GOVERNADOR CIVIL
DE ALJUBAGRROTA
FLeming
de OLiveira
Manuel
Ângelo da Silva, tinha a fama de sendo personalidade muito próxima do Regime,
usar, abusar e até, se necessário, inventar influência para retirar benesses,
apresentando o cartão de legionário que trazia na carteira.
Com um
chapeuzinho preto, fato escuro e sapatos engraxados, dava ares de pessoa de
posses e influente, tanto mais que era o Regedor e Comandante da LP em
Aljubarrota, instituição a que se dedicava com empenho e que gostava de
invocar. Foi no seu tempo que esta corporação foi equipada com espingardas
Mauser, substituindo as armas de madeira, utilizadas em exercícios aos domingos
de manhã, antes da missa.
A LP
foi criada a 30 de Setembro de 1936 como milícia de voluntários, nacionalista e
anticomunista, destinada a organizar a resistência moral da Nação, tendo a ela logo aderido Manuel Ângelo da Silva.
Manuel Ângelo da Silva, vulgo Governador Civil de Aljubarrota, era tão bajulado, quanto repudiado, mesmo entre os correligionários. Como louvado daRepartição de Finanças e perito judicial, era vulgar vê-lo entrar nos serviços – em ambos os casos na ala norte do Mosteiro, respetivamente no rés do chão e primeiro andar – e perante a complacência dos funcionários, folhear processos, solicitar informações e até dar sugestões. Um dia, o Delegado do MP, encontrando-o na secretaria do tribunal perguntou-lhe se era advogado. Perante a resposta do género, informo V. Exª que sou apenas perito do tribunal em assuntos de propriedades, foi-lhe dito para sair, que ficava proibido de ali voltar a entrar e que iria dar instruções ao escrivão para não mais propor a sua indicação como perito.
Certo
dia dos anos de 1960 um funcionário, militante do PC – na clandestinidade como
se apurou – destacado para a Marinha Grande encontrava-se a fumar um cigarro,
perto do edifício da CM Alcobaça, quando passou o concorrido funeral de um
conhecido comerciante. O individuo não se descobriu a passagem da urna, manteve
displicentemente o boné e o cigarro na boca, o que foi bastante para suscitar o
reparo e a ira de alguns acompanhantes que lhe dirigiram impropérios.
Manuel
Ângelo assistiu também à cena, ficou intrigado, e sentindo como que um clique
dirigiu-se ao homem que, ao vê-lo aproximar-se, pôs-se em movimento, o que o
deixou ainda mais admirado. Sempre que se aproximava, o homem estugava o passo,
não respondia ao chamamento, até que passando à porta da GNR – então na chamada
Rua de Baixo –resolveu ir chamar o Sarg. Barbosa para o identificar.
Como o homem não trazia documentos, foi detido, e contactado o Comando Distrital percebeu-se que viera a Alcobaça tratar de reunir com camaradas da Crisal. Na Crisal havia alguns esquerdistas.
Mas comunistas?
Para
Manuel Ângelo da Silva foi uma grande jogada, que gostava de contar e iria fazer
parte do currículo de legionário e regedor.
J. Amílcar
Coelho, residente em Chãos, tal como Manuel Ângelo da Silva – eram vagamente parentes,
com contactos regulares entre as famílias e vizinhos – não tem ideia deste episódio,
mas é de opinião gue, a ter ocorrido, se enquadra no seu perfil.
Levi
Condinho, almoçou várias vezes com Manuel Ângelo no restaurante à Pissarra-Alcobaça
de José Caseiro, que aliás também era motorista de praça e achava que aquele
além de ser politicamente muito conservador, quiçá reacionário, era também um
ultramontano religioso. Levi diz que nessa altura se assumia como liberal e
católico militante, e que por isso as divergências eram muito acentuadas, terminavam
normalmente com exaltação, que era impossível existir consenso, tendo em
conta que aquele, no seu radicalismo, não aceitava opiniões que não fossem conformes
o que entendia ser a pureza da Fé cristã, as regras do Estado Novo e a prática
salazarista. Entre as muitas anedotas que se contam à volta desta castiça figura,
corria que ao comandar os trabalhadores ao seu serviço e tendo em conta a sua
formação de legionário, de que muito se orgulhava, gritava seco e forte: em
frente pessoal em direção ao curral do meu cunhado.
O
Manuel, vulgo “Borrego”, um rapazola matulão, mandrião e sem estudos, foi pedir
a Manuel Ângelo um emprego público, a troco de se filiar na LP.
Perante
este compromisso, Manuel Ângelo prometeu-lhe um emprego, levou-o a assinar a
ficha, arranjou-lhe fardamento e até uma verdadeira espingarda para utilizar em
exercícios e desfiles. Passados vários meses, o Borrego fazia exercícios,
vestia a farda, não caçava, mas do emprego não havia notícias.
Está
descansado, é só uma questão de esperares mais um pouco. Estás em primeiro
lugar.
Uma
noite, Manuel Ângelo foi a casa do Manuel Borrego levar-lhe a boa notícia.
Já tinha
o emprego público e podia começar quando quisesse, no cemitério de Aljubarrota,
pois o coveiro tinha morrido. O rapaz ficou aborrecido, recusou o emprego e
propôs-se restituir o fardamento e a Mauser. Mas isso não era possível, pois um
Legionário tem de o ser até ao fim… Percebes Manel? pelo que este, contrariado
e sem emprego público, continuou a marchar, a arrastar os pés com a LP e a
cantar desafinadamente o hino.
Mas a
vida dos negócios acabou por ser madrasta para Manuel Ângelo da Silva, não
tanto por má gestão própria, mas por circunstâncias que não pôde controlar, segundo
opinava o Prof. José Casimiro Rodrigues.
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