
(V)
Os vinhos preciosos
Em qualquer cenário, rico, pobre, tosco, fino, nobre ou modesto, as personagens queirosianas servem ou sorvem vinhos, de acordo com os seus recursos e o status social.
O vinho que escorre nas suas páginas, pode ser tanto cintilante, como claro, cor-de-rosa-desmaiado, digestivo e tónico, doce, do lavrador, carrascão, espumante, forte, negro, robusto, rosado, novo, velho, picante, raro, opiado, narcotizado, fresco, generoso, dourado, eucarístico, verde ou maduro...
Os vinhos portugueses, que mais aparecem na obra queirosiana são o Vinho do Porto, ovinho de Colares, seguindo-se outros, como o Vinho Verde, o Vinho de Tormes, o Vinho da Bairrada, o Vinho de Torres Vedras, o Vinho do Cartaxo, o Vinho de Carcavelos, o Vinho de Bucelas, o Vinho de Setúbal (moscatel), o Vinho de Palmela (Pedras Negras), o Vinho da Madeira e o Malvasia.
Em A Cidade e as Serras, Jacinto declara que o Verde de Tormes é fresco, esperto, seivoso, e tendo mais alma, entrando mais na alma, que muito poema ou livro santo...
Na demais ficção queirosiana, o vinho engarrafado que se bebia, era em boa parte francês, os borgonhas (Chambertin, Romaneé-Conti, Romaneé-Imperial, Chablis), os bordéus (Barsac, Sauternes, Margaux, Monton-Rothschild, St. Émilion, St. Julien, Château Lagrange, Château Léoville, etc.), mas também espanhol, alemão, italiano e até húngaro.
Aparecem vinhos com nomes bíblicos, como Safed, Siquém, Emaús, Cesareia, vinhos com sabor e cheiro de história grega e romana, vinho velho de Quio, de Thasos, da Rética, da Campânia, vinhos do antigo Egipto, vinhos medievais, vinhos de Chipre, da velha Cluna, vinhos de receitas caseiras de outros tempos, como o hipocraz (bebida de origem medieval, produzida a partir de vinho vermelho, mel e especiarias), o hidromel ou o vinho quente com cravo e canela...
(VI)
Um Suave Milagre!
O fidalgo D. Jacinto chegou do luxo de Paris para visitar a sua quinta no Douro, que mandara sujeitar a obras. Rodeado de confortos, viajou de comboio e desceu na estação de Tormes (nome mítico), onde, ficou despojado das bagagens, extraviadas para Espanha, apenas com a companhia do amigo e confidente Zé Fernandes, que com ele viajara. Outros desacertos os impediram de se alojarem no solar e, desesperados, acabam por ser conduzidos à pobre, mas remediada, habitação do caseiro, o Melchior, que os alimentou e acomodou, sem taças de cristal, nem porcelanas, mas como soube e pode.
O enorme apetite imperava quando os caseiros os levaram à mesa, no meio da maior das humildades, fazendo o melhor pelo fidalgo. Zé Fernandes temeu o pior. Aquela alma (Jacinto), não estava habituada a outra coisa que não fosse a requintada comida parisiense, rodeada de asseios e aparências, que ali faltavam. A franqueza era muita e louvável, mas a carência e a simplicidade da casa popular portuguesa não deixavam qualquer esperança. O Jacinto sucumbiria à falta dos luxos e dos sabores divinais a que estava habituado.
Mas puro engano.
A cozinha tradicional portuguesa fez o milagre, com a mudança de atitude do protagonista do romance:
Diante do louro frango assado no espeto e da salada (...) a que apetecera na horta, agora temperada com um azeite da serra digno dos lábios de Platão, terminou por bradar: É divino.
O livro termina desta forma:
E na verdade me parecia que, por aqueles caminhos, através da natureza campestre e mansa - o meu Príncipe (..), a minha prima Joaninha (...) e eu (...), tão longe de amarguradas ilusões e de falsas delícias (...), seguramente subíamos para o Castelo da Grã-Ventura.
FLEMING DE OLIVEIRA
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