sexta-feira, 30 de setembro de 2011

GUINÉ DEPOIS DO 25 DE ABRIL -Desculpe meu Alferes, mas tinha uma cara que parecia mesmo um deles!




Alguns dias depois do 25 de Abril, talvez um mês, na zona de Mansoa-Guiné, ainda aconteceu um episódio caricato, com a tropa portuguesa.
O cabo Fernando Matias, hoje em dia serralheiro mecânico em Espinho, estava, sem grandes preocupações, a acomodar-se dentro da cavidade do tronco de um poilão, a ajeitar a G3, quando apareceu sorrateiramente uma sombra no meio da folhagem, depois uma cabeça a olhar com olhos redondos e brilhantes. A guerra estava terminada, sabia bem. A sua estadia na Guiné era já só uma questão de tempo. O cabo Matias é uma personalidade curiosa que gostava, por exemplo, de ver os indígenas a lavrar (talhar) um tronco a fim de preparar uma canoa. Também gostava de ir à tabanca, ouvir o curandeiro explicar como com as várias partes da árvore se fazem remédios, embora sem nunca lhe ouvir divulgar a receita.
O sold. Jorge, que já não se encontra entre nós, instalado ao lado, e que até aí não se apercebera de nada, notou, então, que se estava a passar alguma coisa. Mas também não se terá preocupado. Afinal, era tão só um macaco que avançou nos ramos, sempre a olhar para o cabo. O cabo Matias pensou que o animal estava a assumir uma atitude sarcástica, provocatória ou de desprezo, pelo que pensou estás p´raí a reinar comigo. Já te f… Apontou-lhe a arma, o símio ergueu-se nas patas traseiras, como quem está com ares de superioridade. Matias baixou a arma, o macaco baixou as patas e voltou a fazer-lhe convite para ir embora. A comissão estava mesmo a acabar, a guerra acabara, a noiva esperava-o em Esmoriz e a última coisa que Matias desejava era ter chatices. O macaco pareceu, finalmente, entender. Rodou a parte dianteira do corpo, como para se afastar, mas, de súbito, saltou de ramo em ramo até ao chão, em quatro patas, com a cauda erguida, de frente para o cabo. Depois de um momento quieto, o animal voltou a girar sobre si próprio com pequenos saltos e postou-se bem de frente e a uns dois metros do cabo. Com a cauda ainda erguida, pareceu ao cabo que ele se preparava para saltar na sua direcção, pelo que não obstante a sua experiência de combate, mas possivelmente fruto de stress de cerca de dois anos em locais quentes, com dois tiros atingiu-o em cheio e mortalmente.
Imediatamente rebentou tiroteio de um lado e do outro da estrada. O cabo Matias levantou-se e desatou a berrar para a direita e para a esquerda: Pára! Pára! Pára fogo!
O fogo demorou um ou dois minutos a suster-se.
Chegou o Alf.Mil. Lopes da Siva, hoje em dia Solicitador de Execução em Lisboa, irritadíssimo a perguntar o que é que se passou.
-Foi o cabo Matias que matou um macaco.
-Ó sua grande besta, sua enormíssima cavalgadura! Fazer fogo aqui por causa de um macaco!
-Ó meu Alferes, tinha uma cara que parecia mesmo um sacana deles.


Fleming de OLiveira


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