terça-feira, 13 de setembro de 2011
PESCADORES DE MAR
-Histórias de pescadores
-Os pescadores são exagerados?
-Viver lado a lado com a natureza
Quem não tem um tio, cunhado, parente ou amigo metido a pescador, que chega cheio de historias fantásticas e inacreditáveis, que estava à beira-rio ou no mar, ficou horas e horas a lutar com o bicho, mas na hora em que o foi tirar da água, acabou por partir a linha ou o deixar escapar com o anzol, e assim não foi possível trazer para casa o maior peixe da sua vida. Nunca mais vi um igual !!!
Assim, começam muitas vezes os pescadores antes de contar algo em que só eles acreditam, Manel eu vou contar-te uma coisa, em que não vais acreditar. Como Altino e o ditado dizem, é tudo história de pescador, pois que muitas das histórias são temperadas com uma boa dose de exagero. Existe normalmente um detalhe na procura de condimentar o peixe, aumentar seu comprimento ou valorizar o esforço desenvolvido durante a captura, no dizer de Altino Ribeiro. O único pescador de confiança que conheceu, como não mentiroso, foi o amigo Salvador, da Castanheira, seu companheiro em muitas pescarias e bom conhecedor dos pesqueiros neste mar da Nazaré. Mas os caçadores também são mentirosos ou exagerados. Contou-nos um diálogo entre dois seus velhos amigos, o Antunes e o Bernardes.
-Ontem, matei dez coelhos e dez perdizes.
-Eu tive também na Nazaré uma sorte muito boa. Pesquei seis robalos e três chernes.
-Também és pescador? Não sabia…
-Não. Também sou mentiroso.
Gozar a brisa do mar e a paisagem, ver o tempo passar, falar sozinho ou com os colegas, comer uma bucha e beber um trago, eis o que motiva(va) o pescador como Altino, num ritual comum a todos os da pesca desportiva. Durante a pesca tenho momentos de lazer, descanso, reflexão e sinto-me mais próximo da natureza, conta Altino que nunca se preocupou com grandes filosofias, nem em apanhar peixes grandes ou raros.
Altino é pessoa com mais de cinco décadas muito dedicadas a pesca desportiva sempre e só de barco (nunca pescou em água doce), tem boas histórias para contar, aliás como de caça. Mas, a contrariar a crença popular de pescador aldrabão, as suas histórias não são normalmente exageradas. Mais do que a quantidade ou o tamanho dos peixes que apanhou ou os temporais que o assolaram, como aquele em que no chamado Mar entre Pedras, a ondulação ficou de repente tão grande que não se via terra e se encontrava sozinho no barco, o que por elas perpassa é a preocupação com a preservação ambiental, pois sabe bem que a degradação do meio ambiente e a pesca predatória, afastaram os peixe, antigamente não faltava pescado, onde antes eram encontrados com abundância. Além dessa preocupação, as suas histórias revelam a paixão, que fez com que o que para si era apenas um desporto ou mera diversão (a sua profissão foi sempre a indústria de cerâmica), ganhasse um espaço, como que sagrado (se fosse religioso, o que não é o seu caso). Altino é, por exemplo, ferozmente contra os covos, gaiolas com grades que se colocam na água, e onde os peixes ou polvos entram engodados, e dos quais não saiem mais. Antigamente os covos tinham que ser levantados até 1 de Setembro, sob pena de pesada multa, eventualmente até prisão. Hoje em dia encontram-se impunemente durante todo o ano..
Altino, com 86 anos, reformado, a ouvir e ver muito mal, com artroses, faz parte da um selecto grupo de amantes da pesca que reúne homens e mulheres de todas as idades, que não medem esforços para enfrentar o mar, o sol quente, o frio, a noite ou longas esperas pelo peixe desejado. O seu interess pela pesca começou ainda na infância e adolescência. Foi aos 6 anos de idade, viver de Alpedriz para Caldas da Rainha e em breve começou a frequentar a Foz do Arelho, a tomar banho, a apanhar e a comer berbigão. Não foi incentivado pelos pais que nunca foram pescadores, que fez suas primeiras pescarias no mar. Aos 86 anos, conta que se apaixonou pela pesca, à primeira vista, como se fosse uma namorada, uma paixão que nunca enfraqueceu. Pelo contrário, foi ganhando força a cada ano.
