terça-feira, 13 de setembro de 2011
HISTÓRIAS DE PADEIROS ANTIGOS Pão base da alimentação
José Pereira Machado, que já dobrou a casa dos oitenta, nasceu nos Montes-Alcobaça, onde passou a sua juventude, indo viver para Cós, quando se casou com a idade de vinte e tal anos. A sua aparência ainda é boa, mas diz que é velho, bastante velho mesmo, pois nasceu quando a I Guerra acabou. Não tem especial nostalgia desse tempo para além, do facto de ser muito mais novo. Machado dava-se mais ou menos por feliz, por viver em paz. A sua tropa em Portrugal fora boa. A II Guerra era muito longe, lá na Europa, por cá não faltava a malga de sopa, broa, e toucinho para adubar. Teve sorte e as mães portuguesas bem o reconheceram, agradecendo a Salazar. Esle e Portugal escaparam quase incólumes da Guerra, graças à argúcia e boa governação do Chefe.
Os portugueses, como Salazar bem sabia, têm no pão um emblema forte da sua dieta.
Ainda hoje, os portugueses são zelosos guardadores da epopeia do pão, símbolo dos seus anseios, nas palavras de políticos e poetas.
A paz ao lado do pão, tal como a saúde e a habitação. O preço do pão, foi o grande barómetro descontentamento mais elementar e o único produto a que o Salazar nunca permitiu subir de preço. Assim, quando Salazar não deixou aumentar o preço do pão, foi necessário fabricar um pão mais leve, vendido ao mesmo preço do de meio ou de um quilo. Enganava-se o cliente, mas tornava-se mais viável o negócio. Terminada a Guerra tudo iria melhorar, melhores dias virão, como suponha e confia a boa sabedoria popular.
Embora o pão continue entre nós a ser especialmente apreciado, a tradição da profissão de padeiro encontra-se definitivamente em crise. Pelo mundo fora, a profissão teve que se adaptar ao desenvolvimento da sociedade, das tecnologias e do comércio, sofrendo com novos padrões de vida e competição.
O processo de adaptação às mudanças começou no final dos anos 60, com o aparecimento de tecnologias, como o fogão eléctrico e os armários para impedir o excesso de fermentação. A profissão, que fora baseada na habilidade manual, no olfacto e na visão, passou a ser controlada e substituída por equipamentos, como balanças e termómetros.
Francisco (vulgo Sico) Carlos da Costa, industrial de panificação à moda antiga, ora reformado, salienta que no passado havia uma íntima relação entre o padeiro e o pão, pois aquele tinha que usar os sentidos para descobrir se o pão estava no ponto. No seu tempo, havia que sentir com as mãos a textura da massa e conhecer o cheiro próprio para avaliar se o pão estava pronto. No entanto, reconhece que, com novas máquinas, a vida dos padeiros foi facilitada e, ao invés de acordarem às duas da manhã de inverno ou verão como acontecia, podem acordar (pelo menos) às quatro.
Apesar do desenvolvimento da profissão, os padeiros portugueses tradicionais, como Sico Carlos, sofreram uma crise a partir dos anos 80, quando nutricionistas começaram a apregoar que o pão engorda. Além disso, com a expansão dos supermercados, o comércio tradicional e a sua forma de aquisição começou a modificar-se.
Hoje, há pão fresco, variado e saboroso a toda a hora. A venda de pão assemelha-se a uma confeitaria.
Sico Carlos aprendeu há mais de cinquenta anos o ofício com os mais velhos, trabalhando de início como assistente em funções menores, como limpeza. Depois de ter trabalhado bastante tempo numa padaria, já preparado, abriria o seu próprio negócio.
No entanto, com a industrialização e a necessidade de satisfazer as exigências da clientela, os aprendizes têm logo aulas práticas, sem terem que passar por essas funções. À medida que a sociedade se transformou, evoluíram também as necessidades e desejos. Um português come em média metade da quantidade que há 50 anos atrás. Apesar de os padeiros serem continuamente desafiados, a população portuguesa mesmo a rural, não cosendo mais o pão em casa, mantém a tradição de consumir pão todos os dias, ainda que em menor quantidade, o preço não é irrelevante, porque está nas raízes de sua cultura.
Fleming de Oliveira
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