quinta-feira, 22 de setembro de 2011

A DURA BATALHA DO AMOR


O homem perdeu sempre a sua batalha contra o Amor. Como animal racional, essa dupla condição, conduz a muitas contradições nas relações. Paixão, desejo, amor. Quando a atracção sexual se liga ao sentimento, deixa de haver meio termo, entre o sonho da paixão e a amargura do desencontro. Nervos de amor e penas de desamor. A história da humanidade está cheia de frustrações, que decorrem da impossibilidade de racionalizar a paixão. A nossa existência está manchada com o sangue de crimes, ditos de amor, sem que nunca se tenha apurado a razão que levou um homem com mais de setenta anos a matar a mulher com um tiro na boca e uma filha grávida, como um dia aconteceu em Évora de Alcobaça, para enorme surpresa de vizinhos e de toda a gente. A questão que ficou por esclarecer, não só aos juízes, como a mim próprio, não passava pela singeleza da argumentação, já que não és minha, não serás de mais ninguém. Nunca, pelo menos ao que se saiba, as carícias e os beijos outrora daquele homem se transformaram em insultos e vexames para a mulher e filha. O homem, um indivíduo perfeitamente anónimo e convencional, seria um amante convertido em monstro que se babava pelos cantos da boca e um desapiedado assassino?
O machismo é, diz-se, a origem irracional de alguns destes crimes, onde se situa aquilo que então ouvi qualificar a um psicólogo que consultei, como amor dependente. Perguntei o que era e nunca mais esqueci a sua explicação, que aliás não utilizei em Tribunal. Existe amor dependente nas pessoas que padecem de transtorno mental, com uma conduta obsessiva, exigente e irracional, que vem a gerar angústia, depressão e violência.
Seria o caso daquele homem?
Poderia apontar razões históricas, sociais e até físicas para explicar a espiral de violência que remonta à noite dos tempos e atravessa os dias de hoje. Nunca alguém disse como isso era evitável, e não me limito aos casos, ditos de amor. Já ouvi algumas pessoas de bom senso referir a sua mágoa ao constatar que as modificações da nossa lei penal, não acarretam uma atenuação dos números das estatísticas dos crimes de violência, embora tenhamos a legislação mais completa e perfeitamente elaborada do mundo. Mas como acontece em tantas outras leis em Portugal, não existem meios preparadas para as fazer cumprir!!!
Sou um piegas.
Lembro-me com saudade:
- Aninhas, vamos jantar fora, mas só nos dois?
Como sempre foi muito boazinha e cordata, a Aninhas dizia logo:
-Se tu quiseres, eu estou de acordo.
Isto era há 40 anos em Coimbra. A cidade pululava cheia de estudantes e de pares amorosos que se iniciavam naquilo que lhes dava a real gana, todos lindos de ver como a Aninhas gorduchinha, muito especialmente na primavera.
-Aonde vamos?
-Aonde quiseres, desde que não gastemos muito.
-Está bem, eu decido então.
Convém dizer que nestas e noutras situações, fazíamos as nossas contas à moda do Porto, não obstante a Aninhas ser de Alcobaça.

Não me queixo da sorte que a vida me deu, não tenho ressentimentos, por perceber bem que coisas que outrora me pareciam definitivas, eram apenas provisórias. Embora tivéssemos algumas naturais divergências, estivemos a Aninhas e eu sempre longe de reconhecer incompatibilidades, opiniões que persistissem em não acertar. Só com o tempo e a idade compreendemos que o amor não nasce de uma só vez, mas pode ser eterno ou quase, apesar de alguns amuos da minha parte, não é uma coisa concreta, definida ou perfeita, como diria o poeta, matéria onde o retoque e o alindamento não tenham lugar. A tarefa de amar, custosa, é tarefa de uma vida. Pesadas as razões, avalia-se o saldo e conclui-se que o que parecia estar a decair, vem reforçar o que vem de trás. Esses acordos, que eram implícitos, demoraram na verdade a entender e a sedimentar, para um futuro que ainda não tinha chegado.

Sem comentários: