GILBERTO DE MAGALHÃES COUTINHO,
A PRISÃO DE PENICHE
E
O SOLDADO MENESES
FLeming
de OLiveira
Gilberto
Magalhães Coutinho, foi detido primeira vez pela PIDE, em 22 de novembro de
1948 em Alcobaça. Tendo dado a entrada na respetiva Diretoria, em 24 de
novembro de 1948, para averiguações e recolheu de seguida ao Aljube.
Julgado
no Tribunal Plenário Criminal de Lisboa, em 6 de dezembro de 1949 foi condenado
a 2 anos de prisão maior celular ou em alternativa a 3 anos de degredo, na
suspensão de direitos políticos por 15 anos, 1000$00 de imposto de justiça, acrescido
das percentagens legais e sujeito a medidas de segurança. A pena de prisão
decorria de lhe ser imputado atentar contra a segurança do Estado e as Medidas
de Segurança, em função da sua perigosidade, numa avaliação e proposta feitas
pela PIDE. Expulso do PCP em Dezembro de 1950, continuou a militância política
embora discreta.
No 1.º
Juízo Criminal de Lisboa, em 30 de Maio de 1951, Gilberto Coutinho foi
novamente condenado no cumprimento de pena prisão e sujeito a medidas de segurança.
Antes fora sujeito à tortura do sono, mas não espancado, nem ao isolamento. Foi-lhe
concedida a Liberdade Condicional, com Termo de Identidade e Residência em 3 de
junho de 1953, com Guia da Cadeia do Forte de Peniche, emitida com data de 6 de
junho de 1953. Apenas em 8 de outubro de 1956 lhe foi concedida a Liberdade
Definitiva.
Falando
de si próprio, disse que desde a juventude que sou antifascista. Como
tal lutei contra o regime salazarista pela restauração da democracia,
que só o 25 de Abril acabaria por trazer. Embora não fosse dado a grandes
teorias, nomeadamente confidências com o autor deste livro, deixou uma vez
perpassar a ideia de que o isolamento – a que nunca foi sujeito, mas conheceu
casos – é bastante mais difícil de suportar que o espancamento. Menos doloroso,
muito menos que a estátua, mas muito mais abalador que a mera violência física,
presos houve que suportaram violentos espancamentos, mas cederam no isolamento.
Na cela, sem visibilidade para o exterior, sem nada para fazer, sem ninguém com
quem falar, sem nada para ler, ou para escrever, sem horas, dias atravessando
os dias e as noites, o preso em isolamento é mesmo um homem só, sem tempo, sem
espaço, sem vida. Como se tivesse sido metido num buraco e o mundo continuasse
a girar. uma reação significativa dos presos em isolamento era a ida a
interrogatório, ansiavam essa chamada como que ir ver o que se passava lá fora,
um regresso ao mundo dos vivos. Gilberto Coutinho admirava-se como Álvaro Cunhal
que esteve preso durante cerca de 15 anos, resistiu a oito em isolamento, sem
perder a noção do tempo e ceder a esta tortura violenta. Tendo estado presos ao
mesmo tempo em Peniche, ter-se-ão encontrado apenas umas duas vezes, tanto mais
que estavam sujeitos a regime distinto. Coutinho ouvia falar de Cunhal e como de
certo modo era respeitado pelos guardas prisionais, sem prejuízo de uma
especial vigilância que não impediu a fuga, ocorrida quando Coutinho já havia
saído.
Em
Peniche, Gilberto M. Coutinho conheceu o sold. Joaquim Marcelino Meneses,
acabado de ingressar na GNR e que estava colocado naquela prisão, de onde veio
a transitar para Alcobaça, até se reformar. Segundo Meneses, os guardas prisionais
estavam proibidos de conversar e de comer com os detidos, pelo que Gilberto
Coutinho, no isolamento, como que para meter conversa, foi quem tomou a
iniciativa de lhe perguntar se ou de onde se conheciam. Meneses, jogando à
defesa, retorquiu que não podiam falar um com o outro, pois de outro modo arriscava-se
a ir fazer-lhe companhia (na cela). De facto, não se conheciam de parte
nenhuma. Mais tarde, em Alcobaça, encontraram-se e Gilberto Coutinho, já comerciante
estabelecido, reconheceu-o sem acrimónia. Sem serem propriamente amigos,
passaram a lanchar de vez em quando. Para Meneses, não obstante, nunca ter
pactuado com socialismos como gostava de enfatizar, o trato político de
Gilberto Coutinho em nada o interessava. Gabava-se, de nunca ter dado
nenhum sopapo, por razões políticas ou outras, embora isso não fosse
raro na GNR de Alcobaça, no tempo do famigerado Sarg. Barbosa.
O
Regulamento da Prisão de Peniche servia de pretexto à direção da cadeia para
estabelecer o que era proibido. Meneses recordava com pouco à-vontade que o
dia-a-dia decorria ao som de apitos sendo quatro para levantar, fazer a higiene,
para as refeições, para o recreio, dois para a mudança dos guardas, ou um para
deitar. No Recreio, o preso estava impedido de falar em voz baixa, ler em voz
alta o jornal ou comentá-lo. Durante as refeições os presos também não estavam
autorizados a falar e o faxina tinha que aguardar autorização para servir a
refeição. Não era permitido aos presos compartilhar alimentos recebidos de fora,
a mais de dois companheiros. Durante o Convívio, numa sala com mesas de quatro
lugares, os presos não podiam mudar de lugar e as conversas tinham de decorrer
de forma a serem percetíveis pelos guardas. Jornais entravam um matutino e um
vespertino e acontecia que ao lado do lápis azul alguns chegavam com janelas,
isto é, tinham sido cortadas as notícias que se entendia não deverem chegar aos
presos.
Coutinho
nunca se assumiu como teorizador político – desde logo por falta de preparação.
Mas era possível intuir da sua conversa que, enquanto comerciante e pessoa – na
década de 1990 dono de uma drogaria com dois empregados situada no centro de
Alcobaça, bem afreguesada e atendimento muito personalizado – entendia que as
amplas liberdades para o PC, eram a liberdade de estar amplamente de
acordo com o partido ou pelo menos com ele se conformar. O povo e os seus
interesses eram identificados com a classe operária, onde propriamente já não
se integrava, esta com o partido e este com o devir histórico. As amplas
liberdades, seriam de facto bem amplas, pese embora fosse o partido a definir a
fronteira da anti liberdade, sendo que a liberdade era de todos os que se
identificassem com aquele, ou com os que se subordinassem. Sendo o PC a
expressão do operariado, do seu interesse e em consequência do povo, a anti
liberdade era a liberdade dos inimigos do operariado e do povo.
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