A
ESCOLA E O ENSINO NOS PRIMEIROS TEMPOS (e não só)
DO
ESTADO
NOVO
E
EM
MONTES/ALCOBAÇA
FLeming de
OLiveira
A
partir do 28 de maio de 1926, o ensino irá conhecer importantes alterações a
nível ideológico. De uma escola democrática e laica, voltada para formação de bons
cidadãos, capazes de pensarem por si próprios, com o propósito de fazer progredir
a Nação, o Estado Novo irá criara escola nacionalista, com o fim de formar
cidadãos submissos, obedientes e conformes. O discurso produzirá um sistema
unitário e integrador, construído em torno da ideia de Nação, e conferirá uma
imagem homogénea do aparelho político, ocultando as divisões existentes entre as
fações que apoiaram o movimento responsável pelo 28 de maio. A escola primária
e os meios de comunicação, desde os finais do séc. XIX, eram os instrumentos privilegiados
para inculcar na população a imagem e a Herança da Nação.
Os
meios de comunicação que começavam a desenvolver-se, os jornais, a rádio, irão
ser utilizados como veículo para a expressão da identidade nacional, pois
permitiam a apresentação de discursos ideológicos uniformizados, comunicados
com o propósito de fazer propaganda ao Estado. O professorado, pese embora a
conhecida brutalidade de meios utilizados, estava incumbido de uma missão de
formação política, e em vésperas das eleições propagandear os progressos
materiais do Estado Novo.
O
período de tempo que decorreu entre o início da Ditadura Militar e 1936, conheceu
vários Ministros da Educação e caracterizou-se pelo desmantelamento da escola
republicana e das suas práticas educativas, que passou por uma forte ação
disciplinadora da conduta e das práticas dos professores do ensino primário, promovendo-se
a doutrinação ideológica e cerceando-se a capacidade interventiva.
O boletim Escola Portuguesa muito divulgado, tinha como objetivo fazer com que os professores se identificassem com as políticas educacionais do regime, orientando-os para práticas conforme os seus ideários. Os professores primários das zonas rurais eram o grande, se não o maior alvo. O Ministério da Educação teve consciência de que era necessário preparar agentes do ensino primário formatados num espírito rural e que se adaptassem ao meio em que estavam a lecionar. O Regime conservador, baseado numa forte inspiração cristã, repudiava uma construção ideológica que promovesse a industrialização e a modernidade urbana, tidas como origem dos males que poderiam levar a perda da verdadeira maneira de ser do português.
O
Estado Novo cedo compreendeu que a História iria desempenhar um papel de relevo
na consolidação da sua ideologia. A ditadura foi apontada como necessária, devendo
afirmar-se a ideia da revolução assimilada por um objetivo de ressurgimento nacional,
por via da eliminação dos comportamentos republicanos desviantes.
Salazar
afirmou, em 30 de julho de 1930 que nenhum governo de violência pode durar em
Portugal e que será melhor conquistar os portugueses e levá-los a colaborar
com os dirigentes do que a recorrer à repressão. Porém, a Escola legitimará
o uso da repressão perante a presença de elementos perturbadores da sua
ordem e unidade. Um dos elementos fundamentais da identidade nacional formulada
pelo Estado Novo, é a vocação imperial e civilizadora, ideia que vem desde
os finais do séc. XIX, época de evolução democrática, de nacionalismo, de
imperialismo e de regeneração, que acarretou mudanças que levaram à intensificação
do conceito conjugado com a preservação dos territórios coloniais. O
Estado Novo vai manter-se fiel a esta ideia, dar-lhe nova roupagem e
apresentar-se como intérprete do grande legado e desígnio históricos,
que se identificam com o Império pluricontinental. Desta forma, a escola
cooperava na construção da política colonial, relembrando e conservando
o caráter universalista e civilizador da Nação.
Uma
circular da Direção Geral do Ensino, de 28 de maio de 1934, reafirmou que
compete à escola ensinar o que convém à sociedade e rejeitar o individualismo conotado
com a escola republicana.
O
Ministro Cordeiro Ramos, em 1932, definiu as orientações para o ensino da História,
destacando as diferenças relativamente ao período derrotista do liberal/republicano.
A partir de então, irá ser da responsabilidade do Estado, a definição da
verdade nacional, a verdade conveniente e que cumpre saber.
