O PADRE “BRIGALHEIRA”
E
OUTROS SACERDOTES EM MONTES/ALCOBAÇA
Fleming de Oliveira
Na década de 1920 foi colocado na Paróquia de
Alpedriz, o Pe. Joaquim Brigalheira que,
todavia, residia nos Montes.
Bom garfo, bebedor de vinho tinto e de bagaço
que destilava num alambique doméstico, vivia
com uma irmã que sovava, alegadamente por ser depravada e que, nessas
circunstâncias, se refugiava em casa de vizinhos ou no pinhal da Rosa Carreira,
bem como com uma criada para todo o
serviço[1] que, embriagada, cantava à porta de
casa e desafiava os passantes a entrar, beber um copito e petiscar uma
sardinha.
Brigalheira, não era um adepto da castidade sacerdotal no que a si dizia respeito, pois
reclamava-se homem que não é de pau.
Alcunha
pela relação com “Barguilheira” não
se sabe. Alto, magro, brigão, violento – Brigalheira
adviria da sua apetência para brigar? – utilizava o púlpito sem receio de
provocar ou incendiar paixões ou conflitos.
Sobre este sacerdote contam-se episódios
insólitos, picarescos, caricaturais ou lendários que chegaram até hoje, cuja
veracidade não se assegura. Segundo se dizia, tinha senhoras de quem colhia favores,
mas nunca constou que se envolvesse com crianças, usasse violência para sexo ou
que tivesse filhos. Conforme a lenda[2],
quando tocava o sino pelo número de badaladas, a visada sabia que estava a ser
chamada. Um dia, o sino tocou 4 vezes, mas apareceu a correspondente ao número
3, pelo que o Padre a recambiou – tem paciência, contaste mal.
Pessoa assim,
suscitava inquietações e inimizades, não apenas nos maridos, pais, irmãos ou
nas austeras paroquianas, pelo que andava com uma pistola à cintura, que um dia
deixou cair durante a celebração da missa, o que causou escândalo, mas nenhuma
reação do Padre.
O Dr. Amílcar
P. Magalhães (1908-1982), contava q
Por
alturas de 1924/1925, um grupo de homens, depois de uma pregação violenta (quiçá
desbocada), amarrou-o e levou-o para ser entregue às autoridades civis de
Alcobaça. Mau grado o ambiente anticlerical que ainda larvava, não ficou detido
graças à benevolência do Administrador do Concelho, tendo em conta a
intervenção do amigo Manuel da Silva Carolino[3].
Brigalheira era
supersticioso e considerava mau agoiro sentar 13 pessoas à mesa, mas aceitava-o
se uma tivesse um gato ao colo. Não deviam sentar-se 13 pessoas, pois Jesus
Cristo foi crucificado a uma sexta-feira e na última ceia estavam 13 pessoas.
Por isso, dá azar ter 13 pessoas à mesma mesa. Mas como surge o gato?[4].
Os factos imputados a Brigalheira
não são compagináveis com os que a Igreja Católica Portuguesa,
pretende apurar.
O relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais
de Crianças na Igreja Católica, que começou a recolher testemunhos em 11 de
janeiro de 2022, foi apresentado no dia 13 de fevereiro de 2023, em Lisboa. Pedro Strecht, que preside à
comissão, disse que há um setor da Igreja Católica que
quer manter os segredos e que se tornou muito claro que houve
encobrimento da hierarquia católica em Portugal, apelando à instituição
para vencer o medo e recusar a ocultação da ocultação. Strecht começou por prestar
tributo e homenagem às vítimas dos abusos que, são muito mais do que números ou estatísticas, e avançou
que foram recebidos 512 testemunhos validados,
dos quais 25 casos foram enviados para o Ministério Público. A Comissão recebeu mais de 600 queixas sendo
96% dos abusadores do sexo masculino. As queixas são provenientes, em
geral, do território nacional, em especial dos distritos de Lisboa, Porto,
Braga, Santarém e Leiria. A maioria dos
abusos aconteceu em seminários e colégios e hoje em dia a idade média das
vítimas é 52 anos, sendo a maioria do sexo masculino e já prescreveu, salientou
Laborinho Lúcio, durante a apresentação do Relatório O ex-ministro acrescentou
que a Comissão não podia ficar com estes de dados na mão e não enviar
ao Ministério Público.
