segunda-feira, 19 de setembro de 2011
O NOSSO NATAL FO
(V)
Quando éramos meninos e moços, íamos na época do Natal normalmente no dia de Ano Novo assegura a Náná, isto nos anos cinquenta, umas vezes com Zica, mais vezes com a Carminda ver o circo, o maior espectáculo do mundo como se dizia, ao Coliseu do Porto, o qual chegava a ter duas pistas ao mesmo tempo. Levávamos o lanche, feito de sandes de pão com grossas fatias de marmelada dura e escura bem como tudo o mais necessário para uma tarde completa e bem passada, num cenário repleto de luzes e lantejoulas, com acrobatas, trapezistas, elefantes, palhaços (o rico e pobre), bem como leões ferozes. Os meios de divertimento dos nossos dias, degradaram o tradicional espectáculo de circo. Suponho que os circos que ainda existem, como o Cardinali, trabalham com orçamentos reduzidos. Antigamente, adultos e crianças iam ao circo, mas hoje é mais um espectáculo para estas e os números apresentados estão bem distantes dos de outrora. A questão é fácil de equacionar. Se não há dinheiro, não há boas atracções, se não há boas atracções não há público que vá.
Não sei se ainda se lembram o que é Cantar as Janeiras.
Tem caído em desuso esta tradição, por isso é mais uma memória que aqui trago, indissolúvel da cultura do Natal Português, pelo menos do frio norte do País.
Faziam-se grupos de rapazes e homens, as raparigas e as mulheres normalmente não participavam ou participavam menos, com tambores, pandeiros, ferrinhos, latas e mesmo acordeão, que vinham ao começo da noite às casas, como a nossa, cantar as Boas-Festas. Começavam por cantar animadamente quadras, com músicas antigas e populares, antigas de várias gerações, apelando à generosidade dos donos da casa, de modo a captar a simpatia e as ofertas destes, em dinheiro de preferência.
Mas se os visados donos da casa não correspondiam ou não contribuíam como seria de esperar, o feitiço virava-se, e às vezes o grupo saía a resmungar ou a proferir alguns adjectivos, que não são para aqui chamados, dados os sensíveis ouvidos dos FO, mais novos.
Cinco minutos antes, os donos da casa eram os melhores do Mundo. Agora, ficavam nas ruas da amargura, o que creio nunca ter acontecido entre nós.
Ainda cheguei a pensar que era capaz de um dia haver um bem sucedido dueto musical, Biquica & Paulo, eventualmente a cantar as janeiras por Miramar ou Mataduços.
Estás de acordo, Biquica?
A Biquica parece que não o exclui liminarmente, não abordei ainda seriamente o assunto de fazer um duo com o Paulo, penso que te referes ao Beato, pois acho que o nível é demasiado alto para mim, que também quero ir para o Céu.
(VI)
Falar de Natal, sem falar da Noite de Consoada, pelo menos no Norte, é esquecer uma peça fundamental de um rito cheio de vivências alegres, intimidades, recordações, algumas nostalgias, calores, sabores, sabores a fritos, doces e mel, embora a Aninhas vá dizer mais uma vez que eu só sei falar da comidinha e de coisas do estômago.
Alberto Pimentel, que foi um distinto e interessante tripeiro, escritor do Porto, sobre o Porto, de há muitos anos escreveu:
Ah! Não se imagina nas províncias do sul do Reino o que seja o Natal das cidades e aldeias do norte! (...). No Porto que é por assim dizer a grande capital das províncias do norte, o Natal conserva ainda uma solenidade tradicional, que tem o seu quê de pagã, porque faz lembrar uma festa íntima celebrada, de portas a dentro, em honra dos deuses lareiros.
Desmontar a feira, como se costuma dizer, é frequentemente uma operação penosa. No dia 6 de Janeiro, Dia de Reis, o Zico FO comprava o último Bolo-Rei, que trazia sempre fava e brinde, um pequeno objecto de metal, embrulhados em papel. Mas a tradição hoje em dia, neste ano de 2004, já não é o que era, pois que o brinde quase desapareceu, por exigências da EU, segundo se diz por via de um eventual perigo de ingestão, sendo contudo permitido se tiver uma dimensão mínima de 4 centímetros de comprimento. A tradição impunha que quem encontrasse a fava, teria de pagar o bolo-rei no ano seguinte. O Zico contava, creio que com fundamento, que com a proclamação da República, em 1910, o jacobinismo imperante tentou mudar o nome para bolo-presidente ou bolo-Arriaga. Mas nenhum destes nomes pegou. Seja como for, ainda estávamos longe do 25 de Abril, mas nem por essa altura, se tentou ir tão longe…
Depois desmontava-se o Presépio, que se arrumava na caixa de cartão até ao ano que vem, apagavam-se as luzes da árvore de Natal, que ia rumo ao lixo, pois não era de plástico.
O Natal passou. O Inverno acabou. É Primavera e a Páscoa está a chegar.
Algumas vezes, as famílias fecham-se em mitos, que é uma forma de se enganar com meias verdades, retocar a vida com fantasias, imaginando-se melhor que os outros ou silenciando-se segredos que acarretam que se veja depois pelo canto do olho. Por mais que nos proponhamos transformar ou voltas que o mundo dê, a Família marcará sempre o nosso trajecto e quando parece que há uma nova história à frente, vê-se que o enredo não é de todo original.
Ao fim e ao cabo, a Núnú gostaria de ser lembrada, na Família, como uma tia não má e compreensiva, em suma, deixando uma boa imagem de tia, se possível.
A Biquica, embora não se reclamando da nossa cantora oficial como esclareceu peremptória e definitivamente, é mesmo uma menina muito musical e assim deveria ter reservado um lugar no Céu, junto do coro von Trapp. Aliás, li uma vez que os músicos vão todos para o Céu, pese embora que os únicos instrumentos lá autorizados são trombetas, harpas ou alaúdes.
Será verdade ou ficção?, perguntei à Biquica que nesta matéria tem acesso e conhecimentos privilegiados.
Penso que quem vai para o Céu são as pessoas que devem estar fartas de música e então preferem instrumentos que poucos saibam tocar, para não chatearem muito os outros que já padeceram na Terra a ouvir as tais baterias e afins…
Mas claro que também aqui, fui saber o que o Paulo S. pensa.
Como é isso, Paulo?
Com aquele rigor e clareza de raciocínio que o caracteriza, e a que nos habituou de há mais de 25 anos, o Paulo disse que primeiro há que distinguir os bons músicos, os maus e os assim assim. Os bons é de caras, vão direitinhos ao Céu, e é ve-los de imediato a dar formação musical, através da linguagem gestual imovelmente inerte, com a respectiva expressão corporal tipo estátua do antigo Egipto, com o olho fechado.
Mas qual é o destino dos maus?
Os maus, também são imediata e tranquilamente admitidos para frequentar as acções de formação dos assim assim, entretanto contratados, após a aquisição de pedagogia competente. Assim, se encontram todos juntos para alegria da gerência. Digo alegria, pois o céu herdou do Olimpo uma quantidade de instrumentos mortos (lira, harpa, alaúde e trombeta) mais um coro de línguas, também mortas (Latim, Grego) e, como são gente séria, não têm actividade, tempo livre ou qualquer hipótese mínima de os dinamizar. Quando era Olimpo, havia deuses para tudo e o forróbódó era constante. Quando a trovoada passou a descarga eléctrica, instalou-se no Céu um só Deus e, de imediato, choveram tantas lamentações que acabou-se tudo. Canseira atrás de estafadela para acudir a todos, provocou a nomeação de santos na mira da repartição. Como se mostrou deficitário, rapidamente cresceu o número de santos que, coitados, não tem tempo, nem saco para músicas celestiais. Vai daí contrataram uma orquestra completa e encarregaram Alves Redol de nos (a nós humanos vivos) explicar o que é:
-Área musical: toada da Primavera.
-Orquestra Sinfónica.
Maestro e professor de música.
O rouxinol.
-Coral: chapins, carriças, tentilhões, melros, piscos, corujas, cucos, popas, pintaroxos, toutinegras, pintassilgos, picapaus, pardais e abelharucos.
Nota do autor: (ou seja, dele o Paulo) É a única música celestial (do céu) que conheço. Nesta fragilidade emergente, percebe-se que, não há pianos no céu, porque, além de estar bem vivos, são pesados de mais para os anjinhos. Com as guitarras é um pouco diferente já que há várias: as espanholas e as brasileiras só com véu, só com véu! As eléctricas, não têm ficha e as portuguesas vão chorar para outro lado que, como vimos atrás, lamentações já lá há a dar com um pau.
Neste momento, não resisti e interrompi tão douta dissertação e perguntei ao Paulo S. aonde nos levava este raciocínio.
Querem saber que ele disse que aqui chegamos a melomania do autor. Um exagero total? Embora rarissimamente, em curtos lapsos de tempo e ajudado pela natural falta de talento, faço uns biscates musicais à Tia Inês, com todo o gosto e empenho. Nada mais. Diferente disto é o cavaquinho, (uma nova paixão do Paulo que o acompanha para toda a parte, mesmo para o Algarve, que a Família FO aprova gostosamente, e não causa ciúmes à Inês), um instrumento modesto, mas cheia de alegria e vida. Nas mãos de qualquer um, apela de imediato ao canto e ao movimento, até parece o ritmo do coração.
Fleming de Oliveira
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