terça-feira, 27 de setembro de 2011
AS NOSSAS MEMÓRIAS FLEMING DE OLIVEIRA
(IV)
-O TEMPO PASSA DEPRESSA E CUSTA A
PASSAR?
-HOJE SOMOS PEQUENOS, AMANHÃ JÁ
NÃO.
Vendo bem, o tempo não custa nada a passar.
Hoje somos pequenos, amanhã já somos grandes.
Era uma vez, um menino pequenino que queria ser grande, seria eu?, mas quando ficou grande queria ser outra vez pequenino, porque chegou à conclusão que ser pequenino é capaz de ser bem melhor do que grande. Afinal, a vida é assim. Quando somos pequeninos, pensamos que chegados a grandes, tudo será diferente.
Em pequeno, pensava que era grande e em grande senti-me muitas vezes pequeno.
Falando dos tempos da Casa, já na geração seguinte, a Núnú relembra um concurso entre famílias em que o Miguel e o João tiveram que fazer uma mímica representando a Raquel e a Paula. A maneira que acharam para as representar foi discutirem, darem pontapés no carro da Biquica, estacionado no pátio.
Também me lembrou que quando o Miguel era bebé estava sentado na minha cama (dela Núnú) e tu atiravas-lhe coisas para cima dele e só dizias mexe-te morcão, pois era supersossegado.
Desculpa lá mais esta, Miguel!
Agora que tanto se fala dos fundamentalismos islâmicos e das mulheres de véu, lembrei-me que ainda sou do tempo em que as senhoras cobriam a cabeça com um manto, quando iam à missa, ou usavam chapéu, com véu, quando saíam à rua. Não eram só as noivas.
Lembro-me muito bem da Avó Laura (Ferreira), usar chapéu com um véu escuro e transparente, que lhe cobria a cara, muito especialmente quando ia com a Zica às compras ou tomar chá na Confeitaria do Bolhão ou na Leitaria da Quinta do Paço, sentada no banco de trás, do lado direito, no automóvel preto conduzido pelo chofer, senhor Manuel, que usava boné, mas não luvas, vivia em Rio Tinto, mas dormia no Porto, num quarto por cima da garagem, ao fundo do jardim. O carro, um Austin grande, nunca parava à porta dos locais aonde a Avó Ferreira se queria dirigir, mesmo que houvesse espaço, porque suspeitava que se a vissem sair de um carro com chofer de boné, lhe cobrariam as coisas mais caras. Nessa altura era vulgar no Porto pedir uma atenção isto é, desconto. Em casa da Avó Laura Ferreira, vivi algum tempo enquanto estudava nos primeiros anos do Liceu D. Manuel II e o Zico trabalhava na Barragem de Picote, a primeira do Douro internacional.
Menino são horas! Ainda rameloso, sentava-me no banco da cozinha para tomar o pequeno-almoço, rápido e curto, com as duas empregadas que faziam renda a assistir e a ouvir o ralhete amável da Tia Otília, viúva, tal como a Avó Ferreira, menino, isso não chega para a tua idade !
Lembra a Náná que enquanto o Zico estava a acabar o curso de Direito, antes era Agente Técnico de Engenharia, como então se dizia aos alunos saídos do Instituto Industrial do Porto, esteve três anos a trabalhar na Barragem de Picote e nós íamos lá passar o Verão; o Pai vinha a casa mais ou menos de 15 em 15 dias. Num desses verões que lá passamos o Nuno era bébé e dormia numa gaveta dum armário.
Foi por isso que se tornou um sofredor? Espero que a Paloma, a quem o entregamos carinhosamente, o compense bem disso tudo…
Mas desde pequeno, o Nuno FO sempre foi dado a engenhocas. Era um gosto ve-lo, embora por vezes com desespero dos Zicos, a desmontar uma televisão, um rádio ou um gira discos, ainda em bom ou perfeito estado de funcionamento, e depois a sobrar peças, miúdas de preferência, quando queria refazer o aparelho. Ao trabalhar em Braga, na Grundig, os alemães ficaram espantados com a argúcia do portuguesito, a mexer nos botões, alguns com casas outros não, do aparelho que lhe vinham à mão.
Seria o verão de 66 talvez. Naquele tempo o Pai tinha um terreno ao lado da casa do Tio António (a bouça como lhe chamávamos). Era em grande parte um matagal, mas com uma diversidade de vegetação muito densa. Mais ou menos no meio do espaço, existia uma clareira com o chão em areia e terra que era um ponto de reunião de alguns amigos meus, que ali descobrimos um sítio ideal para as nossas fantasias de aventuras: era a nossa floresta virgem onde antes nunca ninguém entrara (e o Nuno também ali queria ser o primeiro a experimentar), o esconderijo secreto. Em Casa existia uma tenda de campismo que fora outrora utilizada pelos Pais, suponho que em estadia na Serra da Estrela, como tive oportunidade de ouvir. Era suspensa por uma corda horizontal, que se esticava entre duas árvores e não tinha chão. Mas isso também não importava para nada. Lembrei-me que podia fazer campismo (estas ideias luminosas do Nuno foram sempre um perigo, como vimos e veremos) ao lado da casa, com os amigos. Na tarde em que montamos a tenda (sempre foi um grande montador), o entusiasmo só foi esbatido com a possibilidade de chover. O tempo ameaçava isso mesmo. Então ocorreu-me uma maneira de tornar a tenda impermeável (outra extraordinária ideia desta cabeça engenhosa e sensível) : cobri-la com uma gordura que bem poderia ser… cera dos móveis. Se assim pensei melhor o fiz, mas claro sem me denunciar em casa pois já havia outros antecedentes, que não tinham sido bem recebidos: as minhas invenções às vezes eram um pouco loucas (e é ele que o diz…vejam bem). Quando antes do jantar o Pai foi fazer a revista ao acampamento, aquilo cheirou-lhe mal, mas mal mesmo, porque ao entrar dentro da tenda sentiu logo os vapores e odores dos diluentes e químicos do produto, que entretanto tinham passado através da tela e asfixiavam o ambiente. Claro que aquela intervenção acabou com a nossa aventura mas poderá ter-nos salvo de uma asfixia.
E conclui o Nuno FO, que está felizmente de boa saúde,os joelhos afinados, bem entregue a uma Senhora e a contar-nos esta história, não muito pedagógica, quanto à tenda, foi logo para o lixo.
FLEMING DE OLIVEIRA
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário