segunda-feira, 19 de setembro de 2011

REVIVENDO EÇA DE QUEIROZ, COM UM ARROZ DE FAVAS



(V)

Os vinhos preciosos

Em qualquer cenário, rico, pobre, tosco, fino, nobre ou modesto, as personagens queirosianas servem ou sorvem vinhos, de acordo com os seus recursos e o status social.
O vinho que escorre nas suas páginas, pode ser tanto cintilante, como claro, cor-de-rosa-desmaiado, digestivo e tónico, doce, do lavrador, carrascão, espumante, forte, negro, robusto, rosado, novo, velho, picante, raro, opiado, narcotizado, fresco, generoso, dourado, eucarístico, verde ou maduro...
Os vinhos portugueses, que mais aparecem na obra queirosiana são o Vinho do Porto, ovinho de Colares, seguindo-se outros, como o Vinho Verde, o Vinho de Tormes, o Vinho da Bairrada, o Vinho de Torres Vedras, o Vinho do Cartaxo, o Vinho de Carcavelos, o Vinho de Bucelas, o Vinho de Setúbal (moscatel), o Vinho de Palmela (Pedras Negras), o Vinho da Madeira e o Malvasia.
Em A Cidade e as Serras, Jacinto declara que o Verde de Tormes é fresco, esperto, seivoso, e tendo mais alma, entrando mais na alma, que muito poema ou livro santo...
Na demais ficção queirosiana, o vinho engarrafado que se bebia, era em boa parte francês, os borgonhas (Chambertin, Romaneé-Conti, Romaneé-Imperial, Chablis), os bordéus (Barsac, Sauternes, Margaux, Monton-Rothschild, St. Émilion, St. Julien, Château Lagrange, Château Léoville, etc.), mas também espanhol, alemão, italiano e até húngaro.
Aparecem vinhos com nomes bíblicos, como Safed, Siquém, Emaús, Cesareia, vinhos com sabor e cheiro de história grega e romana, vinho velho de Quio, de Thasos, da Rética, da Campânia, vinhos do antigo Egipto, vinhos medievais, vinhos de Chipre, da velha Cluna, vinhos de receitas caseiras de outros tempos, como o hipocraz (bebida de origem medieval, produzida a partir de vinho vermelho, mel e especiarias), o hidromel ou o vinho quente com cravo e canela...


(VI)

Um Suave Milagre!

O fidalgo D. Jacinto chegou do luxo de Paris para visitar a sua quinta no Douro, que mandara sujeitar a obras. Rodeado de confortos, viajou de comboio e desceu na estação de Tormes (nome mítico), onde, ficou despojado das bagagens, extraviadas para Espanha, apenas com a companhia do amigo e confidente Zé Fernandes, que com ele viajara. Outros desacertos os impediram de se alojarem no solar e, desesperados, acabam por ser conduzidos à pobre, mas remediada, habitação do caseiro, o Melchior, que os alimentou e acomodou, sem taças de cristal, nem porcelanas, mas como soube e pode.
O enorme apetite imperava quando os caseiros os levaram à mesa, no meio da maior das humildades, fazendo o melhor pelo fidalgo. Zé Fernandes temeu o pior. Aquela alma (Jacinto), não estava habituada a outra coisa que não fosse a requintada comida parisiense, rodeada de asseios e aparências, que ali faltavam. A franqueza era muita e louvável, mas a carência e a simplicidade da casa popular portuguesa não deixavam qualquer esperança. O Jacinto sucumbiria à falta dos luxos e dos sabores divinais a que estava habituado.
Mas puro engano.
A cozinha tradicional portuguesa fez o milagre, com a mudança de atitude do protagonista do romance:
Diante do louro frango assado no espeto e da salada (...) a que apetecera na horta, agora temperada com um azeite da serra digno dos lábios de Platão, terminou por bradar: É divino.

O livro termina desta forma:
E na verdade me parecia que, por aqueles caminhos, através da natureza campestre e mansa - o meu Príncipe (..), a minha prima Joaninha (...) e eu (...), tão longe de amarguradas ilusões e de falsas delícias (...), seguramente subíamos para o Castelo da Grã-Ventura.


FLEMING DE OLIVEIRA

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