quinta-feira, 8 de setembro de 2011

(V) NO TEMPO DE D.PEDRO, D. INÊS E OUTROS Histórias e Lendas que o tempo não apagou (COMEMORAÇÕES INESIANAS)



Voltando a Afonso Lopes Vieira, parece interessante recordar um Serão Literário e Musical por si organizado em 17 de Agosto de 1913, em colaboração estreita com M. Vieira Natividade, no qual aquele proferiu a conferência Inês de Castro na Poesia e na Lenda. Alcobaça vivia nesses anos um ambiente histórico e artístico interessante, ao qual figuras como Afonso Lopes Vieira procuraram dar projeção nacional e internacional. Vieira Natividade relacionara-se com destacadas figuras da sua época e, ao serão, um autêntico Salão acontecia no seu escritório, onde se debatiam temas artísticos e científicos, que bastante influência tiveram na formação dos filhos (António e Joaquim). Graças a Lopes Vieira, ficaram-se a dever vários serões de arte, realizados à sombra do Mosteiro. Assim, a 17 de Agosto de 1913 realizou-se o primeiro Serão Literário e Musical de Alcobaça. O serão incluiu versos declamados pelo ator, declamador e empresário teatral Augusto Rosa (1852-1918), dança, música e poesia pelas irmãs Alice e Maria Rey Colaço que tocaram e cantaram temas de Schubert.
No Claustro de D. Dinis, Augusto Rosa, recitou sonetos de Camões, bem como o Ato V de A Castro. Este, anos mais tarde, na sua obra Memórias e Estudos (ed. de 1917), deixou algumas notas, sobre este Serão. Às nove horas da noite, na Igreja e no Claustro, tudo estava concluído e os que iam assistir ao Serão ficaram deslumbrados com a beleza do Mosteiro, realçada pela sumptuosidade da iluminação.
O Serão começou pela admirável conferência feita por Afonso Lopes Vieira Inês da Castro na Poesia e na Lenda. Um dos pontos interessantes e novos dessa conferência é a evocação e a aproximação dos amores de Tristão e Isolda, os namorados imortais, dos amores de D. Pedro e Inês, Afonso Lopes Vieira trabalha num pequeno poema em prosa em que o conto medieval é singelamente narrado, no género do célebre livro de Bedier, La Roman de Tristan et Iseult. Há em toda a conferência um encanto, uma poesia, uma saudade, uma tal profusão de sentimentos finos, subtis, delicados, que o público que assistiu à leitura, comovido e delicado, aplaudiu entusiasticamente o grande poeta quando ele terminou (…). Estava terminado o Serão. A maior parte das pessoas que assistiram à festa retirou-se, ficando apenas umas quarenta, mais íntimas, sue foram convidadas para assistir a uma piedosa romaria. Distribuíram brandões acesos a todas essas pessoas que, atravessando o templo, se dirigiram à Sala dos Túmulos, onde repousam Pedro e Inês. Aí, eu, no alto piso da ogiva que domina os dois sarcófagos, recitei à luz das tochas, dominado por uma íntima comoção, o magnífico e impressionante soneto de Afonso Lopes Vieira, escrito para esta solenidade, trabalhado sobre o tema do adeus esculpido na rosácea do túmulo de D. Pedro e que vou transcrever:

Até ao fim do mundo! A grande amada
Escuta o adeus da grande voz sentida
Santa e Rainha, aguarda aquela vida
Que só depois do fim é começada.
Pedra de sonho e cor, foste lavrada
Pela saudade imensa aqui vivida;

Guarda a saudade, pois, da despedida
É a esperança da hora desejada.
Guarda a saudade que jamais acaba
Que o dia há-de vir, de amor contente
Os que dormem aqui vão esperando.
E no fragor dum mundo que desaba
Hão-de acordar, sorrindo eternamente
Os olhos um no outro enfim pousando.

Na verdade, um dia haverá o reencontro, um dia soarão as trombetas para o Julgamento Final.
Anjos pressurosos irão ajudá-los a soerguer-se dos leitos de pedra.

A Câmara Municipal de Alcobaça, na sua sessão de 27 de Agosto de 1913, registou uma homenagem a Lopes Vieira:
Que não devendo a Câmara Municipal desinteressar-se de qualquer facto que concorra para o celebrizar esta vila, chamando a atenção dos estranhos para as suas coisas notáveis, e reconhecendo que a festa de Arte, realizada no Claustro do Mosteiro em 17 de Agosto, teve a beleza estranha de um acontecimento surpreendente, impregnado de beleza genial e poesia emotiva, que a toda a assistência maravilhou, resolve consignar na acta a homenagem de respeito e consideração da câmara pelo ilustre poeta sr. ALV; e os seus agradecimentos por ele se ter dignado escolher Alcobaça para a realização do sarau literário e artístico, que para o seu altíssimo valor lhe bastava a preciosa jóia literária que é a conferência apresentada por aquele delicadíssimo poeta.

Lopes Vieira (in, Passeio nas Minhas Terras), escreveu em 1940:
(…) Eis-nos agora em a nobre Vila de Alcobaça, terra culta e rica e cuja cultura e riqueza foram criadas pela grande escola do Mosteiro; Alcobaça, berço de Portugal, onde a primeira infância do Reino foi acarinhada heroicamente pelos monges de hábitos brancos, enviados de França por D. Bernardo de Claraval - como lhe chama a velha crónica - ao Rei fundador da Nação. Se eu fosse desfiar as recordações pessoais que a nobre Vila me sugere, falaria durante horas, por exemplo do primeiro serão de Arte no Mosteiro (…)

Em Agosto de 1914, tentou organizar um novo Serão em Alcobaça, rebatizado Serão de Arte, por lhe parecer que a designação de literário era pelintra. O programa do Serão Musical e Literário no Claustro do Mosteiro de Alcobaça, a 12 de Agosto de 1914, era efetivamente grandioso, com Berta e Viana da Mota, declamações de Augusto Rosa, coros de Mme. Bensaúde e interpretações de Bach, A. W. Mozart, R. Wagner, Cesar Frank e D'Albert. Lopes Vieira reservava para si um papel desta vez mais modesto, e as suas breves palavras serviriam de introdução ao Serão, embora tenham permanecido inéditas. Tratava-se-se de um prefácio de conteúdo pedagógico, uma explição à audiência sobre o significado a retirar do evento e a sua projeção simbólica, num mundo dedicado à arte. Este posicionamento professoral era assumido com a naturalidade de um guia a encaminhar o grupo numa direção conhecida e desejada. Embora o Serão tivesse sido previsto com os mais reputados artistas, ele seria o anfitrião a quem caberia a tarefa de transformar uma noite de arte numa tradição pela arte.
Mas estas romagens pela arte foram interrompidas pelo clima de tensão que antecedeu a I Guerra. Aliás, aquele Serão já nem se realizou. A I Guerra iria deflagar dias depois.
Só em Julho de 1929 foram retomadas iniciativas deste tipo, aquando da reintegração do Refeitório do Mosteiro, o que ficou registado numa conferência de Lopes Vieira.
Veja-se a este propósito o interessante trabalho de Cristina Nobre, da Escola Superior do IPL, Afonso Lopes Vieira: A Campanha Vicentina e os Serões de Alcobaça na imprensa e na intimidade -ou de como reaportuguesar Portugal, tornando-o europeu…
(CONTINUA)

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