segunda-feira, 19 de setembro de 2011

O NOSSO NATAL FO



(II)

Um Natal que não festejamos na nossa Casa de Miramar, foi muito mais tarde, no ano de 1970, quando a minha Raquelinha nasceu.
Nessa noite de Consoada, 24 de Dezembro de 1970, ainda não tinha começado o ciclo de 3 Natais na Guiné, a Aninhas estava na Casa de Saúde, a Raquel tinha acabado de nascer, nós fomos jantar a Matosinhos, a Casa da Avó Lícia, onde vivia o Tio Mário e Família.
Aliás, a casa de Matosinhos, na Avenida Serpa Pinto, que também já não existe, era de certo modo como uma segunda casa. Ali, jogava à bola com o Zé Quitolas na viela, dormia muitas vezes, jogava bilhar numa pequena mesa de excelentes tabelas (ainda) arredondadas, mas com tabuleiro de mármore muito preciso, pano verde e bolas de marfim, fumávamos umas priscas às escondidas na retrete, e quando a Avó ou a Tia Maria Cândida não estavam, íamos brincar para a cozinha com a Maria, uma empregada com os seus 20 anos, redonda, alourada, de peitos fartos e descaídos, que se ria muito quando nós lhe tocávamos e dizia que ia fazer queixa à senhora (o que nunca fez).
Não sei se o Quitolas se lembra desta.
Éramos garotos e arranjámos uma séria de priscas para fumar, que o meu Pai e o Tio Mário tinham deixado no cinzeiro. Metemo-nos na retrete da varanda a fumar rápida e sofregamente umas priscas seguidas de outras, até que fomos apanhados pela Tia Maria Cândida que viu fumo sair por debaixo da porta. O Quitolas, muito agoniado, vomitou o almoço todo, ficou de cama com dor de barriga por dois dias. Mas porque é que fomos fumar de empreitada para a retrete? Isso é outra história. Uns dias antes, tínhamos visto na rua Brito Capelo, um homem que dizia saber deitar fumo pelos olhos. Nós claro ficamos boqueabertos.
Seria isso possível? Vamos lá ver. E o homem dizia aos garotos como nós:
Põe-me a mão na barriga e empurra com força, porque eu vou engolir o fumo. Tapo a boca, o nariz e as orelhas e a seguir o fumo sai-me pelos olhos!!!.
O homem, que tinha aprendido esta habilidade segundo dizia em Marrocos, fechava os olhos, sorvia o fumo, deitava (?) o cigarro com aparato para o chão, dizia já está!!!. Então com toda a gente, os garotos, distraída a ver se os olhos deitavam mesmo fumo, ele movimentava o cigarro, que afinal não fora para o chão, e encostava-o à mão da vítima que lhe empurrava a barriga. Creio que a queimadura não era grave, mas um colega meu que se queixou que afinal aquilo não era truque nenhum, ainda ouviu do mágico:
É verdade, sim senhor!!!, se os meus olhos não deitam chispa, são os teus que ficaram a arder.
Com isto uns riram-se, outros não. Seja como for, dias depois fomos fumar para a retrete da varanda da casa de Matosinhos, até sermos apanhados pela Tia Maria Cândida.
O Tio Mário era o meu segundo herói. Fazia a barba com pincel e navalha que afiava à maneira, o Zico usava máquina eléctrica, nadava crawll com estilo, nós só de bruços, falava de pequenas, comia que era um gosto ve-lo, por exemplo sentado à mesa com uma boa pratada de feijoada ou umas lulas grelhadas, uma garrafa de tinto (ao invés do Zico e a Avó Lícia que só bebiam, branco), a preparar o estômago antes de começar com os demais a almoçar, e ia buscar-me e levar-me de carro ao colégio. Era no tempo em que o Avô Oliveira tinha um DKW (da Alemanha de Leste) e um Volkswagen (Carocha).
Mas gostava, muito especialmente, de ouvir o Rui Fleming que era um pouco mais velho que nós e nos ensinava coisas básicas da vida. O Rui tinha 12 anos mas já praguejava, fumava cigarros com filtro, bebia vinho e dizia que ia às meninas, em Leça.

(CONTINUA)

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