quinta-feira, 29 de setembro de 2011

-SER ADVOGADO, FUNÇÃO HONROSA E ESPINHOSA -FLEMING DE OLIVEIRA, DEPOIMENTO NA PRIMEIRA PESSOA


(I)





Por conviver, lado a lado, com os lados melhor e pior das pessoas, a Advocacia é uma actividade que muito toca os que a exercem.
O privilégio de comunicar directamente, ouvir as queixas, aconselhar e até dar palavras de esperança, transforma o Advogado num observador íntimo, excepcional e experiente.
Quem não percorreu este percurso, que assume especial relevância fora dos grandes centros urbanos, dificilmente compreende a magia de perceber algumas complexas reacções humanas. É essa condição que tem conferido à Advocacia, ao longo da História, a dignidade de comunicação, em muitos casos com a complacência, se não mesmo com oposição do poder autoritário. O Estado Novo não foi excepção, pelo que não conseguiu retirar esse lado sombrio de um tipo de postura política.
Quando se diz que a vida de Advogado não é fácil, não existe exagero, nem presunção contida. Os que voluntária e conscientemente optaram pela Advocacia, devem estar preparados para uma vida de espinhos, no meio de incompreensão, os maus modos ou a impertinência de outros agentes. Se só houvesse funcionários públicos, haveria justiça?
Sempre entendemos que a Advocacia é bom comportamento, civilização e ética, pelo que há que ter o cuidado de, jamais, subestimar ou desprezar o saber de um Colega ou Magistrado, no exercício da profissão. Mas temos notando, com desencanto, o número crescente de profissionais do foro, sem princípios, que por variadas razões, como as dificuldades de vida e a concorrência desenfreada, esquecem regras basilares decorrentes do Estatuto. Com esses sim, há dificuldade em manter a postura de civilizado.
A aprendizagem de histórias extraordinárias, recolhidas no recato de um gabinete onde o pormenor e a lealdade são decisivos, tem contribuído para desenvolver o sentido crítico e o pendor literário de alguns juristas, advogados, senhores de uma prosa e estilo literário de boa correcção. O Advogado, que se preze, é o exemplo acabado de quem sabe manejar a caneta, para fazer valer as suas ideias, tal como os princípios que norteiam o Estado de Direito. Com essa arma poderosa, num pulso forte e com uma boa carga, como acontecia com a velha BIC, muito pode o advogado fazer em prol da sociedade, hoje como no antigamente.

A experiência profissional de jurista, ajuda a entender que o conceito de cultura, vai muito para além do do agricultor (cultivo e amanho da terra), sem desprimor para este. O conhecimento da História, foi assunto particularmente exigente na formação dos estudantes do antigamente, e depois dos profissionais do foro.
Os românticos e a nova burguesia esclarecida, juristas incluídos, viveram activamente, nos últimos dois séculos, os movimentos revolucionários, nos quais deram vazão ao espírito militante e aventureiro.
Em França, as revoluções do século XIX, contaram sempre com o apoio de escritores e juristas.
Em Portugal, o movimento de 1820, que prosseguiu com as lutas liberais, opôs a burguesia progressista, com muitos juristas da Escola de Coimbra, à aristocracia conservadora, imobilista e passadista. Foi neste terreno que germinou o espírito do romantismo, sendo Garrett e Herculano, como outros exilados, pioneiros e expoentes combatentes da liberdade. O romantismo foi, no gosto pela aventura e novidade, uma época de exageros que cultivou o lado sombrio da vida, ao qual os seus intérpretes deram corpo a muita obra. O romantismo medrou com o desenvolvimento económico-político e terminou com revolução industrial, que após meados do século XIX transformou, a Europa. O optimismo das convicções revolucionárias dos românticos, não acompanhou o progresso das ciências e das mudanças sociais, mais preocupados com o conhecimento real da natureza e o esclarecimento da verdade. O lirismo que inspirara e dera forma ao romantismo na sua concepção melancólico-sombria da vida, desvaneceu-se por lhe faltar um suporte e um objectivo, embora admita que, no conjunto, a obra seja formalmente correcta e bela.