A
Revolução de 1383/1385 e Aljubarrota são marcos muito assinalados, que expressam
a liberdade e a independência face a Castela. D. João I e esposa são (re)
apresentados como os pais de uma ínclita geração que glorificou Portugal
através da sua consolidação, expansão e da formação do Império. No discurso
comemorativo da Batalha de Aljubarrota, em 1935 Carneiro Pacheco comparou esta vitória
ao 28 de maio de 1926 e o ambiente vivido na corte de D. Fernando com o clima
de instabilidade da República. D. Nuno Álvares Pereira era equiparado a Salazar,
envolto numa mística de guerreiro e de santo, que se dedica à Pátria e por ela
se sacrifica em prol do ressurgimento nacional. D. Miguel ao contrário do
irmão, simbolizava o regresso à tradição, através do restabelecimento do
absolutismo, justificando-se que esse regresso resultou da aclamação das
Cortes, isto é a vontade da Nação. Nesta perspetiva, heróis do passado ganham
vida no presente ao moldarem a conduta da mocidade. Assim como eles serviram e
se sacrificaram pela Pátria, também os jovens deverão viver nesses princípios e
com o tempo, tornarem-se agentes propagandistas do Regime. Contudo, era bem
enfatizado que a heroicidade implica espírito de sacrifício e de obediência ao
Chefe.
O
Ministro da Educação Nacional, Eusébio Tamagnini, numa entrevista ao Diário de
Notícias, publicada no dia 21 de Novembro de 1934, explicou como se iria
erradicar o analfabetismo em Portugal, apesar de não existirem verbas para atender
a todos os casos de adultos e crianças que não sabiam ler nem escrever.
Para
ser resolvido, afirmou, o problema teria de ter em conta as modernas
descobertas pedagógicas, dividindo a população em cinco grupos: Ineducáveis,
que correspondia a 8%; Estúpidos – 15%; Inteligência média – 60%; Inteligência
Superior– 15% e Notáveis – 2%.
A
preocupação quanto à manutenção dos valores tradicionais, estava muito presente
nas ações do Estado, o que não é por demais frisar. Em 1936, foi publicada a
Obra das Mães para a Educação Nacional, como objetivo da formação integral das
mães e mulheres. Esta obra, pretendia, de um modo geral, incutir de forma plena
os valores da educação nacionalista nas jovens portuguesas.
A
reforma do ensino de 1936, que não contemplou a História no ensino primário elementar,
criticou o estéril enciclopedismo da escola e defendeu um ensino prático
e cristão estruturado em torno do bem saber, ler, escrever e contar e das
virtudes morais e do amor a Portugal e frisou que esta reorganização não implicava
o esquecimento dos conteúdos da História, que se encontravam implícitos nas das
disciplinas a serem lecionadas.
Catarino,
mais recentemente que tudo isto, era do tempo em que o exame da terceira
classe, constituía o limite normal da maioria da população escolar dos meios rurais
e do famigerado mestre-escola Adelino, que vivendo na Fervença e sendo casado
com D.ª Lurdes, dava aulas na escola masculina dos Montes, num edifício precário
– longe estava o Plano dos Centenários – e que tinha um método infalível para
ensinar a ler, escrever e contar. A sentença, de que não havia recurso,
consistia em que cada erro implicava apronta entrada em serviço da menina dos
cinco olhos.
O professor Adelino bebia, logo de manhã, o que se traduzia na forma como lidava com os alunos, a quem além de bofetadas, vergastava com uma cana. O professor ausentava-se com frequência da sala – dizia-se que era para matar a sede – e encarregando um aluno, filho de algum agricultor mais abonado e a quem devia favores, de vigiar os demais e apontar no quadro preto, as pretensas infrações disciplinares, que depois eram objeto de sanção. Inácio Catarino dizia que se não obteve o diploma da quarta classe, o deveu ao medo que o professor Adelino inspirava e que nem a ameaça de chamar a Guarda ou lhe bater, caso não prosseguisse os estudos, o demoveu, no que foi apoiado pelos pais. As secretárias eram de madeira, muito alinhadas e agarradas aos bancos. As salas de aula tinham uma cruz e os alunos eram obrigados a cantar o hino nacional e rezar todos os dias. Havia um estrado alto, em madeira, e uma secretária elevada para o professor, para demonstrar a sua superioridade em relação aos alunos. O professor Adelino levava a violência ao extremo. A turma estava dividida em classes. À frente, os filhos dos lavradores. Na fila do meio, os da classe média. Lá atrás, ficava a ralé, as pessoas mais pobres, descalços, com calças com fundilhos. Esses é que apanhavam muito. Valia tudo, murros, puxões, pontapés, pois a violência fazia parte da educação.
E o
Mestre-Escola Albano Cunha, dos Montes, que se dizia falar muito que não tinha
papas na língua sobre os vencimentos e falta de regalias da classe, bem outros
desfavores? Se a polícia política o trazia debaixo de olho, este desplante língua,
pois…. Laura Santos Loureiro, reformada da função pública, a viver em Lisboa e
natural
do
Juncal, aonde tem duas fazendas de pousio e no verão depois do Algarve vem
alojar-se numa casa que herdou, e de que não quer desfazer-se, entende que não
há diferenças fundamentais entre as crianças do seu tempo – os anos de 1960 – e
as de hoje. É tudo a mesma coisa, adaptado aos tempos que vivemos. Hoje,
mandam-se mensagens por telemóveis a meio da aula, nós passávamos bilhetinhos.
Guardam-se as mensagens que gostam mais, nós guardávamos os bilhetinhos
no estojo. No recreio eram formados grupos que gozavam uns com os
outros. Claro que, hoje em dia, há mais exposição e informação com as
redes sociais e por isso ataca-se mais. Para mim rolas, pintassilgos ou melros
não era tudo a mesma coisa, tal como hoje são só pardais pois que não os sabem distinguir.
Laura
acha que o ensino no seu tempo e no de seus pais – antes da II Guerra – era
mais exigente do que o atual. Hoje em dia, não chumba ninguém. Na minha
altura e antes, se fosse preciso chumbava-se na primária. Éramos miúdos, estudávamos
e brincávamos. A vida era aquilo.
Não
estamos totalmente com Laura Loureiro.
A
escola e o modelo de aprendizagem encontram-se há muito ultrapassados.
Os
nossos meninos passam grande parte do dia fechados na escola, numa sala de aula,
com períodos de recreio a encurtarem, espaços estereotipados e nada
estimulantes.
Os
meninos não têm tempo livre para brincarem, salvo os breves minutos concedidos
entre as inúmeras atividades extracurriculares. Os tempos livres deixaram de
ser livres. O trajeto casa-escola, antes feito a pé com os colegas, passou a fazer-se
de carro. Ao serem alegadamente tão protegidas, estão as nossas crianças a ver
comprometido o desenvolvimento rumo a um adulto funcional, seja em termos tão
físicos quanto cognitivos. Fora da escola deixarem de brincar ao ar livre e em casa
encerram-se no quarto ou sala frente ao poder inebriante do monitor. A rua que
deixou de ser o espaço determinante da meninice, e da formação como adulto, tomou-se
como um território proibido. Sem dúvida as crianças ainda brincam, mas mexem-se
cada vez menos, são capazes de utilizar o telemóvel ou o computador, mas desconhecem
como se coloca uma lâmpada ou nasce um pinto. Como enfatiza um pedagogo
infantil, brincar é uma escola de aprendizagem de situações que se
vão complexificando com o desenvolvimento de estruturas internas do corpo e
a tomada de consciência da complexidade ambiental. Brincar implica o uso
do tempo e do espaço em diferentes formas de ação ensinando a viver em vários
contextos e interações
Voltando
atrás. A frequência não era obrigatória para as meninas ou pelo menos as faltas
eram toleradas. Por esse motivo, muitas não frequentavam a escola, pois os pais
achavam que elas não precisavam de saber ler e escrever. Tinham que trabalhar
no campo, cuidar da lida da casa e dos irmãos mais novos. O analfabetismo não
era de todo repudiado pelo Estado, pois desta forma, embora não o reconhecesse contribuía
para manter e controlar as tradições e os costumes do povo português.
Ascensão
Salgueiro Moreira conta que num dia em que o professor Adelino bebeu bem, muito
bem, e quando chegou à escola bateu a torto e direito, começando no Eurico,
filho do Joaquim Moreira, com quem de vez em quando petiscava.
O
edifício da escola feminina dos Montes, cuja professora de Ascensão foi D.ª Isabel,
tinha fracas condições, pois era uma casa adaptada e apenas dispunha de uma
sala. Mas o povo não se queixava da forma violenta, implacável, como tratava as
meninas no respeitante a castigos, com cenas de pancadaria que deixavam
mazelas, ou a quem mandava ir apanhar canas com que depois as castigava. Queixar-se
não era adequado e, afinal, a escola era apenas para meninas. Algumas ficaram pela
3.ª classe para não sofrerem mais, o que não foi o seu caso, que cumpriu até à 4.ª
classe, com exame feito em Alcobaça. A professora ensinava todos os alunos, do
1.º ao último ano numa sala que tinha nas paredes fotos de Salazar e Carmona, e
um Crucifixo. Mas não tinha aquecimento, nem sanitários.
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