecidos!
Vós sois os lídimos sucessores do
nosso grande e glorioso Portugal, cujo alto Imperio o sol, vê primeiro, vê-lo
também no meio do hemisfério e quando desce e deixa derradeiro.
Mães que amamentastes com o leite dos
vossos seios tais heróis: as vossas lágrimas e o sacrifício das suas vidas
redimiram a nossa Pátria.
Bem-ditas sejas!
(…) E vós, ó geração
que passa, aprendei na majestade destes exemplos a ser magnânimos e fortes,
honrados e briosos, para que possamos legar às gerações vindouras mais uma
página brilhante da nossa história, que as estimule a amar e engrandecer a
Pátria dos Lusíadas que, desde o Viriato dos Hermínios, aos heróis de África e dos
mares, até aos Serranos de Flandres, veem afirmando a razão da nossa
independência. E… vereis amor da Pátria não movido de premio vil, mas alto e
quasi eterno.
-O DESFILE DA VITÓRIA.
-ANDRÉ BRUN-
Em 26 de setembro de 1918, o Marechal Foch conduziu uma
ofensiva com 180 divisões, o que acarretou que os altos comandos militares
alemães se vissem dispostos a solicitar um rápido armistício, aliás não muito
consensual, e que deu azo a lutas internas e recriminações durante a alguns
anos (o que não deixou de ser aproveitado pelos nazis para assumir o poder).
Dias depois, a Bulgária capitulava, no fim de outubro o mesmo
sucedia com a Turquia, a Áustria assinava um armistício a 4 de novembro. A
Alemanha ficava isolada e a 11 de novembro de 1918, na carruagem de caminho de
ferro que transportava Foch para receber a capitulação alemã, era assinado o
armistício que punha termo a um conflito que teve início cerca de 54 meses
antes.
À medida que o número de mortes ia crescendo, a Guerra
tornava-se cada vez mais impopular, pelo que quando a notícia chegou a
Portugal, foi acolhida com alegria, alívio e esperança.
Em Paris, a 14 de julho de 1919 um contingente de 150
soldados do CEP (onde se encontrava o Sold. Artª. Joaquim Freitas, de Coz),
integrado nas forças aliadas do Marechal Foch, desfilaram na Etoile sob o
comando do Maj. Inf. Ribeiro de Carvalho, tendo como Porta-bandeira o Ten. Inf.
Perestrello D’Alarcão e Silva, do Reg. Inf. 22.
Nesse mesmo dia, uma multidão
emocionada proveniente de muitas localidades do País, assistiu em Lisboa na
Avenida da Liberdade à Parada da Vitória, para o qual o Parlamento votou um
crédito, bem como para outras despesas com as celebrações.
Dias depois em Bruxelas (22 de julho de 1919), um contingente
do CEP, integrou o desfile dos Aliados, sob o comando do Maj. Inf. André Brun
tendo como porta-bandeira o Ten. Inf. Perestrello d’Alarcão e Silva. Ao evento,
assistiram na Tribuna de Honra, o Rei Alberto da Bélgica e o exilado D. Manuel
II.
Em Inglaterra, o Desfile/Parada da Vitória já se havia
realizado a 5 de julho, tendo-se iniciado em frente a Buckingham Palace perante
o monarca, seguindo pelo Strand e Fleet Street até Mansion House, onde o Lord
Mayor passou revista às tropas, e se dirigiu a Tower Hill.
André Brun, filho de pais franceses radicados em Portugal,
seguiu a carreira militar (chefiou o Bat. Inf. 23 que chegou à Flandres em maio
de 1917), alcançando a patente de major por distinção, tendo sido agraciado com
a Cruz de Guerra.
Foi em 1925 um dos sócios fundadores da SPA/Sociedade
Portuguesa de Autores. A sua obra literária repartiu-se entre o teatro e a
crónica, centralizando-se naquela, com humor, nos aspetos corriqueiros da
pequena burguesia lisboeta. Escreveu várias peças de teatro (que foram êxitos,
ainda lembrados), especialmente comédias e números de teatro de revista. Uma
das suas obras mais conhecidas, A Vizinha do Lado, foi adaptada ao cinema por
António Lopes Ribeiro. O mesmo aconteceu com A Maluquinha de Arroios, com o
filme homónimo de Henrique Campos, em 1970.
Apesar do sucesso nas letras, fez questão de se alistar para
ir combater os alemães, aliando as funções de militar com as de jornalista,
correspondente de guerra para o jornal a Capital. Foi talvez o primeiro ou
único jornalista luso a dar indicação correta sobre a tragédia do 9 de abril de
1918, apesar de ter abandonado aas trincheiras dois dias antes.
André Brun dormitava numa
aldeia próxima quando, como escreveu para o jornal em 22 de outubro de 1918, o
seu rumor avoluma-se e torna-se dentro em pouco como o metralhar de uma onda
brava batendo a rocha sem descanso. O rumor não cessa um minuto e em breve toda
a aldeia se agita, todos se ergueram para saber o que há de quando em quando,
ouvem-se mais pero as “chegadas” da artilharia mais pesada. O inimigo está
regando aa nossas zonas mais recuadas. As nossas peças grossas ripostam. Temos
a impressão que coisas formidáveis se estão passando. As horas vão decorrendo
sem que aquele furacão abrande. Os nossos ouvidos afeitos aquelas tempestades,
reconhecem que esta é a maior de todas.
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