sexta-feira, 30 de setembro de 2011

ALCOBAÇA NAS BARRICADAS-1975



-Rio Maior. Aqui começa Portugal
-As alianças do dr. Cunhal
-Leiria
-Incidente (esfaqueamento mortal) em Caldas da Rainha por razões político-partidárias
-Alcobaça PRESENTE!

Em comunicado distribuído em Alcobaça, o PPD convidava os seus militantes e simpatizantes a comparecerem e a incorporarem-se, ao princípio da tarde de 21 de Julho de 1975, no funeral do comerciante António Ramalho Junior, que morreu em consequência de ferimentos contraídos durante uma discussão em que se envolveu por razões partidárias. O PPD de Alcobaça fez-se representar por uma delegação composta por Fleming de Oliveira, Silva Carvalho, Firmino Franco e Carvalho Lino, entre outros, tendo apresentado condolências aos companheiros da Concelhia do PPD de Caldas da Rainha.
O Ramalho, incitava a população de Caldas da Rainha a tomar de assalto a sede do PC, quando Mário Fernandes de Sousa, também comerciante, após uma breve troca de palavras, o esfaqueou no peito, com uma faca de ponta e mola. O homicida era militante do PC e a vítima adepto do PPD.

Nesse mesmo dia, cerca de 10.000 pessoas assistiram em Leiria a um comício do PPD, enquanto que a sede do PC era guardada por militares armados. Após a intervenção de vários oradores, entre os quais Ferreira Junior e Oliveira Dias, que criticaram as opções do MFA, sob o slogan socialismo sim, ditadura não, isto é do povo não é de Moscovo, Cunhal para a Sibéria, foi aprovada uma moção para ser entregue ao MFA, na qual o PPD exigia a constituição de um governo que garanta o exercício das liberdades e da democracia, a imediata remodelação dos meios de informação, transformando-os em órgãos nacionais, isentos e imparciais, medidas de respeito e dignificação da Assembleia Constituinte, a destituição das Câmaras e Juntas arbitrariamente constituídas e a instauração de novos corpos administrativos em eleições que constituam a vontade do povo.

Na tarde de 13 de Julho, cerca de 200 pessoas, a mando de caciques locais, assaltaram as sedes do PC e FSP, de Rio Maior, de onde resultaram cinco feridos, todos do PC.
Quando souberam que estavam a decorrer estes acontecimentos, Américo Malhó e Jorge Mateus, foram dos Montes ver o que se passava. Sempre que possível, não perdiam uma oportunidade, até diziam que já estavam a ganhar-lhe o gosto e podiam dizer, com legitimidade, que tinham cicatrizes feitas nas trincheiras partidárias.
Antes de chegarem à entrada da vila, depararam com um grupo de soldados um dos quais os mandou parar, sair do carro e abrir a mala para ver o que continha. Américo Malhó disse que a não abria, tanto mais que o carro que conduzia, um Peugeot, não era seu, mas do amigo e conterrâneo Jorge Mateus. O soldado, com ar irado e ameaçador, disse-lhes que ou a abriam ou lhes dava um tiro. Como Américo Malhó e o Jorge Mateus continuavam a nada fazer, diziam para o militar, abre-a tu se quiseres, o soldado tentou abrir a mala, para o que colocou a arma ao ombro. Américo Malhó, saído à pouco da P.M., com toda a facilidade, sacou-a e disse ao soldado então diz lá agora, quem é que dá um tiro?
Depois de lhe terem sacado a arma, meteram no carro o pobre diabo que, mudo e calado, nem protestava, e rumaram em direcção ao centro de Rio Maior, aonde se propunham soltá-lo, com uma palmada no traseiro, sem todavia lhe restituírem a arma. Porém, quando entraram num café, viram outros militares armados, a cavaquear amenamente e tendo reconhecido um, que era dos Montes, o nosso conhecido 70, foi a este que o entregaram, com a arma e algum sarcasmo.

Zé Póvoa, Hermínio Fortes, António Malhó e Firmino Franco, queriam estar na primeira linha dos acontecimentos, pelo que també foram para Rio Maior. Ao chegarem perto de Rio Maior, pela EN 1, por alturas do Alto da Serra, já o trânsito estava condicionado, pelo que tiveram que deixar a viatura antes do cruzamento para Caldas da Rainha. Fizeram o restante caminho a pé até à entrada norte da Vila, onde começava a concentração de populares. O movimento ainda estava algo desorganizado, era apenas uma manifestação da CAP, contra a ocupação e controlo do Grémio da Lavoura, por elementos afectos ao PC. Os manifestantes queriam cortar o acesso de alimentos a Lisboa, ocupavam a via pública e, com determinação, não permitiam a passagem a qualquer viatura. Foi o início do famoso corte de estrada de Rio Maior que provocou a divisão do país em dois, com o forte slogan Aqui começa Portugal, ou seja, dali para baixo não era reconhecido como solo português, mas sim, terra ocupada por estranhos.
Com o passar do tempo os manifestantes tornaram-se mais organizados e objetivos, tomando força através da colocação de máquinas e viaturas pesadas, a obstruir a estrada.
Os montenses, que estiveram a dar o apoio, regressaram satisfeitos ao final do dia a casa, e para se prepararem para voltar à noite às barricadas, pois estavam cansados.