Laborinho Lúcio, considerou que
o abuso sexual sobre crianças tem um efeito absolutamente nefasto no
seu desenvolvimento. Existe um dever moral do clero de denunciar este tipo
de crimes, apelou Laborinho Lúcio que sublinhou ainda a alteração à lei da
prescrição dos crimes de abuso sexual, considerando que só devem prescrever
depois de vítimas fazerem 30 anos. Quanto ao tipo de
abusos, os homens sofreram principalmente sexo anal, manipulação de órgãos
sexuais e masturbação, enquanto as mulheres sofreram, na maior parte dos
casos, insinuação.
Sobre
Brigalheira, poderia sintetizar-se (pese embora as controvérsias ou
lendas), que
Durante a vida
Comeu com afinco
Mas nunca obrigou ninguém
A ter de apertar o cinto.
Nunca teve enfarte
Nem mesmo congestão
Por isso recomendava
Boa carne, chouriço e salpicão.
Nunca
olhava a muitos gastos
Muito
menos à poupança,
O
que mais o interessava
Era
encher bem a pança.
Comia como um alarve
Sempre uma boa pratada
Mas neste seu dia
Só queria feijoada.
Comei
e bebei com muito cuidado
Porque
a gula é o maior pecado.
É
isto que vos aconselhamos
Mas
não sei se é o que nós faremos[5].
Cerca de
100 anos depois a sua personalidade permanece na memória popular, mais por
motivos fantasiosos, lendários ou caricaturais, que por um corriqueiro
quotidiano de vida sacerdotal.
Não nego os abusos. Mesmo que fosse um só, é
monstruoso, porque o padre e a freira têm de conduzir o menino, a menina a Deus
e, ao fazerem isso, destroem-lhes a vida, disse o Papa Francisco[6]. E sublinhou que, os abusos de
crianças destroem vidas e rejeitou a relação com o celibato.
O beirão Pe. Vergílio, que tempos depois
esteve colocado em Alpedriz/Montes, era supersticioso.
Afirmava que acariciar um gato atrai a sorte,
ter um gato atrai a fortuna e que se um pão cair no chão, deve ser beijado por
quem o deixou cair, porque está lá Nosso Senhor e assim não faltará comida ao
desleixado. Fez o ensino primário na sua aldeia da Beira-Alta, frequentou a
escola feminina, porque o pai conhecia a professora. A companhia das raparigas
garantiu-lhe a passagem fácil e direta para a segunda classe, bem como a
facilidade e gosto de lidar com mulheres. Para continuar a estudar, o Seminário
de Viseu era a única possibilidade. A vocação não seria profunda. Rezava, rezava muito bem, garantia mais
tarde, muitos padre-nossos e ave-marias,
segundo o preceito. A vida no Seminário não era muito fácil devido, em
especial, as regras impostas no funcionamento diário. O contacto com a natureza
fazia parte da rotina do Seminário, o que, aliás, não era estranho ao
seminarista Vergílio e lhe facilitou a integração. Ao lado do Seminário, havia
uma quinta que os rapazes frequentavam, onde, além de produtos da terra, tinha
uma vacaria. O Pe. Vergílio gostava de recordar a junta de bois que puxava o
carro, a charrua ou o arado, guiada por um servente, apoiado pela aguilhada na
extremidade. Tendo em conta a sua origem e formação, invocava saberes tão
simples como o que sendo o arco-íris um
bom prenúncio, conseguir ver ao mesmo tempo as pontas do arco-íris é um sinal
muito favorável, ou que ver ou ouvir
um pica-pau significa chuva.
Não há muitos anos, era costume no Natal e no
fim da Missa, as pessoas fazerem fila para, em frente ao altar, beijarem no
pezinho uma imagem do Menino Jesus. Num Natal, do início da década de 1950, o
uso cumpria-se em Alpedriz. O Pe. Vergílio, que conhecia por dentro e por fora
a vida dos paroquiano(a)s, descortinou na fila, através do véu, uma muito
compenetrada senhora, quarentona em bom estado, que já há algum tempo se
tentava insinuar. Ele não queria nada com ela, pois tinha disponíveis,
raparigas novas e fresquinhas.
Todavia, o Pe. Vergílio não conseguiu evitar fazer-lhe uma e pública maldade.
Quando chegou a sua vez, retirou-lhe o Menino Jesus, o que criou um grande surúrú, especialmente entre as
pessoas que não perceberam a razão do insólito gesto.
Havia muita gente que não gostava do Pe.
Vergílio. Mas ele não se preocupava e tinha um argumento eficaz. Quando a
orelha aquecia e rosava, isto é, de acordo com a tradição popular alguém estava
a falar mal dele, o Pe. Vergílio começava a dizer rapidamente o nome dos
suspeitos, até a orelha parar de arder ou perder a cor. Para aumentar a
eficiência do contra-ataque, o Pe. Vergílio mordia o dedo mindinho da mão
esquerda, para que o sujeito maldizente mordesse a própria língua.
