quinta-feira, 8 de setembro de 2011
(IV) NO TEMPO DE D.PEDRO, D. INÊS E OUTROS Histórias e Lendas que o tempo não apagou (COMEMORAÇÕES INESIANAS)
Vejamos, que registo nos deixou a Princesa Rattazzi sobre Inês de Castro, após a visita ao Mosteiro da Alcobaça, em 1879, cerca de 100 anos após William Beckford. A Princesa Rattazzi (1813-1883), foi publicista, romancista, poetisa, viajante, autora de textos dramáticos e tradutora, mas não entrou certamente para a galeria dos autores literários de grande, médio ou pequeno relevo. Em 1879 escreveu o Portugal de Relance, que desencadeou uma grande polémica entre nós, na qual intervieram, entre outros, Camilo, Antero e Ramalho.
Os túmulos de Inês de Castro e do seu real esposo são maravilhosos! É de pedra, marfim, renda? Os dois sarcófagos estão de pés de um para os do outro, a fim de no dizer da lenda, quando no dia do Juízo Final a trombeta do arcanjo acordar os dois amantes, o seu primeiro olhar seja um olhar de amor. A estátua de Inês de Castro é jacente, sustentada por anjos que a olham chorosos, segurando uma coroa sobre a sua cabeça. Na mão direita tem um colar de pérolas. A seus pés vêm-se vestígios de cães, que foram partidos ou arrancados e que deviam simbolizar a fidelidade. Os quatro lados do túmulo estão cobertos de baixos-relevos admiráveis. O túmulo propriamente dito, está apoiado em seis esfinges, cujas faces destruídas e sem relevo, testemunham a curiosidade dos visitantes. O sarcófago de D. Pedro, o Justiceiro, está seguro por seis Leões. A sua figura nobre respira suavidade, a mão direita empunha uma espada. A seus pés estira-se um cão de caça. Nos cantos da capela, encontram-se três arcas de pedra, restos mortais dos três filhos de Inês de Castro.
Estes túmulos, foram abertos mais que uma vez.
Logo em 1524, por ordem de D. João III, na sua presença e, pouco depois, por D. Sebastião, em 1 de Agosto de 1569. Este foi o ano da peste grande, que nos meses de Julho, Agosto e Setembro atingiu o pico de intensidade. Sem ficar à espera da progressão do flagelo, a família real saiu de Lisboa. D. Sebastião, acompanhado pelo tio Cardeal D. Henrique, ficou em Sintra até meados de Julho e a partir (22 de Julho) iniciou uma volta por localidades mais pequenas, menos povoadas e assim, eventualmente, mais seguras. A partir de Óbidos, foi para Alcobaça, aonde ficou até 23 de Agosto. A estadia da Corte em Alcobaça ficou marcada por alguns episódios, quiçá, macabros protagonizados pelo rei que quis mandar abrir as sepulturas de D. Afonso II, D. Afonso III e respetivas consortes. O túmulo de D. Afonso III, mereceu-lhe especial respeito pois foi este que reconquistou o Algarve aos mouros. D. Pedro e D. Inês não lhe mereciam especial consideração, nomeadamente aquele pelo seu passado mulherengo. Vieira Natividade (in, Mosteiro de Alcobaça) escreveu que D. Sebastião por uma doida fantasia de criança andou pelo reino vendo os restos mortais dos seus antepassados. Sobre aquele acontecimento chegaram-nos várias versões. O túmulo de D. Inês foi danificado no tampo pelos pedreiros. Como dissessem a D. Sebastião que o sepulcro de D. Pedro não se podia abrir, sem quebra dos ricos lavores que o ornavam, o rei terá replicado, com aspereza (e infantilidade): Deixem-no, não lhe toquem porque nem nele, nem no outro há que ver ou tirar proveito; pois além de nenhum (referia-se ao túmulo de D. Afonso II) acrescentar por armas um palmo de terra ao reino, um com amar mulheres e outro com as perseguir, deram assas trabalho e deixaram pouca que imitar a seus sucessores (Fonseca Benevides, in Rainhas de Portugal). Conta-se, mais, que Frei Francisco Machado, terá ousado censurar D. Sebastião (se D. Afonso II e D. Pedro não conquistaram terras, pelo menos souberam conservar e governar o reino) pelo que foi repreendido pelo Cardeal D. Henrique, embora todos reconhecessem que estava a declarar alto, o que diziam pelas costas. Ainda se diz que, aberto o túmulo de Inês, alguns fidalgos novatos, aproveitando-se da distração do rei, apanharam e embolsaram algumas madeixas do cadáver.
Admite-se que a observação de M. Vieira Natividade, não seja especialmente adequada ou justa pois, antigamente, a exposição e veneração de restos mortais de pessoas ilustres, nem sempre se encontrava associada a cerimónias macabras, religiosas ou de culto. Para além dos casos de D. João III e D. Sebastião, a monarquia portuguesa teve outros casos, antecedentes. Os restos mortais de D. João II foram expostos, aquando da transladação, a mando de D. Manuel, em 1499 de Silves para a Batalha e uma outra vez, por ordem do Cardeal D. Henrique, em 1565. Em 1520, por ordem ainda de D. Manuel, os restos de D. Afonso Henriques foram objeto de cerimónia semelhante, antes de serem transferidos para o novo túmulo, na Igreja de StªCruz, em Coimbra.