Já pesquei muitos gorazes, chernes, robalos e safios, recorda. Navegar nas águas que vão da Foz do Arelho até S. Pedro de Moel foi um programa que fez vezes sem conta, até há poucos anos.
Já não posso voltar ao mar. Era no mar que eu estava bem, com muito peixe, não na caça ou na fábrica, lastima, à medida que ia vendo a lavoura (a que aliás nunca se dedicou, não obstante as suas origens rurais) estender-se em direcção ao mar da Nazaré, e a fauna marítima desaparecer. Era para o mar de S. Martinho, da Nazaré ou de S. Pedro e sempre de barco (teve variados barcos com motores fora de bordo e interiores, todos matriculados na Nazaré) que seguia sempre que podia nos fins de semana, até vender a fábrica de louça de Alpedriz. Tem carta de patrão de costa, carta de marinheiro e cédula marítima, que hoje não são mais que factor de recordação.
O robalo da nossa costa mudou o comportamento ou está em perigo, interroga-se retoricamente o pescador profissional João Faneca. Porque é que este peixe, de ano para ano é mais raro e se torna mais difícil de capturar? De há umas décadas para cá a rotina das estações do ano é tudo menos rotineira. O verão apresenta menos dias de calor intenso e é mais chuvoso, complementa o primo José Eustáquio. O inverno instável com alterações de ano para ano, ora chuvoso ora seco e frio, tem tendência para continuar e para afectar o clima, bem como a fauna marítima.
Altino, João Faneca, José Eustáquio e José Tempero, não esquecem os desastres ecológicos de grandes dimensões, bem como as descargas de poluentes para os rios, causando a mortandade nas respectivas espécies, que também afectam as costeiras, como o robalo, que frequenta os estuários. A situação agrava-se com a colocação de redes de emalhar a uma centena de metros da costa, tal como a presença de arrastões (espanhóis, mas não só…) que praticam a faina muito perto da costa, em transgressão. Grave é ainda o caso das redes de cercar para bordo, quando os robalos se encardumam para a reprodução na época da desova. Será que os profissionais, com quem por vezes Altino saía para a pesca, não se apercebem que estão a matar as gerações vindouras de robalos? José Eustáquio não o nega, mas diz que o pescador tem família e estômago para alimentar…. Um robalo adulto com o peso de seis quilos (o que é muito raro…) tem um par de ovas com oitocentos gramas aproximadamente. Imaginem os robalos em estado embrionário que se matam e que não chegam a nascer. Pois é, que havemos de fazer, comenta José Faneca com um encolher de ombros, afivelando um esgar misto de malandrice e resignação. Será que a pesca desportiva vai ter um futuro semelhante ao da caça, em que só quem tem posses para se deslocar a outros países é que se diverte praticando o seu passatempo favorito? Altino, já não o poderá confirmar. Será que se quiser almoçar ou dar um robalo ao um neto tem de o ir comprar ao supermercado Modelo, aqueles robalinhos todos do mesmo lote, criados em tanques alimentados a farinha ao que chamam de piscicultura (ou até de aviário…)?
Ao contrário de Faneca e Eustáquio, nunca pensou em apanhar peixe com a finalidade de vender, mas apenas para presentear amigos, família ou consumir em casa. Os peixes que pescava eram para consumo imediato, nunca para encher a arca frigorífica. Depois de colocado no gelo, o peixe perde o sabor, acrescenta Altino com a segurança de quem percebe do assunto, e que do peixe para consumo prefere entre todos os gorazes Antes, nem tínhamos como guardar o peixe, declara referindo-se a seu tempo de criança em Alpedriz ou Caldas da Rainha, onde não havia frigorífico. A minha experiência como pescador desportivo, esclareceu, diz-me de que com mar bravo este peixe afunda e distancia-se da costa, com mar manso gosta de rodear pedras que afloram do mar onde faça água branca, por duas razões, a primeira devido à maior oxigenação das águas, a outra por ter mais facilidade em criar emboscadas a algum pequeno peixe desprevenido.