Dois dias depois, grupos de pessoas, onde se encontravam bastantes beneditenses conhecidos de José Vinagre que ficara na Benedita a trabalhar no seu estabelecimento comercial, rasgaram e queimaram maços de jornais transportados pelas carrinhas do Diário de Lisboa, destinados ao centro e norte, como desagravo pela forma tendenciosa como os vespertinos lisboetas DP e DL, relataram os assaltos às sedes do PC e FSP, por hábeis e perniciosos elementos agitadores contra revolucionários, na linha de um comunicado do COPCON.
O Povo de Rio Maior também emitiu um comunicado em que pretendeu justificar aquelas ações pois foi alvo de humilhante e insidiosa adjectivação, através da Rádio, TV e da Imprensa.
Os montenses passaram várias noites de vigília em Rio Maior, engrossando as fileiras dos resistentes. Ali, juntavam-se grupos à volta de fogueiras, onde não faltava pão, febras ou chouriço, sardinhas e vinho, trazidos por gente solidária e repartir comunitariamente. De vigília, com as armas por perto, passavam a noite entre histórias e anedotas. Também havia acordeão ou viola. Entre os resistentes encontravam-se pessoas que, não podendo passar, se juntavam a eles para conviverem e manifestarem o apoio. José Acácio dos Santos contava que, numa dessas noites, estava um senhor de meia-idade, sentado junto à fogueira, mas nada dizia, triste e de olhar fixo no fogo. Começaram a pensar se ele não pertencia ao outro lado da barricada, pelo facto do seu comportamento ser algo estranho, até que alguém não se conteve e perguntou-lhe o que se passava, se concordava ou não com eles. Ele respondeu, de forma simultaneamente altiva e dolorosa, que vinha do Porto para o Alentejo, onde possuía uma pequena herdade, tendo ficado ali retido. Entretanto, tinha recebido um telefonema da esposa a anunciar-lhe que a sua herdade tinha sido ocupada e que durante a ocupação, a mãe dele tinha morrido, ao ser arrastada à força para fora da sua casa. Era essa a razão da sua profunda tristeza, estava totalmente solidário com o movimento de Rio Maior, mas queria ir para junto da família enlutada.

Em Rio Maior, a Secção do PS, com data de 7 de Novembro de 1975, emitiu um comunicado em que,
(…) Os militantes do PS da Secção de Rio Maior, constituída por operários, camponeses, trabalhadores rurais, na sua esmagadora maioria, dão o seu incondicional apoio às objectivas afirmações do Secretário Geral, Camarada Mário Soares, considerando a sua intervenção no Frente a Frente com o sr. Dr. Álvaro Cunhal, traidor da classe operária, que ostensivamente não vê a realidade portuguesa extremamente válida para a contribuição da resolução da crise política actual, vindo a propósito, lembrar ao PC:
-Que, após o 25 de Abril os comunistas portugueses foram recebidos na sociedade de braços abertos, nomeadamente no caso de Rio Maior.
-Que antes do 13 de Julho de 1975 (incidentes de Rio Maior) os Partidos Políticos aqui implantados viviam um salutar clima de democracia, tendo até, todos, organizado diversas actividades em conjunto, recreativas, culturais e até políticas.
-Que perante uma convocação para um plenário de agricultores, com a assistência do IRA, delegação de Alpiarça, no referido dia 13, em que o PC tomou para si a responsabilidade da organização fazendo convocatórias à socapa e mandando umas circulares entre 6000 agricultores inscritos no então Grémio da Lavoura, para o plenário, o clima político, salutar, estragou-se pois o POVO, que o sr. Dr. Cunhal diz considerar acima de tudo, descobriu as suas manobras.
-Que o PC a nível de Rio Maior, também pretendia ser a VANGUARDA do processo político, e não a vanguarda dos trabalhadores portugueses, tão, dizemos nós, dominado por PC’s.
-Que isto vem reafirmar ou confirmar, a declaração do Camarada Mário Soares, ao dizer que os lugares chaves da vida Portuguesa estavam ou ainda estão, entregues a um só partido.
-Que o PC, na verdade, tinha intenção de se infiltrar em todo o aparelho de Estado e dai contrariar a seu belo prazer a revolução portuguesa, sem se importar de regar os cravos de 25 de Abril com o generoso sangue dos portugueses.
-Que disso é uma prova o assalto às armas, facto que o sr. dr. Cunhal sempre se esquivou a definir a posição do seu partido, no Frente a Frente realizado na T. V.
-Os ódios fomentados em Portugal desde o 25 de Abril, precisamente por o PC não aceitar as regras do jogo, são um índice de que a sociedade portuguesa está em crise moral aliada à crise económica a que o PC não é ilibado de responsabilidades com o seu sistemático incitamento aos honestos trabalhadores portugueses, a ocuparem terras, que, se o PC não sabe devia saber, não têm possibilidades técnicas, de desenvolver.
-Isto é um convite ao suicídio, e não um pacto com os trabalhadores.
-Os trabalhadores militantes do PS em Rio Maior repudiam as afirmações do sr. dr. Cunhal, quando diz que o seu partido tem uma aliança com a direita.
-Por outro lado disse que o PS tinha uma aliança com o MRPP e AOC o que é falso.
Serão estes partidos
de direita?
-O programa do PS, é claro, quando diz que é pela liberdade e respeito por todas as ideologias.
-Será que o sr. dr. Cunhal confunde alianças com respeito pela maneira de pensar dos outros?
-Os trabalhadores militantes do PS em Rio Maior repudiam a auto-nomeação de um Partido Político como único defensor da classe operária.
-Os trabalhadores militantes do PS em Rio Maior repudiam a discriminação feita pelo sr. dr. Cunhal ao Povo Português, e aqui também incluem os militares, na sua classificação de reaccionários e progressistas.
-Os trabalhadores militantes do PS em Rio Maior solidarizam-se com o secretário-geral do PS, camarada Mário Soares, na defesa intransigente do socialismo em liberdade e na sua determinação em querer, acima de tudo, salvar este país da situação em que presentemente se encontra.(…)



FLEMING DE OLIVEIRA

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