quinta-feira, 15 de setembro de 2011

(I) UM EXCELENTE E EXTRAVAGANTE CAVALEIRO TAUROMÁQUICO


-Vitorino Fróis, de Alfeizerão,
-Em Portugal e Espanha
-O Pão de Ló e o Rei D. Carlos

Vitorino de Avelar Fróis, natural e residente em Alfeizerão, abastado proprietário rural da Quinta Nova de S. José, agricultor e criador de gado bravo, foi nos primeiros anos do século XX, um dos mais distintos e famosos cavaleiros tauromáquicos do País, mestre dos cavaleiros portugueses. Pessoa muito estimada, de fino trato e bem relacionada (era das relações do Rei D. Carlos que o chegou a visitar mais que uma vez Alfeizerão e ali fazer piqueniques), com uma personalidade vincada, algo marialva e extravagante, de farto bigode retorcido e bem apessoado, tinha a fama, embora não saibamos se o proveito, de ser um apreciador do belo sexo, pertenceu a uma família de cavaleiros tauromáquicos profissionais, tal como seu pai, embora este não tivesse atingido tanta projecção.

Extravagante?
Vitorino Fróis tinha na sua ganaderia um touro que começou a ser amestrado logo à nascença. Quando havia visitas na quinta e Vitorino Fróis as queria impressionar, avisava que tinha uma surpresa, mas que para isso, seria em absoluto necessário que todos se mantivessem tão calados e sossegados, quanto possível. Então mandava o animal entrar na sala, seguro por umas cordas (por mera precaução), por dois empregados, a fim de dar a volta à mesa. Os convidados ficavam estupefactos, assustados nalguns casos, e as senhoras davam gritinhos histéricos. Na verdade, em termos de corpulência e cor, nada distinguia esse animal de qualquer outro bravo toiro de lide.

D. Carlos está, segundo se diz, associado à receita do Pão de Ló de Alfeizerão. A história conta-se em breves palavras. Diz-se que este cartão de visita da doçaria do Oeste, foi criado a partir de um erro de fabrico, no final do século XIX, aquando de uma visita de D. Carlos a S. Martinho do Porto e a Alfeizerão. Parece que uma das empregadas estava tão nervosa com a visita reai, que tirou o pão-de-ló antes do tempo habitual de cozedura. Mas afinal, o resultado foi que o erro, ficou melhor que o original. A receita teria sido foi levada para a antiga vila piscatória de Alfeizerão pelas religiosas do Mosteiro de Cós, a variante feminina dos monges cistercienses de Alcobaça. Apesar da antiguidade da receita, a fama só veio no início do século XX, com a utilização de S. Martinho do Porto como estância de férias para as classes altas e de todos os que paravam em Alfeizerão, sito na antiga estrada Porto-Lisboa.

Fróis como recorda José Tempero, costumava dizer eu não morro, nem que me matem, faleceu por alturas de 1938 e encontra-se sepultado em Alfeizerão.
Exibicionista?
Preparou a sua última morada, de uma forma meticulosa e com antecedência. Como tinha muitos pinhais, mandou atempadamente cortar o seu melhor pinheiro, que em seguida foi serrado em pranchas, para fazer um caixão à precisa medida. Antigamente, os caixões não eram de tamanho standart, indo o cangalheiro a casa colher as medidas do defunto. As tábuas do futuro caixão, encontravam-se guardadas num armazém/palheiro da quinta, ao lado de uma lápide em mármore com o nome, data de nascimento e, em aberto, a data do falecimento. Esta lápide ainda existe no cemitério de Alfeizerão.
O célebre cavaleiro dos anos cinquenta, João Branco Núncio (alcunhado o Califa de Alcácer), muito mais tarde, numa entrevista em que lhe foi perguntado o que pensava do toureio, a cavalo, respondeu que, vejo-o como uma manifestação artística que, pelas suas dificuldades e emoções, nos prende e apaixona até ao mais fundo da nossa alma.
-Encontra alguma explicação para a sua aficion?
-Creio que em parte a minha aficion, ao toiro, teve o seu início nas faenas da amancia, dos bois bravos, para o trabalho. Além disso a leitura da revista La Lídia, que meu avô materno assinava, também não é estranha ao facto.
-Quais as diferenças e semelhanças, entre o toureio montado e o apeado?
-Fundamentalmente não lhe vejo diferença, acho até que as regras básicas que os regem são as mesmas.
-O seu modo característico de tourear foi inspirado por alguém?
-Dediquei atenção a todos os toureiros que vi, mas, muito em especial, ao Sr. Vitorino Fróis que executava o toureio de maneira diferente. Aquilo que vi aos outros tentei aproximá-lo mais do toureio a pé, não esquecendo que, apesar de estarmos a cavalo, há necessidade absoluta de saber interpretar o toiro.