No verão, com mar manso e água limpa, este peixe na nossa costa, como sabe Altino, tende a procurar a sombra das furnas, buracos ou caneiros com fundos de areia ou areão. A partir do Outono, gosta de percorrer as praias e começar a encardumar, preparando-se para a reprodução. Nessa altura os machos perseguem as fêmeas, que se distiguem pelo maior porte, esperando a desova para procederem à fecundação. Quando o mar é manso, vêem-se principalmente de manhã, do cimo das arribas, enquanto o Sol está baixo, não incidindo directamente na água. Altino, Eustáquio e Faneca viam-os nadar, lentamente, à superfície uns atrás dos outros, pois estão com o sentido na fertilização. Sabiam por experiência de muitos anos que nessa altura é difícil apanhá-los. Por vezes consegue-se capturar um ou outro peixe quando nadam sozinhos. Também pegam bem nas últimas horas da vazante e na primeira da enchente, pois com a descida das águas são arrastados crustáceos e pequenos peixes, que voltam a acompanhar as águas na sua subida. A altura em que o robalo demonstra mais actividade é nas fases de Lua Nova e Lua Cheia. Quando via os robalos mergulhar e nadar com maior velocidade, era sinal de que andam a caçar, a altura ideal para os ferrar, explica Altino. Apanhei robalos com sol, chuva, nevoeiro, águas limpas ou barrentas, mar chão ou bravo, mas penso que o importante é escolher a técnica e o momento que mais se adaptem às condições do mar. Os dias sem vento e tempo encoberto em que as águas tenham uma cor azul ou verde leitoso, são os mais propícios à captura de alguns exemplares, defendem os que sabem como Altino, Faneca ou Eustáquio
O cherne é porém o peixe mais saboroso que conheço pois é criado a cerca de 300 braças de profundidade, garante Altino, que afirma ter respeitado sempre espontaneamente o tamanho mínimo para a captura de cada espécie. Conta que já apanhou peixes, alguns bem grandes e uma vez um cherne com quase 5 quilos, bem como um robalo com perto de 7 quilos (sem exagero… de pescador), usando desta vez um equipamento rudimentar.
Era um peixe resistente, que lutava muito para se soltar, o que torna a pesca emocionante, até por vezes perigosa, pois é na zona da rebentação.
Entre as muitas histórias de pescaria, destaca o dia em que apanhou um peixe e ao tirá-lo da água percebeu que tinha sido apanhado também pelo colega que estava ao seu lado, no barco. O peixe acabou devolvido ao mar.
Gosto é de peixe fresco, que eu mesmo frito em casa.
Altino garante que nunca pensou em ter um dia de parar de pescar. Enquanto pude subir ao barco, fui à pesca, diz Altino, que levou trambolhões, passou por situações caricatas ou delicadas. Uma delas aconteceu, quando ficou sem a cana de pesca e a linha, que foram arrastadas por um peixe, que não se contentou apenas em devorar o isco. Não se esquece daquela vez que, há mais de cinquenta anos, foi de mota, numa noite, à Nazaré com o amigo e ex-patrão António Elias ( de Elias &Paiva). Eram cerca de 11 horas. Na praia havia uma grande excitação e animação, pois os pescadores estavam a puxar, com muita canseira para terra, uma rede de arte xávega, que se apresentava pesada. Porém, quando a rede chegou à areia, o pessoal para grande frustração, constatou que ela quase só trazia caranguejos. Tão grande foi a frustração, que os pescadores saltaram para cima da rede e esborracharam à pesada os inocentes caranguejos, que pouco ou nenhum valor comercial tinham.
Voltando ao robalo.
O robalo é o grande caçador do nosso litoral continental, estando presente nas águas que varrem pela ondulação as praias com declive suave, bem como nas zonas rochosas onde a agitação do mar também produz águas transparentes, bem oxigenadas, tão do agrado deste predador. Considerado por Altino e outros pescadores mesmo profissionais como um peixe extraordinário e imprevisível, o robalo alterna a voracidade com a desconfiança e o desinteresse pelos iscos e amostras, o que leva a que a sua pesca seja encarada com paixão e entusiasmo. Embora não sendo em termos de paladar o peixe que mais aprecia, Altino entende que o robalo está para o mar como o salmão para o rio, sendo o rei da nossa costa. Faneca não discorda, tal como Eustáquio. É recorrente ouvir-se falar dos segredos que os pescadores guardam para si, a propósito do robalo, mas parte do que se pensa serem os segredos, não são mais do que uma experiente utilização dos equipamentos, como diz com total franqueza Altino, pois canas, carretos, linhas, montagens, amostras, etc., tem sido grande e permanente evolução. Aliás na pesca em geral, como salienta com convicção Faneca e nomeadamente na do robalo, as condições meteorológicas, o estado do mar, a hora do dia, a altura das marés em função das fases da Lua, são muito importantes.
FLEMING DE OLIVEIRA
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário