terça-feira, 12 de dezembro de 2023

DURAN CLEMENTE, CHE GUEVARA À PORTUGUSA

 

50 anos decorridos, a importância do Verão de 1975 não deve ser negligenciada e pode afirmar-se como um critical issue, na medida em que envolveu decisões políticas que afetaram o uso ou a posse de um recurso fundamental, a Liberdade, e o funcionamento da sociedade. Quem assistiu à RTP na noite de 25 de Novembro de 1975, percebeu que o que se passava era sinal que as forças democráticas tinham tomado a RTP e alguma coisa podia estar a mudar. De 25abr1974 a 25nov1975, tinham decorrido meses e meses de ações, de noites veladas, de receios ao virar da esquina, de certezas e incertezas e agora corria-se o risco de perder tudo. O episódio da mudança na correlação de forças, tal como o País percebeu na RTP, hoje em dia parece algo anedótico. No dia 25, o capitão Duran Clemente, um aportuguesado Che Guevara, falava em direto na RTP à hora de jantar, defendendo teses da fação  radical do MFA. Depois de ter trancado o director da RTP num gabinete, avançou para o estúdio, onde iniciou um discurso sobre os méritos do poder popular. Mas, às 21h10m, os telespectadores viram um Duran Clemente esbracejar contra os sinais que o técnico lhe fazia, anunciando que voltará ao ar quando tudo estiver resolvido. A palavra foi-lhe retirada. De seguida, surgiram no pequeno ecrã imagens do filme “The Man From the Diner's Club”, com Danny Kaye, emitido a partir dos estúdios do Porto.

  O autor, alferes miliciano na Guiné que, enquanto tal, não se metia em políticas[1], conheceu o então discreto Duran Clemente, tendo-se encontrado com ele, muito circunstancialmente é certo, na Messe de Oficiais do CTIG/Bissau, onde corria que este fora um dos promotores da reunião de capitães realizada em Agosto de 1973, e coautor da carta-protesto que, mais tarde, seria tida como o primeiro documento de insubordinação coletiva contra o regime salazar/caetano. É de referir o facto de estas reuniões terem lugar num local que, embora vedado à sociedade civil ou aos milicianos, nada tinha especialmente de secreto. Ou seja, não só o aparelho militar, tinha conhecimento destas reuniões, como os seus participantes não manifestavam grandes preocupações com a falta de secretismo dos encontros[2].

 

  Ao rever imagens da época nota-se que, acompanhando a moda, a indumentária masculina aumentou de tamanho. O nó da gravata reproduzia o punho fechado dos manifestantes, as bandas de casaco tinham quase um palmo de largura, os penteados partiam da nuca tapando as orelhas, e a boca das calças cobria a biqueira dos sapatos cujos tacões elevavam os portadores a alturas nunca antes pensadas ou experimentadas. Talvez por isso alguns revolucionários pareçam hoje pouco convincentes. E também por isso, radicais como os maoístas, insistiam na sobriedade da indumentária.

 



[1] O autor não participou no Congresso dos Combatentes do Ultramar, realizado entre 1 e 3 de junho de 1973, embora lhe tivessem oferecido na Guiné condições para o fazer. De 1 a 3 de Junho de 1973 realizou-se no Porto o I Congresso dos Combatentes do Ultramar, favorável à defesa do espaço ultramarino em nome da grandeza e unidade de Portugal. A frase mobilizadora era simples: “não seremos a geração da traição”. Pezarat Correia definiu este evento, como “uma encenação dos setores colonialistas mais radicais que garantiriam a aprovação de conclusões no sentido da continuação da guerra e da manutenção do statu quo colonial e que, assim, reforçariam os setores radicais, comprometeriam Marcello Caetano, silenciariam a ala liberal, dariam uma imagem de firmeza para o exterior do país e reuniriam forças para combater a oposição”.

[2] Carlos Fabião, afirmou: “Os oficiais que estavam na Guiné tinham capacidade de conspirar à vontade (…) tinham a grande capa do governador (Spínola) a tapá-los”.

- A contestação iniciada na Guiné resultava da coesão entre militares e Matos Gomes apontou uma das razões: “Bissau tinha a vantagem de reunir quase todos os quadros da Guiné, embora eles não estivessem fisicamente ali, porque estavam espalhados pelo território. O que acontece é que tinham de ir a Bissau tratar dos seus assuntos militares, tinham de ir a Bissau para tratar dos seus assuntos particulares, tinham de ir a Bissau nas vindas aqui à metrópole. Havia pontos de reunião relativamente fáceis. Como em Bissau não havia vida social para além das messes e dos poucos restaurantes que tinha, havia esse tipo de contacto fácil”.

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