Durante uma vindima, uma rapariga ao retirar
o lenço do bolso do avental, deixou inadvertidamente, cair um papel ao chão. As
colegas trataram de ver logo o que nele estava escrito. Para gáudio e surpresa,
constataram que lá estava ajustado um encontro com o Pe. Vergílio. O facto correu
célere, não tanto por ser interveniente o padre, o que não seria novidade, mas
por ser com uma rapariga, acima de toda a suspeita. Assim, os seus familiares,
para lavarem a honra maculada, foram queixar-se ao Bispo de Leiria, que,
possivelmente à espera de uma oportunidade, resolveu castigar o Pe. Vergílio,
mandando-o coadjuvar um outro, numa terra do Ribatejo. Segundo contava Altino
Ribeiro, o Pe. Vergílio, voltou a ter sarilhos de saias, pelo que ali esteve
pouco tempo, até ser nomeado capelão militar e enviado para Angola.
O Pe. Joaquim Henriques também deixou
marcas na zona.
Natural de Alpedriz vivia, com uma irmã, numa
casa perto da igreja[7]. Este sacerdote era invejado pela
rapaziada, pois nos fins da década de 1930, foi dono da primeira motorizada com
motor de arranque da freguesia[8]. O Pe. Henriques para cativar os
miúdos para a catequese ou missa,
oferecia-lhes rebuçados ou outras guloseimas. O Zé Narciso, com os seus oito ou
nove anos, afilhado do crisma, ia com frequência a casa do padre comer uma
bucha (um papo-seco com marmelada ou um naco de broa com uma sardinha a
cavalo), depois de o ajudar na missa ou lhe regar a horta.. O Pe. Henriques até
o chegou a aliciar para ir estudar para o Seminário de Leiria, ao que o rapaz
se negou pois, como mais tarde contou, tinha tanta vocação para ser padre como ele[9].
Certa vez em que o Zé Narciso passou por casa
do padre com intenção de comer qualquer coisa (em casa dos pais a comida nunca
era demais), a irmã disse-lhe que o padre não estava na Igreja. Entre voltar
para os Montes, com a barriguinha a dar horas, subir a íngreme ladeira, ou ir
ver o padre que sempre lhe poderia dar uma sandezita, optou por esta solução.
Entrou na Igreja sem fazer barulho (nessa altura andava descalço como toda a
rapaziada). Como não viu o padrinho foi andando, andando até à sacristia. Mas o
que é que aí viu? O Padre/padrinho, muito sentadinho num banco, batina puxada
para cima dos joelhos, com uma moçoila bem corada e afogueada aninhada ao colo.
Olhando-se, ficaram todos com ar muito comprometido, mas o Zé Narciso, por via
de dúvidas, pernas para que te quero, pôs-se a andar. Passadas umas duas ou três semanas, o Pe. Henriques mandou-o
chamar, pois o Zé Narciso havia passado a evitar prestar-lhe serviços caseiros
ou a ajudar na missa. O padre perguntou-lhe se, naquele dia, havia visto alguma
coisa. Corajosamente, o Zé Narciso respondeu, Oh padrinho, vi tudo! Então o padre, explicou-lhe que um homem,
mesmo padre, tem as suas necessidades. Oh
padrinho esteja descansado, que bem sei guardar um segredo!
E este foi tão bem guardado, que só
muitíssimos anos depois, é que a história veio a público e pode ser contada.
O Pe. Joaquim Henriques veio a ser
transferido para Porto de Mós e, passou a ser o responsável pela escrita de uma
empresa. Acabou por se juntar com a filha do dono da empresa, e ter com esta
dois filhos.
[1] Ascensão Franco Moreira (2022).
[2] Idem.
[3] Altino do Couto Ribeiro (2010) e Ascensão Franco Moreira (2022).
[4] Fleming de Oliveira in, No Tempo de Reis, Republicanos & Outros.
[5] Francisco Gomes de Meneses, do Porto. não conheceu o Pe. Brigalheira. Em 2009 foi de opinião que estes versos, cuja autoria desconhecia, parecem encaixar-se na maneira de ser de Brigalheira. F. Meneses faleceu em 2019.
[6] TVI/CNN Portugal, em 5.set. 2022.
[7] Ascensão Franco Moreira era sua afilhada.
[8] Altino do Couto Ribeiro (2009).
[9] José Narciso (2009).
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