Já me tenho interrogado, o que me leva a escrever, ainda que em privado ou tão só para a gaveta, nalguns casos, de alma nua e exposta. Quantas vezes me fogem as palavras por entre os dedos, não tenho mão nelas, precipitadas, sem sentido. Bem gostava de saber a sério deste ofício de escrita, mas quando muito cumpro o ritual de as alinhar, na busca de um sentido para o pensamento. Ser escritor, não é, nem pode ser isto. Tem de ser alguma coisa de maior, que permita ao leitor entender a realidade, para além da simples aparência, um acertar de coordenadas que permitam levar cabo a vida de um modo escorreito ou, pelo menos sem escolhos de maior, navegar sem percalços, apesar de não saber o porto do destino. No frio de uma audácia tímida, envergonhada, vou escrevendo, os dedos na caneta não param, como o pensamento. Apago, ao que suponho, serem preconceitos e receios, os que a sociedade, a família?, nos martela dia a dia, na sala de estar, no café ou na televisão. O tempo passa fluído, como se fosse um momento só. Sem que se espere, ou o espere, o momento seguinte surge e com ele formas, nem sempre perceptíveis. Vou escrevendo como sei, devagar, tentando saborear os impulsos de conseguir obter, um dia, uma conclusão definitiva, qual alquimia!!!, elaborando-os mais, profusa e insaciadamente. Não sou obviamente um Eça, nem um psicanalista, mas apelo intimamente a umas musas que gostaria de conhecer que me permitissem abordar de forma mais interessante figuras, quadros, emoções, esboços, imagens mais ou menos definidas da nossa vida ou da nossa terra. Assim, me vou vestindo de usado, tendo deste modo uma forma de prazer interminável e imprescindível. Afugento o frio e a fome. Acalmo a dor. Canto, como posso, a alegria da vida vivida, de viver a vida e, ser avô. Mas acima de tudo, ouso neste meu momento de escrever, sonhar um pouco. Por isso, é que a escrita é, para mim, uma tentação e necessidade.
Utilizo por vezes ficção?
Claro, porque em parte tem a ver com a minha maneira de ser, quando se prolonga na procura de um contorno, a metáfora, e como forma de aceitar o silêncio e, tacitamente, algumas regras de convivência e/ou de exclusão. Por isso, nesta escrita, como tenho dito, não se pode procurar, encontrar uma linguagem puramente literal, transparente por ou para si própria, embora se remeta e aproxime de si mesma, onde o mundo e a vida nascem com e para a palavra, numa indeterminação entre ambas. Para aliviar essa carga, sou até capaz de alguns delírios para abrir mundos, iluminar coisas (que exageros!!!), reacender potencialidades antigas. Tenho visto algumas coisas de carácter pessoal e profissional, de conteúdo mais ou menos interessante, ético ou até dramático, que suponho cumpre registar.
Atravesso, neste momento, um deserto?
Admito que sim, mas não totalmente estéril. Não estou, nem quero estar imune à influência dos outros próximos. Se isso fosse possível, extinguiam-se a História e as Heranças, que tanto prezamos.
Em casa de meus Pais, em Miramar, falava-se por vezes no Senhor de La Palisse, quando se pretendia salientar uma evidência ou uma redundância. Na verdade, correndo esse risco, atrevo-me a concluir definitivamente que somos influenciados pelo que nos rodeia. Andre Malraux, que hoje parece um pouco esquecido, escreveu na Condição Humana que, são precisos sessenta anos para fazer um homem e quando está pronto para começar a viver, morre.
Falando de pessoas notáveis, e eu aprecio especialmente as das letras, do espírito e menos os políticos, não posso esquecer Sócrates, o filósofo e sábio grego da douta ignorância que considerava que sem esta, o espírito nunca poderia dar à luz. Daí que a dúvida e a disponibilidade para ela, fossem uma forma superior de sabedoria. Só sei que nada sei !!! Que maior lição de humildade intelectual se pode ainda hoje achar?

(CONTINUA)


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