domingo, 24 de dezembro de 2023

PROCISSÕES À VIRGEM EM ALCOBAÇA

 

 

PROCISSÕES À VIRGEM EM ALCOBAÇA

 

Fleming de Oliveira

 

 

  Em maio de 1947, uma procissão com a imagem da Virgem Maria percorreu Montes (Aljubarrota, Juncal, Martingança e Marinha Grande).

  A população desta localidade ficou altamente sensibilizada por lhe ter sido conferida a honra, oportunidade, de ver in loco a imagem da Virgem e assim foi esperá-la à entrada da Freguesia[1].

  A procissão, encabeçada pelo Pe. Galamba pároco de Aljubarrota, visou constituir uma ação de graças pelo facto de Portugal ter ficado fora da II Guerra. Tal o entusiasmo e a adesão da população de Montes que as ruas por onde passou a procissão, foram atapetadas com ramagens, flores, ramos de eucalipto e pinheiro e encimadas com faixas saudando a Virgem. Na procissão integrou-se praticamente toda a população de Montes, que se deslocava a pé e em enfeitados carros de bois. Ao longo do percurso, as casas exibiam colchas que tombavam das janelas ou varandas. Durante a procissão o povo, cantava e orava orientado pelo Pe. Galamba, possuidor de excelente voz de tenor.  

 

Os Montes confiam em Vós

Dá-nos a bênção, rogai por nós

A nossa terra clama por Vós

Dai-nos a bênção, rogai por nós.

 

As crianças, a juventude

Os nossos campos, as nossas vinhas

Nossos quintais, tudo a orar

Dai-nos a bênção, rogai por nós.

 

Miraculosa, Rainha dos Céus

Sobre o Teu manto tecido de luz

Faz com que a guerra se acabe na Terra

Paz entre os homens, a paz de jovens.

 

Pelas crianças,

Pelos soldados que à guerra vão,

Pelos velhinhos sem lar nem pão,

Senhora escutai a minha oração.

 

  Conforme Ascensão Franco Moreira, então com 17 anos e que participou na procissão, a adesão popular foi tal que alguns montenses, reputados como não crentes, nela se integraram.

  O Pe. Galamba, disse mais tarde ao pároco de Alpedriz que os montenses tinham organizado a mais bonita receção entre todas pelo que lhes agradeceu a colaboração.

 

  Anunciada para a semana de 3 a 10 de junho de 1956 a visita a Alcobaça da imagem da Virgem, a vila alvoroçou-se e preparou-se para a receber, vestindo-se de gala, efetuando decorações com colchas e colgaduras nas janelas e, nas ruas onde iria passar o cortejo processional, erigindo tarjas e arcos com flores de papel.

  Foi grande a manifestação de religiosidade popular, talvez a maior ocorrida até então em Alcobaça, mas há que reconhecer, um conjunto de actos de pendor político, desde logo a entrada na Vila no dia 3 a partir de Évora de Alcobaça da imagem em procissão, onde se destacava o (alcobacense) Bispo D. António de Campos que a ela presidia, e era aguardada pelas autoridades locais, representantes de coletividades civis e religiosas, dos bombeiros e das escolas, e muito povo deslocado a pé ou em automóvel. D. António de Campos, dirigiu palavras de despedida e exortação ao povo de Évora de Alcobaça. À passagem pelos lugares de Capuchos e Casal da Ortiga, a imagem foi conduzida aos ombros por pessoas daqueles lugares que haviam intercedido para que lhes fosse concedida a honra. Dos Capuchos até Alcobaça, a estrada estava juncada de verdura. A procissão seguiu rezando até ao Mosteiro, onde se concentraram muitas pessoas. Depois de algumas palavras do Pároco da freguesia da Vila, D. António de Campos proferiu uma alocução de incitamento ao culto da Virgem e felicitou este grande povo cristão pela brilhante homenagem prestada a Nossa Senhora.

  À noite, a procissão de velas foi grandiosa. Centenas de pessoas formando alas e entoando cânticos, honraram a imagem da Virgem sob uma chuva de pétalas. O povo ajoelhava à passagem, e mesmo as casas humildes ergueram pequenos altares ornamentados. Significativa foi a visita da imagem ao Hospital da Misericórdia, onde foram benzidos os doentes.

  No domingo dia 7, ao fim da manhã, chegou o Cardeal-Patriarca D. Manuel Gonçalves Cerejeira e comitiva, de que faziam parte o Arcebispo de Mitilene (Manuel dos Santos Rocha[2]) e o Arcebispo de Cízico[3] (Manuel Maria Ferreira da Silva) que, depois dos cumprimentos, se dirigiram para o edifício da Câmara, onde eram aguardados pelo Presidente Carvalho e Vereadores, Bombeiros Voluntários, rapazes da Mocidade Portuguesa e outras entidades locais. O Presidente da Câmara, cumprimentou o Cardeal-Patriarca e agradeceu a sua honrosa presença, sempre muito querida para os alcobacenses. 

  D. António de Campos havia celebrado missa episcopal pelas 9 horas, com comunhão geral e ministrado o Crisma. Ao Evangelho não escondeu o júbilo por na minha terra se encontrar rodeado de tantos e bons amigos, e rendeu homenagem à Padroeira de Alcobaça e do Mosteiro, a quem solicitou proteção.

  Oferecido pela Câmara realizou-se um almoço no Refeitório do Mosteiro. Aos brindes usaram da palavra o Presidente da Câmara e o General Joviano Lopes, (Comandante Militar dos Açores), que enalteceram as virtudes e o talento de D. Manuel Gonçalves Cerejeira que agradeceu e elogiou o honroso passado histórico de Alcobaça.

  Às 15 horas teve lugar procissão com a Imagem Peregrina, presidida pelo Cardeal-Patriarca. A guarda de honra ao pálio era constituída por rapazes da MP, que se distinguiram pelo aprumo e constituíram o turno final ao andor. Praças da GNR formaram a guarda de honra a Nossa Senhora, precedendo a Banda.

  Terminada a procissão, seguiu-se um Te-Deum no Mosteiro, findo o qual o Presidente da Câmara, consagrou o Concelho à Virgem Maria. À despedida, o Cardeal-Patriarca felicito o povo de Alcobaça pela grandiosa receção feita à Mãe de Deus, que na sua terra e Mosteiro foi acolhida com festivas pompas.

  Por último, efetuou-se a Procissão da Partida, levando a imagem de Nossa Senhora até à Ponte Maria, onde as autoridades da Nazaré a aguardavam para a conduzir à freguesia de Famalicão, onde se iniciou a peregrinação naquele concelho.

  Ana Maria de Magalhães (Fleming de Oliveira) recorda-se da passagem da imagem da Virgem (pese embora ser ao tempo muito menina), pois tal como mais umas 20 ou 30 crianças participou de anjinho, na procissão que percorreu a Vila. O vestido branco foi feito em Alcobaça e as asas compradas em Lisboa, numa conhecida loja de artigos religiosos. A presença dos anjinhos, como refere Ana Maria, é um dos costumes mais tradicionais nas nossas procissões, meninos ou meninas, vestidos de branco, com asas postiças, bem na forma imaginária da conceção popular dos anjos.  As crianças estão a desaparecer das procissões portuguesas. Um pouco por todo o lado, comissões fabriqueiras e párocos lutam com a sua falta de adesão aos tradicionais rituais da terra. Com sorrisos e ingenuidade davam-lhe a graça e a inocência dos querubins.

  Apesar da afluência e concentração de povo, não houve registo de desordens ou de atos dignos de censura especial. Foi, todavia, preso em flagrante um carteirista, um tal Albano que, ao que se disse, tinha vindo de Lisboa[4] para trabalhar. O serviço de policiamento a cargo da PSP e GNR (no qual participou o agente GNR Hermínio Oliveira) foi satisfatório, mas os agentes eram poucos, e mal chegavam para a regulamentação do trânsito.

  O sentido político destas festividades católicas, não pode ser escamoteado em relação ao período em questão pois, se eram manifestações religiosas, eram concomitantemente, manifestações de poder. Controlar as festas num momento em que poder político e religioso se mantinham entrelaçados, era  maneira de controlar o súbdito e o fiel, e enquadrá-los numa celebração na qual as linhas de poder estavam definidas.

  Na qualidade de primeiro responsável nas festividades realizadas em Alcobaça, nos dias 3 a 10 de Junho corrente, em honra de Nossa Senhora de Fátima, cumpro o muito grato dever de testemunhar publicamente a minha agradecida admiração pela esplêndida cooperação, que se pode classificar de opulenta, por parte dos alcobacenses. É simplesmente justo mencionar, nomeadamente, o Exmo. Sr. Presidente da Câmara Municipal, seguindo-se-lhe todos os seus colaboradores, até aos varredores das ruas, e todos os munícipes. Pelo que todo o trabalho realizado tem de interesse pessoal em homenagear a Mãe de Deus, e é quase tudo, aqui deixo o testemunho da minha comovida admiração. Se se pensasse em promover um plebiscito popular, em ordem a averiguar o que, em Alcobaça, se pensa e sente relativamente a Nossa Senhora, tínhamo-lo aqui brilhantíssimo. Pelo que todo o trabalho realizado representa preciosa e insubstituível colaboração, não obstante todas as outras mais elevadas intenções, vai o profundo agradecimento do

Pároco de Alcobaça[5].