João Núncio deu, um importante contributo, para a divulgação da corrida de touros à portuguesa, no estrangeiro.
É sabido que os touros na Europa são lidados em Espanha, Portugal e no Sul de França. Por alturas de 1966, João Núncio foi convidado a fazer uma corrida na praça de Bayonne, o que fez montando o famoso Quo Vadis. Segundo reza a história, foi a primeira corrida à portuguesa, realizada em França. Posteriormente, muitos cavaleiros, toureiros e forcados portugueses actuaram em praças francesas.
Afinal o contributo de Vitorino Frois em João Branco Núncio, foi relevante no sentido de este transformar o toureiro a cavalo em Portugal e no estrangeiro. O seu descendente, José Luís Núncio Fragoso opinou que nos inícios do século XX, dá-se a reposição da sorte de caras, por força de uma actuação de Vitorino Fróis, ante touros da ganadaria do Rei D. Carlos, num momento em que se tenta impor o touro puro para toureio equestre.
Touros puros eram aqueles que nunca haviam sido corridos. Ora se um touro já foi toureado, na vez seguinte, já percebe o que vai acontecer, e então o toureiro tem de jogar às escondidas com ele.
Sobre Vitorino Fróis, o crítico A. Vasco Lucas escreveu em 1995, ao que supomos nessa linha de entendimento, que (…) o toureio a cavalo poderá dividir-se em duas partes distintas, ou seja, antes e depois de João Núncio, pois foi o génio deste que marcou a grande viragem da tauromaquia equestre, transportando para esta os conceitos e regras da revolução belmontina operada no toureio apeado. Assim antes do Califa de Alcácer, os touros eram lidados sem apuros técnicos, corridos a dar a cova e farpeados sem o aguentar e o carregar das sortes, nem o domínio e temple das investidas. Logo foi com com a concepção nuncista, ténue e anteriormente vislumbrada por Vitorino Fróis, que surgiu o tourear de caras, única sorte onde existem todos os tempos de toureio (…).

A relação de Vitorino Fróis com a casa real e o rei D. Carlos advinha também do interesse de ambos pela Festa Brava. A ganadaria da Casa de Bragança estava situada no Alentejo, aonde Vitorino Fróis ia por vezes e a manada, no ano de 1901, que pastava em Ameixieira, era composta por 75 cabeças. As vacas eram oriundas de uma ganadaria espanhola e das ganadarias portuguesas de Máximo Falcão e Emílio Infante da Câmara. O primeiro semental, segundo José Tanganho, foi o toiro Caraça, com ferro Infante da Câmara, que foi lidado em praça, por Vitorino Fróis, e foi depois corrido mais 10 vezes, facto espantoso pois, normalmente, hoje em dia é ponto de honra (não sabemos mesmo se de lei) que nenhum touro pode ser lidado mais que uma vez. Este animal veio a ser pegado de caras por D. Carlos, num festival taurino na sua herdade, onde foram convidados vários dos seus amigos como Simão da Veiga (pai), Conde de Arnoso, José Calazans (forcado), Duarte Pinto Coelho, Theodoro Gonçalves, Vitorino Fróis e Alfredo Marreca.
Conta-se (há quem como António Guerra, da Maiorga, diga que é lenda) que no auge da fama, Vitorino Fróis foi fazer uma corrida a Espanha, o que aliás acontecia com regularidade, estimulada pela tradicional rivalidade entre portugueses e espanhóis, bem como pela respectiva aficion. Antes do início da corrida, o seu encarregado dos cavalos, veio comunicar-lhe que tinha visto um indivíduo, às escondidas, a aguçar com uma grosa, os chifres do toiro que lhe saira na sorte para lidar. Perante isto, Fróis ordenou ao empregado que fosse, de pronto, comprar duas navalhas de ponta e mola e que depois, também sem que ninguém o visse, as amarrasse abertas nos cornos do boi. Quando o corpulento e negro animal de quinhentos e muitos quilos, entrou a babar-se na arena e o público se apercebeu da situação, entrou como que em histeria. Vitorino Fróis saiu-se muito bem, sem que as pontas das navalhas tocassem ainda que ao de leve o cavalo, pelo que no fim da lide, foi na boa tradição tauromáquica espanhola, levado da arena em ombros.
Perante tamanho arreganho, Fróis foi convidado por um grupo de aficionados para um jantar de homenagem. Estando já todos à mesa, um empregado negro abeirou-se dele e disse-lhe subtilmente que não jantasse, porque corria o risco de ser envenenado… Fróis arranjou uma desculpa qualquer, e já não assistiu ao jantar. No dia seguinte, convenceu o negro a ir morar para a quinta de Alfeizerão e, ao mesmo tempo, comunicou à família e empregados, entre os quais o feitor António Tempero Junior (pai de José Tempero) que aquele iria por lá ficar enquanto quisesse, com direito a cama, mesa e roupa lavada. E assim foi durante alguns anos até que acabou por regressar à sua terra.

(CONTINUA)

FLEMING DE OLIVEIRA

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