A PRAIA, O VESTUÁRIO BALNEAR,
O CABO DO MAR
E
O CATITINHA
FLeming
de OLiveira
O
Estado Novo, ainda antes da II Guerra, começou a investir no turismo balnear, um
pouco em detrimento do tradicional turismo termal, como forma de captar mais receitas
e divisas. As praias, por excelência, eram a Costa do Estoril, a Figueira da Foz,
Espinho e a Póvoa de Varzim. A Nazaré era o destino mais procurado a sul da Figueira.
O
desenvolvimento do turismo, acarretou alterações nos hábitos e na moral.
A praia, o sol e o calor, estavam conotados com uma vida menos regrada, mais despretensiosa ou liberal. Apesar dos apelos e de alguma condescendência aos novos hábitos, o Salazarismo, continuava a impor uma rígida moral puritana, por alguns já considerada obsoleta. O País sofreu um choque com a chegada da vaga de refugiados, cujos hábitos e cultura eram bem diferentes. A esplanada da Pastelaria Suíça, nos Restauradores, era conhecida como a Bompernassa, pela relação com aexibição de pernas de mulheres que, nas esplanadas, até fumavam em público.
O Dec.
Lei n.º 31247, de 1941, afixado pelas capitanias marítimas no acesso às praias,
impunha sob pena de multa, um fato de banho adequado, inteiro, sem descobrir
os seios, com costas decotadas sem prejuízo do corte das cavas ser cingido
nas axilas, os homens calção justo à perna e reforço da parte da frente cobrindo
o ventre, o que dava muita canseira aos cabos-do-mar. Num país que obrigava
as professoras primárias e enfermeiras a pedir autorização ao governo para
casar, as mulheres a ter autorização do marido para exercer comércio ou ir ao estrangeiro,
não é de espantar que a indumentária fosse regulamentada, em nome da moral e
dos bons costumes para salvaguarda daquele mínimo de condições de
decência que as conceções morais e mesmo estéticas dos povos civilizados ainda,
felizmente, não dispensam. Um rapazinho, usava fato de banho com calção quase
até aos joelhos, com uma saia dianteira que ocultasse eventuais entusiasmos viris
e uma camiseta de alças, à moda dos antigos olímpicos, que tapasse algum pelo
que ousadamente despontasse no peito.
O cabo
de mar, vestido de branco da cabeça aos pés, era o fiscal da moral nas praias.
Hoje, se alguém se apresentasse numa praia portuguesa, nos preparos que a lei
prescrevia, seria alvo de suspeita não por parte de um polícia, mas de um psiquiatra
que duvidaria da sanidade mental.
Em 1955, O Alcoa, de 22 de setembro, em primeira página, sob a epígrafe de Decência e Moralidade nas Praias – Escárnio da Autoridade e Inimigo da Pátria, na pena de um tal M.J., exprimia um grito de desabafo, para o despertar da realidade de impudor que alastrava, parecendo que os homens entravam em competição desenfreada com as mulheres. Como é possível isto em Portugal? E a nossa surpresa não tem limites, quando somos informados que neste nosso País existe lei, muito clara e categórica, que desce até à determinação da qualidade, dimensões, e locais de uso dos fatos de banho, não deixando de mencionar as graves penas em que incorrem os transgressores. Afinal paraquê? Para que quem chegue verifique, que grande parte, talvez a maior partedos banhistas, se apresentam na praia e até fora dela, desacatando as ordenslegais e a autoridade. Efetivamente, fez-se tudo quanto podia para o desprestígio da autoridade e para sancionar o libérrimo reinado da tanga.
As
regras no vestuário continuaram legalmente em vigor por vários anos, mas na prática
foram cada vez mais sendo postas em causa. Para isso, muito contribuiu o turismo
estrangeiro que, na década de sessenta, começou a procurar o nosso País.
Por
essa altura, Os Ridículos, publicou a caricatura de um cabo do mar, devidamente
uniformizado, utilizando uma fita métrica para medir uma banhista de formas generosas,
acompanhada com o comentário que doravante os fatos de banho, das
senhoras, não podem ter menos de metro e meio de pano nas costas.
Segundo
preconizava a Mocidade Portuguesa Feminina, os fatos de banho femininos excessivamente
curtos e decotados, de fazendas leves e cores muito claras são proibidos pela
moral cristã.
Sempre
que aparecia, um mundo de gente pequena abeirava-se dele. Era o Catitinha, um
homenzarrão, velhote de longas barbas, que percorria as praias do Minho ao
Algarve, brincava com os miúdos e tinha um apito para os chamar. Nunca o viram
pedir, mas também nunca o viram com fome, possivelmente não faltava quem lhe
tapasse a fome e o frio, porque todos o conheciam. Ninguém lhe pagava, ninguém
lhe agradecia. O Catitinha era uma instituição, um avô de todos. Dizia-se que
tinha sofrido um grande desgosto, a morte de um filho, e ficou sem tino.
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