  Em 2010 realizou-se no Casal Velho/Alfeizerão uma solene Procissão do Senhor dos Passos[6], na qual se integraram uns 3 ou 4 anjinhos. Entre eles encontrava-se Inês Cardoso, então com 5 anos[7]. O vestuário, vestido e asas, foi fornecido pela paróquia e os meninos paramentaram-se na sacristia, enquanto o Pe. Joaquim Vieira Gonçalves[8]. Coim este, fizeram um curto ensaio e receberam instruções sobre a maneira como se deveriam postar. O sacerdote que assiste atualmente a esta localidade Gaetano Catalano da paróquia de S. Martinho do Porto, informou que esta procissão, com pena sua, ali já não se realiza.

 

  Segundo se diz, foi um sacerdote de Berlim que no final da II Guerra na Europa, propôs que uma imagem da Senhora de Fátima percorresse as capitais e cidades episcopais europeias até à fronteira da União Soviética. A ideia foi retomada em abril de 1946, por um representante do Luxemburgo no Conselho Internacional da Juventude Católica Feminina, e, no ano seguinte, no dia da sua coroação, teve início a primeira viagem.

 

  

Tocam os sinos da torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Mesmo na frente, marchando a compasso,
De fardas novas, vem o solidó.
Quando o regente lhe acena com o braço,
Logo o trombone faz popó, popó.

Olha os bombeiros, tão bem alinhados!
Que se houver fogo vai tudo num fole.
Trazem ao ombro brilhantes machados,
E os capacetes rebrilham ao sol.

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Olha os irmãos da nossa confraria!
Muito solenes nas opas vermelhas!
Ninguém supôs que nesta aldeia havia
Tantos bigodes e tais sobrancelhas!

Aí, que bonitos que vão os anjinhos!
Com que cuidado os vestiram em casa!
Um deles leva a coroa de espinhos.
E o mais pequeno perdeu uma asa!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Vai passando a procissão.

Pelas janelas, as mães e as filhas,
As colchas ricas, formando troféu.
E os lindos rostos, por trás das mantilhas,
Parecem anjos que vieram do Céu!

Com o calor, o Prior aflito.
E o povo ajoelha ao passar o andor.
Não há na aldeia nada mais bonito
Que estes passeios de Nosso Senhor!

Tocam os sinos na torre da igreja,
Há rosmaninho e alecrim pelo chão.
Na nossa aldeia que Deus a proteja!
Já passou a procissão
[9].

 



[1] Freguesia de Alpedriz de que Montes fazia parte.

[2] Arcebispo de Mitilene é um título eclesiástico, com a dignidade arquiepiscopal titular, que desde o século XIX é geralmente concedido ao bispo-auxiliar que desempenha as funções de vigário-geral do Patriarcado de Lisboa. O título corresponde à sé titular da antiga arquidiocese católica romana de Mitilene, atualmente integrada na Igreja Ortodoxa Grega.

[3] Arcebispo de Cízico é um título eclesiástico, com a dignidade arquiepiscopal titular.

[4] Antigo GNR Hermínio Oliveira, falecido (2009).

-Fleming de Oliveira in, No Tempo de Pessoas Importantes Como Nós.

[5] Pe. Manuel Vitorino.

[6] Nosso Senhor dos Passos, ou Senhor Bom Jesus dos Passos, é uma invocação de Jesus Cristo e uma devoção especial na Igreja Católica a ele dirigida, que faz memória ao trajeto percorrido por Este desde a condenação à morte até o seu sepultamento, após ter sido crucificado. Realiza-se na Semana Santa. Esta invocação se tornou-se muito popular em alguns países como Portugal, dando origem a rica iconografia. Na região de Leiria tem especial expressão em Porto de Mós e Nazaré. 

[7] Inês Cardoso deu bom contributo, em termos de secretariado.

[8] Encontra-se atualmente (2023) colocado na diocese de Leiria e em serviço de Colmeias e Memória.

[9] Versos de António Lopes Ribeiro, celebrizados pala voz de João Vilaret.

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