A delapidação dos túmulos mais conhecida, e também a mais grave, ocorreu aquando da 3ª Invasão Francesa, em 1810. Os soldados do Gen. Conde de Erlon, sediados em Peniche, assaltaram o Mosteiro e, entre atos de enorme vandalismo, arrombaram os túmulos e destruiram de forma irreparável algumas das suas edículas. Os corpos foram retirados e profanados. Diz-se que o de D. Pedro estava mumificado e revestido de um manto de púrpura e a cabeça de D. Inês que ainda conservava alguns cabelos alourados, foi atirada para uma sala ao lado. Os monges reuniram piedosamente os elementos dispersos dos corpos e voltaram a selar os túmulos, até hoje. Após 1810, os túmulos passaram por vários sítios da igreja, para voltarem em 1956 à posição no transepto, frente a frente. Hoje em dia, os túmulos são uma das grandes atrações dos visitantes, sem prejuízo de alguns populares pensarem que é ali que se encontra o túimulo do soldado desconhecido, o destino dos que os visitam no dia do casamento, para fazerem juras de amor eterno e de fidelidade.
O conjunto dos túmulos, com mais de 600 anos é, afinal, tão grandioso que um observador apressado não repara, para além das grandes mutilações, que faltam cerca de 100 cabeças às figuras. A destruição implacável de tantas mini-esculturas permite, não obstante, ajuizar da suprema mestria do escultor.
O que ali se destaca, mais que o tratamento conferido às imagens jacentes é, no nosso entender, a variedade e riqueza, tanto iconográfica como plástica, das faces das arcas, feitas de cenas e não de simples personagens isoladas, como acontecia normalmente ao tempo, em situações similares.
Inês de Castro encontra-se representada rodeada por anjos e coroada como rainha. A sua mão direita, segura a ponta do colar que lhe cai do peito e a mão esquerda, enluvada, a outra luva.
Os grandes temas invocados no túmulo estão nos frontais, a Infância e a Paixão de Cristo e, nos faciais, o Calvário e o Juízo Final. Salientamos O Juízo Final.
Certos autores avançam que D. Pedro, quis mostrar ao mundo, ao pai e assassinos, que com Inês tinham um lugar no Paraíso e os causadores de tanto sofrimento, iriam precipitar-se no Inferno, representado pelo diabo, no canto inferior direito do facial. Pode-se aí ainda encontrar um Cristo entronizado, bem como a direita a Virgem e os Apóstolos a rezar. Em baixo, estão representados os mortos que, ouvidas as trombetas, se levantam da sepultura, para aguardarem sentença no Dia do Juízo.
D. Pedro I, coroado e rodeado por anjos, segura o punho de uma espada na mão direita, enquanto a esquerda agarra a bainha.
Nos frontais, estão representados a Infância de S. Bartolomeu e o Martírio de S. Bartolomeu e, nos faciais, a Roda da Vida, a Roda da Fortuna e a Boa Morte de D. Pedro. A Roda da Vida, recorda nas suas 12 edículas, momentos da vida amorosa e trágica de Pedro e Inês.
Numa leitura das edículas (feita no sentido ascendente e da esquerda para a direita), e seguindo, de perto, o alcobacense M. Vieira Natividade, pode-se observar:
1)-Inês acaricia um filho, 2)-O casal convive com os três filhos, 3)-D. Inês e D. Pedro jogam xadrez, 4)-Os dois amorosos mostram-se em familiar convívio, 5)-D. Inês subjuga uma figura prostrada no chão, 6)-D. Pedro encontra-se sentado num grandioso trono, 7)-D. Inês é apanhada de surpresa pelos assassinos, 8)-D. Inês desmascarando um dos assassinos, 9)-Degolação de Inês, 10)-O carrasco puxa-lhe brutalmente a cabeça), 11)-Inês encontra-se já morta,12)-Os assassinos de Inês são castigados, 13)-D. Pedro encontra-se envolto numa mortalha.
A Roda da Fortuna, representa (numa leitura feita no mesmo sentido):
a)-D. Inês sentada à esquerda de D. Pedro (note-se que então ainda não estão casados), b)-O casal troca de posição (D. Inês sentada à direita de D. Pedro, o que indica que já estão casados), c)-D. Pedro e D. Inês sentados lado a lado como num retrato oficial, d)-D. Afonso IV a expulsar Inês do reino e)-D. Inês repele um homem que parece ser D. Afonso IV, f)-D. Pedro e D. Inês prostrados no chão subjugados pela figura híbrida da Fortuna que segura com as mãos a Roda.
Em termos escultóricos, o túmulo de D. Pedro I é considerado uma obra mais elaborada, chegando os altos-relevos a atingir 15cm, enquanto no de D. Inês atingem apenas os 10cm.
(CONTINUA)
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